Medida ilusória

MP 449: governo diz “perdoar” mas quer apenas enganar

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7 de dezembro de 2008, 23h00

A recente Medida Provisória 449 foi amplamente anunciada como uma espécie de presente, um ato de generosidade do governo. Uma das manchetes a respeito dizia que era para “perdoar” dívidas de até R$ 10 mil, vencidas há mais de cinco anos.

O povo brasileiro não pode ser mais uma vez enganado. O Congresso, que é o nosso representante e a quem cabe fazer as leis, deve rejeitá-la, porque ela é totalmente inconstitucional, além de trazer vários prejuízos aos contribuintes.

Basta que se leia o artigo 62 da CF: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”

Os assuntos da MP 449 não são nem relevantes, nem urgentes. Não há nenhuma relevância que autorize a adoção de MP quando o assunto possa ser tratado por lei ordinária ou mesmo decreto, como é o caso desse falso “perdão”. Nem há urgência alguma nisso! Se a dívida está vencida há mais de cinco anos, provavelmente está prescrita. Se está sendo discutida há mais de cinco anos, pode esperar cinco meses, que é o tempo razoável para que o Congresso aprove uma lei a respeito.

O artigo 14 da MP, diz que “ficam remitidos os débitos com a Fazenda Nacional, inclusive aqueles com exigibilidade suspensa que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais e cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).”

Ora, se o débito está vencido há mais de cinco anos, deveria ser aplicado o disposto no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição: “ a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Mais eficaz que uma MP que depende de aprovação do Congresso e atrapalha o seu funcionamento (trancando a pauta) bastaria que se recomendasse aos juízes que cumprissem a Constituição, decretando de ofício a prescrição, como a lei já obriga.

A Lei 11.280 de 16/2/2006 deu nova redação ao parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, determinando que “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. Parece simples, sem necessidade do “marketing” de um “perdão” enganoso…

Se quisesse mesmo “perdoar” alguma coisa, a MP não colocaria tantas condicionantes no artigo 14 e seus parágrafos, a primeira delas com relação à forma de apuração do valor. Seria mais eficaz falar apenas em R$ 10 mil na data da distribuição. Abrangeria um numero maior de causas e reduziria as possibilidades de divergência de interpretação.

Se a questão da prescrição, que é definida em lei, fosse levada a sério, mais da metade das ações de execução fiscal simplesmente seriam arquivadas, com grande lucro para o erário. Poderia beneficiar “sonegadores”? Talvez, mas reduziríamos as enormes despesas com andamento de processos inúteis.

Tenho aqui no escritório, em andamento, execuções em andamento há mais de 20 anos, tanto na área federal quanto estadual e municipal. Logo vão dizer que são as manobras protelatórias dos advogados que provocam isso. Mas só nós cumprimos os prazos. Tenho execução de cliente que ficou anos e anos nas prateleiras do fórum, às quais eu não tenho acesso. Enquanto isso, os magistrados davam aulas, iam a congressos, tiravam férias de 60 dias, os funcionários faziam greve e os devedores sumiam com seu patrimônio e nada pagavam (alguns, lamentavelmente, nem os honorários do advogado).

Portanto, não há “perdão” algum essa MP. O que existe é uma tentativa de enganar os incautos, aqueles que não possuem advogados que possam invocar prescrição. Isso, efetivamente, não é relevante, nem urgente. Não demanda MP, demanda vontade de trabalhar e de fazer com que a lei seja cumprida.

Outra grande bobagem que não é relevante nem urgente é a que trata da cobrança do IOF nas operações de “leasing”. Logo depois da MP ser divulgada veio uma autoridade fazendária dizer que, diante da crise de vendas de automóveis, não vão cobrar o IOF por enquanto. Ou seja: não há urgência…

Se não é para cobrar já e não é urgente, já complicou a vida das empresas, pois as empresas de “leasing”, sem dúvida, vão restringir suas operações ou mesmo se antecipar, aumentando suas taxas. Afinal, banqueiro é banqueiro. E a impressão que se tem é que o “governo”, embora liderado por um trabalhador, representante do “povão”, continua a serviço dos bancos, da mesma forma como o anterior, liderado por um sociólogo, um representante da “zelite”…

Também não tem qualquer relevância nem urgência os dispositivos dos artigos 23 e seguintes da MP, que tratam de modificações no Processo Administrativo Tributário, onde se altera o nome do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda para “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”.

O Ministério da Fazenda, ao que parece, persiste no mesmo caminho autoritário da administração anterior, desejando castrar qualquer independência de um Conselho que deveria tentar resolver administrativamente os conflitos entre Fisco e Contribuinte.

Ao mudar o nome do Conselho para emblematicamente assinalar que se trata de órgão da Administração e não de Contribuintes, coloca estes em segundo plano, salientando uma postura mais parcial em favor do Fisco.

Além disso, reduz-se pela metade o prazo dos recursos especiais à Câmara Superior, limitando e restringindo a defesa dos contribuintes.

O chamado Recurso Especial depende sempre de amplas e demoradas pesquisas, posto que o Regimento Interno que o regula determina que ele “somente terá seguimento quanto à matéria pré-questionada, cabendo sua demonstração, com precisa indicação das peças processuais”.

Há enormes dificuldades práticas para tais pesquisas e indicação dessas “peças processuais”, mesmo para profissionais experientes, pois o Conselho não divulga suas decisões com precisão nem há repertórios facilmente disponíveis.

Portanto, se está a reformar o Processo Administrativo, trata-se de matéria que pode e deve ser feita através de projeto de lei, com amplo debate pelo menos ente as entidades de representação dos contribuintes, não se tratando de matéria relevante nem urgente. Não há relevância, pois o Conselho atualmente vem funcionando razoavelmente bem há vários anos. Não há urgência, também pelo mesmo motivo.

O que se percebe é que o Ministro da Fazenda (um ilustre professor que nunca administrou sequer uma quitanda) quer transformar o Conselho em mero órgão para homologar decisões das instâncias inferiores onde, salvo raras e honrosas exceções, os direitos dos contribuintes não são respeitados.

Outra grande enganação da MP são os artigos 24 e seguintes, onde multas são agravadas, especialmente as relacionadas com obrigações acessórias, esse gigantesco cipoal burocrático repleto de armadilhas de “controle”, tais como DCTF, DICOM, DAS, RAIS e outras estúpidas maluquices criadas por burocratas que passam o dia inventando novas máquinas de tortura para trucidar o contribuinte e enlouquecer os pobres contadores. Bem fez uma de minhas filhas que abandonou a contabilidade e se tornou psicóloga.

No ano passado vimos que o Congresso não aceitou a conversa mole da CPMF, quando o governo dizia que a arrecadação ia cair e a saúde falir. O Congresso afinal cumpriu seu papel de mostrar à sociedade que o poder emana do Povo, não dos banqueiros e outros parasitas que mandam o nosso Presidente assinar essas MPs ilusórias, enganadoras.

Agora, é preciso que a sociedade não se deixe enganar com essa mentirosa afirmação de “perdão” daquilo que juridicamente já está extinto e exija de seus representantes que rejeitem a MP 449, porque ela é absolutamente inconstitucional.

Se for aprovada como está, provavelmente nós advogados vamos ser beneficiados com mais trabalho e até podemos ganhar um pouco mais. Mas o Congresso representa o interesse de toda a Nação, de todo o Povo, não apenas o de uma categoria profissional.

O Presidente está prestigiado pelo Povo, mas está muito mal acompanhado! Precisa ficar de olho. Essa papelada que ele assinou sem ler ou sem entender não é urgente nem relevante. Não é uma Medida Provisória, mas é apenas ilusória.

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