Bicentenário do Judiciário

STM lança livro em comemoração aos 200 anos da Justiça

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8 de dezembro de 2008, 23h00

Não são poucas as contribuições da Justiça Militar na garantia do Estado de Direito. Durante o regime de exceção que se iniciou em 1964 e durou 20 anos, foi no Judiciário Castrense que advogados de presos políticos conseguiram algumas das mais importantes vitórias legais contra a ditadura.

Para colocar em seu devido lugar a contribuição da Justiça Militar na construção de 200 anos do Judiciário, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar, e a juíza Zilah Maria Callado Fadul Petersen reuniram uma seleção de craques do Direito para escrever o livro Coletânea de Estudos Jurídicos.

A obra, que será lançada no STM nesta terça-feira (9/12), às 18h, traz 52 artigos escritos por 61 dos maiores nomes do Direito contemporâneo nacional e internacional sobre a Justiça Militar e o Direito brasileiro. Entre os autores, estão os advogados Arnoldo Wald — que escreve o textoUma importante contribuição do Superior Tribunal Militar à jurisprudência brasileira: a liminar em Habeas Corpus —, Francisco Rezek, Ives Gandra da Silva Martins e José Levi Mello do Amaral Júnior.

O ministro do STM Flávio Bierrenbach também brinda o leitor com o artigo Direitos Humanos e a Administração da Justiça por Tribunais Militares. O livro ainda traz textos de juristas da Alemanha, Argentina, Espanha, França, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai.

Leia a apresentação do livro

O lançamento da presente obra destaca-se dentre os eventos comemorativos do bicentenário da Justiça Militar da União, festejado neste ano de 2008. Proveniente do Conselho Supremo Militar e de Justiça, criado no dia 1º de abril de 1808, pelo Alvará com força de lei do Príncipe Regente de Portugal, D. João, foi instituído como foro especial para julgar delitos militares e configura-se como o primeiro Tribunal Superior de Justiça do País, cuja jurisdição, inclusive a recursal, abrangia todo o território nacional. Do Conselho Supremo Militar e de Justiça originou o Superior Tribunal Militar.

Posteriormente, o tempo e as mudanças ocorridas, inclusive no status político do Brasil, contribuíriam para a transformação daquele Conselho de Justiça na atual Justiça Militar da União, cuja estrutura e competência foram submetidas à diversas modificações até atingir as configurações atuais.

Seu périplo institucional foi longo. A despeito da evidente existência daquele órgão judiciário, a Carta Política Brasileira de 25 de março de 1824, não cogitou da Justiça Militar. Com a queda da Monarquia e a instituição da República, a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 a ela se referiria na Seção concernente à Declaração de Direitos, constituindo-a como foro especial para os militares de terra e mar nos delitos militares, dispondo que tal foro seria composto por um Supremo Tribunal Militar – com competência semelhante à do extinto Conselho Supremo Militar e de Justiça, com membros vitalícios – e pelos Conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes.

A Carta Política de 16 de julho de 1934 incorporaria, finalmente, a Justiça Castrense à estrutura do Poder Judiciário da União como decorrência da vontade soberana da Assembléia Nacional Constituinte, tendo estendido a competência para julgar civis nos casos expressamente nela referidos. Golpe de Estado ocorrido em 10 de novembro de 1937 institucionalizou o chamado Estado Novo e a Constituição outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas manteria a Justiça Militar integrada ao Poder Judiciário, assegurando-lhe a competência atribuída na Constituição anterior. Revogada pelo Texto promulgado em 1946, a novel Lei Maior introduziria pequena modificação, alterando o nome do Supremo Tribunal Militar, existente desde 1891, para Superior Tribunal Militar, mantido ainda hoje.

Com o início do regime militar em 1964, mudanças na composição do Superior Tribunal Militar advieram sob a égide da Carta Constitucional de 1967 tais como; a alteração do número de seus membros, a inclusão de representantes do Ministério da Aeronáutica e a ampliação da sua competência. Encerrado esse período, a vigente Lei Maior promulgada em 1988 manteve os Tribunais e Juízes Militares como integrantes do Poder Judiciário nacional, deslocando para a Justiça Federal comum, a competência para o processo e julgamento dos crimes políticos, “excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. Nestes termos, ao assegurar à Justiça Castrense o processamento e julgamento “dos crimes militares definidos em lei”, autorizou a Lex Fundamental que o legislador ordinário dispusesse sobre a organização, o funcionamento e a competência daquela Corte.

Por tratar-se de Justiça especializada, acoberta categoria especial de agentes, impulsionando a aplicação da lei militar às Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica – e julga os crimes militares definidos em lei, consoante o artigo 124 da Carta Magna, cujo agente poderá ser civil, se apontado pela norma legal incriminadora.

Disciplinam o conteúdo competencial, material e processual da Justiça Militar, as normas constantes dos Códigos Penal e Processual Penal Militar, instituídos pelos Decretos-Leis n.º 1.001 e 1.002, ambos de 21 de outubro de 1969, Conceitua, o primeiro Codex os crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra; já o segundo, o processo a ser realizado naquela jurisdição. Aludidos instrumentos apresentam-se como legislação penal especial derrogando, por conseqüência, a lei geral, quer penal, quer processual, que com ela conflite.

Ademais, cumpre mencionar a Lei federal n.º 8.457, de 04 de setembro de 1992, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares. Ressalte-se que, com a criação da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal, afasta-se, de imediato, da jurisdição da Justiça Militar da União, o processo e julgamento dos crimes militares praticados pelos Policiais Militares e Bombeiros Militares.

Assim, para efeito de administração da Justiça Militar da União em tempo de paz, a vigente regulamentação normativa que estrutura a Justiça Militar da União mantém a divisão do território nacional em Circunscrições Judiciárias Militares, atualmente doze, fixando a abrangência territorial de cada uma delas. Institui, outrossim, dezoito Auditorias Militares e Diretorias de Foro que, respectivamente, lhes correspondem, além da Auditoria de Correição, esta com jurisdição em todo o território nacional. Todos esses órgãos compõem a Primeira Instância, tendo como órgão de cúpula o Superior Tribunal Militar.

A Corte Superior Castrense é constituída por quinze Ministros vitalícios, sendo requisitos para a investidura no cargo a nomeação do Presidente da República e a posterior aprovação pelo Senado Federal de forma a conferir legitimidade à indicação presidencial. Seus integrantes, nos termos do artigo 123 da Constituição Pátria, são escolhidos dentre oficiais das Forças Armadas e membros da sociedade civil; vg: advogados de notório saber jurídico, juízes-auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar – propiciando a idoneidade e a imparcialidade necessárias à prestação jurisdicional.

Na Auditoria de Correição, o Juiz-Auditor Corregedor é autoridade única. Já nas Auditorias Militares, são órgãos judicantes os Conselhos de Justiça, os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos. Os Conselhos de Justiça são constituídos de cinco membros; quatro Oficiais – um dos quais preside o Conselho – e um Juiz togado, sendo aqueles sorteados dentre os que se encontrem no Serviço Ativo da Força cujo bem foi violado. Os Conselhos de Justiça podem ser Conselhos Permanentes de Justiça, constituídos trimestralmente para cada Força e destinados a processar e julgar praças e graduados denunciados em processos ordinários ou especiais, com acréscimo de dois suplentes para os Juízes militares, e Conselhos Especiais de Justiça, constituídos para cada processo – ordinário ou especial – instaurado contra o oficial, sendo integrado por militares de posto superior ao do acusado ou por militares de maior antiguidade embora do mesmo posto, sendo dissolvido após o julgamento do processo. Os Juízes-Auditores, titular ou substituto, são togados, integrantes da carreira da magistratura, e admitidos em concurso público de provas e títulos.

Neste ponto, imperioso elucidar não ter a Justiça Militar da União atuado ao longo da História Brasileira como uma Justiça de Exceção. Ao revés, há dois séculos seus magistrados, nomeados segundo as estatuições legais, sempre acataram com veemência os princípios, valores e fundamentos constitucionais. Neste sentido, inegável constituir a Justiça Militar da União um baluarte do Poder Judiciário e um exemplo de comprometimento concreto com Democracia.

O brilhantismo de sua trajetória é enaltecedor ao rememorarem-se os episódios vivenciados em 1937 quando o então, Supremo Tribunal Militar, reformou sentenças proferidas pelo Tribunal de Salvação Nacional vulneradoras dos Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão.

Relembre-se, outrossim, o período do regime militar, cuja independência e probidade na prestação jurisdicional levaram juristas famosos como Heleno Cláudio Fragoso, Sobral Pinto e Evaristo de Morais a tecerem candentes elogios à correção, altivez e serenidade de sua atuação.

Exemplo histórico enaltecedor é o caso da incomunicabilidade dos presos políticos, proibidos de manter contatos com seus patronos na vigência da Lei de Segurança Nacional e que teve, na histórica Representação nº. 985, correta e precursora solução, em consonância com os princípios do direito de defesa. Do mesmo modo, no R.C nº 38.628, assentou a Corte que a mera ofensa às autoridades constituídas, embora expressa em linguagem censurável, não mais tipificava crime contra a segurança do Estado. Igualmente relevante decisão prolatada no R.C nº. 5385-6 ao determinar que a greve, mesmo quando declarada ilegal pelo Executivo, se perseguir objetivos de melhoria salarial, não configurava crime.

As decisões aqui referidas, dentre tantas outras que poderiam citadas, conferiram incensuráveis desates e exata dimensão jurídica sobre temas que constantemente se prestavam a interpretações dúbias. E neste sentido, consolidou a Justiça Militar da União no transcorrer de dois séculos, jurisprudência dignificante, legando às gerações futuras e à memória do Poder Judiciário grandeza e honra.

A vivência bicentenária da Justiça Militar da União, mais antiga Justiça Pátria, cuja História se confunde com a própria História do Brasil, reflete a grandiosidade de sua dimensão institucional e enaltece o Estado de Direito, para além de revelar aptidão necessária para enfrentar os desafios da modernidade pelo seu célere desempenho.

Zilah Maria Callado Fadul Petersen e Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha

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