Algum tipo de luz

Desafio da Constituição é fazer valer e aperfeiçoar o que existe

Autor

8 de dezembro de 2008, 16h42

Incoerência, resistência, imaturidade frente à supremacia da questão cidadã. É o mínimo que se pode dizer sobre as lacunas ainda abertas 20 anos depois de promulgada a Constituição Federal. Exemplos não faltam, posto que, ao nascer, aquela carta emitiu sinais de sua incompletude, ao sacramentar no Artigo 5º, LXXI, o seguinte: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Pois bem. Tente o incauto ingressar com a medida e a resposta mais provável será a de que direito existe, mas não está regulamentado. Grosseiramente, seria o mesmo que, vigendo até então a pena de morte, em sendo ela vedada, mas sujeita à regulamentação, à falta de norma, estaria negado o direto à vida.

Ainda que marcado pelo exagero e pela dramaticidade, o exemplo serve de referência sobre quão importante é o debate. Afinal, estão em jogo, pelo menos nesse segmento, questões essenciais relativas a direitos e liberdades constitucionais e cidadania, esta última em seu mais largo espectro. Após reiterados distanciamentos da questão, o Supremo Tribunal Federal deu sinal de vida, por meio do ministro Celso de Mello: “não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional –, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”.

Com aquela manifestação, a Corte Magna decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao direito de greve no setor público, e determinou a aplicação, no que couber, da lei de greve vigente no setor privado.

O exemplo está longe de esgotar o tema, posto que não esteja em jogo apenas o que não está regulamentado, mas o que já está, além das contradições e os choques de direitos. Eis o desafio: vinte anos depois, fazer valer e aperfeiçoar o que existe.

A Carta em vigor é, em tese, o resultado da vontade do povo. Por meio de seus representantes eleitos, ainda que com voto espúrio e comprado por parte de muitos, os que a ela assinaram, tinham procuração dos eleitores. Queixam-se muitos de suas discutíveis quase cinqüenta emendas em duas décadas, mas ainda é o grande paradigma nacional. Por até então viver um momento de trevas, o deputado Ulysses Guimarães ao promulgar a Carta, pontificou: “Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los”. É o que se espera.

Editorial publicado pela revista Artigo 5º

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!