Segunda Leitura

Segunda leitura: como as tragédias naturais influenciam o Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

6 de dezembro de 2008, 23h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A catástrofe de Santa Catarina deixou um saldo de mais de 100 mortos, cerca de 70 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, além de muitas infectadas por doenças como a leptospirose, cujas conseqüências são ignoradas. Uma lástima em todos os sentidos. Santa Catarina, sétimo estado na economia nacional, que aparecia nos indicadores oficiais como o de menor índice de analfabetismo e violência e de maior longevidade, passará agora por dificuldades econômicas difíceis de serem avaliadas.

A ocorrência não é a primeira nem será a última. O fenômeno do aquecimento global aponta para desastres semelhantes, em espaços de tempo cada vez menores. A desmedida ambição humana, o consumo sem limites, novos hábitos insensatos (p. ex., entrega de jornal em saco plástico), a explosão populacional avançando sobre os recursos naturais, tudo isto vem colaborando para tal estado de coisas.

Vivemos tempos de mudanças. Por exemplo, o descongelamento das geleiras está nas redes de televisão e a elevação do nível do mar já é uma realidade (vide Ilhas Maldivas, Veja, n. 46, nov./2008, pp. 94/95). Porém ainda há vozes, cada vez mais isoladas, a sustentar que estas transformações são fatos naturais e não conseqüência da civilização industrial. Mas, mesmo os que têm esta opinião, não negam que as catástrofes vêm se sucedendo com mais força e freqüência.

Do ponto de vista exclusivo das relações jurídicas, vejamos em que e como tudo isto influirá. Em uma mirada genérica, é possível dizer que os desastres ambientais poderão gerar no âmbito do Direito, antes ou depois de ocorrerem, os seguintes reflexos:

a) No Direito Civil os contratos serão cumpridos com menos rigor e a rigidez do “pacta sunt servanda” cederá a um juiz mais consciente de seu papel social, aliás como já permite o Código Civil (p. ex., artigo 413);.

b) Os seguros serão mais caros e na área ambiental serão praticamente inexistentes, reservados apenas a casos especiais e com cláusulas que evitem conseqüências imprevisíveis;

c) Pedidos de declaração de ausência serão mais comuns nos foros estaduais, já que nem sempre corpos de desaparecidos serão localizados;

d) O Direito do Trabalho será chamado a dirimir mais conflitos, muitos deles decorrentes de empresas em dificuldades financeiras e empregados buscando algo para a própria sobrevivência;

e) O Direito Previdenciário será alvo de mais ações, uma vez que muitos serão os pedidos de auxílio-doença, aposentadoria e benefícios assemelhados;

f) O Direito Tributário procurará estimular a proteção do meio ambiente, por exemplo, através de alíquotas menores para os que preservam o meio ambiente (vide ICMS ecológico do Paraná);

g) O Direito Econômico estimulará a manutenção de reservas florestais, nascentes de água e outros bens ambientais, não apenas isentando de tributos, mas também fornecendo estímulos econômicos aos proprietários;

h) O Direito do Consumidor será chamado para exigir dos produtores que deixem bem claro na propaganda e outros meios de comunicação (tal qual para os cigarros) os efeitos do produto no meio ambiente (p. ex., deixando explícito quais os veículos que emitem maior CO2 na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global);

i) O Direito Bancário terá nos empréstimos cláusulas de garantia de proteção do meio ambiente, responsabilizando-se os Bancos, solidariamente, nos casos de financiamento de projetos ambientalmente nocivos;

j) Os financiamentos de aquisição da casa própria terão maior inadimplência, exigindo do juiz, acima de tudo, uma postura de conciliador;

k) O Direito Penal será mais invocado, principalmente nos crimes contra o patrimônio, já que a criminalidade aumentará, fruto do caos social que acompanha situações de calamidade pública ou mesmo de crises econômicas que a ela se seguem;

l) O Direito Ambiental assumirá um papel cada vez mais importante, implicando em atuação mais severa dos órgãos ambientais e julgamentos mais rigorosos por parte dos Tribunais;

m) O Direito Internacional Público criará regras específicas, fruto de Tratados que deverão ser celebrados para solucionar problemas ambientais transfronteiriços;

n) Pedidos de alvarás para liberação do FGTS, PIS e PASEP serão cada vez mais freqüentes.

o) O Direito Constitucional terá que se ocupar de situações absolutamente novas e imprevisíveis, como a de um agricultor catarinense que no dia 1.12 passado foi algemado para deixar a área de risco (Estado de São Paulo, 2.12.2008, C4), o que contraria a Súmula 11 do STF, que trata do uso de algemas.

p) O Poder Judiciário terá que adaptar-se aos novos tempos, aumentando a competência e fortalecendo os Juizados Especiais e Turmas Recursais, que serão os maiores caudatários das reivindicações jurídicas.

Possivelmente, todo o alfabeto seria consumido em uma análise mais meticulosa. Mas o objetivo não é este. O que se pretende é apenas mostrar que estamos diante de uma nova realidade e que o Direito será, por ela, afetado em todas as suas esferas. Aos operadores da área, inclusive os para-legais, cabe atentar para os novos tempos que se avizinham, a fim de que neles bem possam exercer suas atividades.

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