Tentativa de suborno

Acusado de tentar subornar PF diz que dinheiro não era de Dantas

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7 de dezembro de 2008, 17h55

O professor universitário Hugo Sérgio Chicaroni, acusado de tentar corromper o delegado Victor Hugo com R$ 1 milhão para livrar o banqueiro Daniel Dantas e sua família de investigações da Polícia Federal, apresentou mais uma versão à Justiça. Desta vez, ele afirmou que parte do dinheiro encontrado pela Polícia Federal em sua casa em São Paulo, durante a operação batizada como Satiagraha, não é do banqueiro. Ele garantiu, nas alegações finais, que “aquela quantia não lhe foi encaminhada nem pelo co-réu Humberto Braz [ex-presidente da Brasil Telecom e braço direito de Dantas] e nem pelo co-réu Daniel Dantas”.

No entanto, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo neste domingo (7/12), questionado sobre a origem de R$ 865 mil encontrados em sua casa, respondeu: “Esse dinheiro foi mandado a mim pelo Braz, para que guardasse em São Paulo, mas eu não sabia para quê os recursos seriam usados.”

As alegações finais, assinadas pelos advogados Luiz Carlos da Silva Neto e José Julio dos Reis, do Rio de Janeiro, foram obtidas com exclusividade pela revista Consultor Jurídico.

Dantas foi preso em julho pelo delegado Protógenes Queiroz, que comandou a Operação Satiagraha, e condenado no início de dezembro por corrupção ativa. Na mesma sentença, assinada pelo juiz Faulto De Sanctis, foram condenados Chicaroni e Humberto Braz a sete anos e um mês de prisão, cada um.

Chicaroni prestou um depoimento, no dia 7 de agosto, em que mudou completamente a primeira versão do caso. Acusou Protógenes de ter pedido dinheiro a ele para retirar Daniel Dantas e sua irmã Verônica da mira da Polícia Federal. Chicaroni disse que é amigo do delegado há pelo menos sete anos e relatou detalhes dessa proximidade – desde saírem para comer pizzas até gentilezas a familiares.

Anteriormente, logo depois de ser preso, no dia 8 de julho, Chicaroni afirmou que o dinheiro era do Opportunity e foi levado a ele por pessoas do grupo financeiro de Dantas para ser entregue a policiais. Depois, no primeiro depoimento à Justiça, ele permaneceu calado. Em outro depoimento, afirmou que não foi ele quem ofereceu dinheiro a policiais federais. Ao contrário. Ele disse que a soma inicial de R$ 50 mil, para mudar o curso das investigações, foi pedida pelo próprio delegado Protógenes. Nas alegações finais, acusou Protógenes de “cometimento, em tese, dos delitos de prevaricação e falso testemunho”. E ainda: de omitir conversas telefônicas travadas com os investigados.

Chicaroni não disse quem é o dono do dinheiro encontrado em sua casa. “De fato, o ora acusado não detém, no momento, informações suficientes para que esse juízo possa ser esclarecido acerca da origem do numerário que teria sido objeto de “repasse” ao delegado Victor Hugo, podendo, contudo, assegurar que aquela quantia não lhe foi encaminhada nem pelo co-réu Humberto Braz e nem pelo co-réu Daniel Dantas”.

O advogado de Daniel Dantas, Nélio Machado, tem sugerido que a Operação Satiagraha ocorreu para atender interesses privados.

Veja os principais trechos das alegações finais de Chicaroni

Contradições de Protógenes

“Contudo, em flagrante contradição com a afirmativa do delegado Protógenes pela qual o ora acusado teria feito contatos telefônicos com o delegado Victor Hugo, quando este último depõe em juízo refuta a informação prestada pelo delegado Protógenes e assevera expressamente que teria sido procurado, via telefone, apenas pelo co-réu Humberto Braz, e nunca pelo ora acusado. A contradição é flagrante e se refere a um ponto da investigação que deveria ser coerente para os delegados federais envolvidos, qual seja, a exata identificação de qual pessoa teria procurado essa ou aquela autoridade policial. Nesse contexto sobressai que o delegado Protógenes cometeu, em tese, os delitos de falso testemunho e de prevaricação, uma vez que no dia 10 de junho de 2008 teria recebido do ora acusado promessa de recompensa e, contudo, omitiu essa informação em juízo afirmando que teria tratado com o ora acusado no dia 10 de junho de 2008 apenas de amenidades e da alegada intermediação com o delegado Victor Hugo. Ora, se em 10 de junho de 2008, o ora acusado teria feito expressa promessa de recompensa era de dever de oficio do delegado Protógenes prender em flagrante aquele, uma vez que naquela data inexistia ação controlada em andamento. Assim, ao deixar de praticar ato de ofício, o delegado Protógenes cometeu em tese o delito de prevaricação (página 14)”.

Divergências

“Sobressai ainda substancial divergência entre os depoimentos prestados pelos delegados Victor Hugo e Protógenes no que se refere ao alegado contato telefônico do ora acusado em face do delegado Victor Hugo o que retira a credibilidade dos mencionados depoimentos quando divergem acerca de informação pontual da investigação realizada. Por fim sobressai ainda a constatação pela qual a medida de ação controlada encetada não detinha substrato factual e jurídico para ser realizada, uma vez que o delito de corrupção ativa segundo a acusação, teria sido perfazido, em tese, no dia 10 de agosto de 2008, quando teria havido a alegada promessa de recompensa por parte do ora acusado sendo certo que as tratativas posteriores teriam se configurado em mero exaurimento da conduta, uma vez que se cuida de crime formal que, assim, já estaria consumado quando do início da ação controlada, razão pela qual essa medida cautelar detinha fundamento para ser procedida (página 16)”.


Intermediários

“As medidas cautelares encetadas dão conta do fato pelo qual o ora acusado teria sido intermediador para a aproximação do co-réu Humberto Braz, alegadamente sob os interesses em gerência do co-réu Daniel Dantas, para que aquele primeiro co-réu se encontrasse com o delegado Victor Hugo, no suposto intento de algum tipo de benefício que aquele segundo co-réu teria em relação às investigações que se supunham existir contra este último e sua irmã, Verônica Dantas, por parte da Polícia Federal. Contudo, é necessário asseverar que em nenhum momento os autos dão conta do fato pelo qual o ora acusado estaria intermediando um contato do delegado Victor Hugo e com o co-réu Humberto Braz, sendo este último ciente de que aquele, de fato, se trataria de um delegado de Polícia Federal (página 46).

Escutas

“De início, cumpre observar o teor da informação […], prestada pelo delegado Victor Hugo acerca de uma primeira ligação que o co-réu Humberto Braz teria efetuado para aquela autoridade policial e redundou na apresentação da medida de ação controlada: “na data de hoje, às 20:26h, recebi um telefone (sic) do investigado Humberto, vulgo Guga. Fui chamado pelo investigado de doutor Victor Hugo, apesar de jamais ter conversado com ele, seja pessoalmente seja por telefone. Em juízo, o delegado Victor Hugo novamente narrou como teria sido o primeiro contato telefônico que o co-réu Humberto Braz teria realizado perante aquela autoridade policial “(…) MPF: Excelência, alguns esclarecimentos, a minha primeira pergunta foi a seguinte: No primeiro contato de Humberto Braz com o senhor na ligação do celular, ele se apresentou de alguma maneira, mencionou algum contato? DEPOENTE: Não, ele disse: “doutor Victor Hugo, tudo bem? Aqui é o Humberto”, (…)

“Ocorre que em nenhuma outra passagem seja da degravação da escuta ambiental referente à ação controlada seja de ante dos depoimentos dos delegados Protógenes e Victor Hugo se extrai qualquer informação pela qual se demonstrasse que o co-réu Humberto Braz seria ciente prévio do fato pelo qual o delegado Victor Hugo seria um delegado de Polícia Federal. De fato, todas as “conversas” interceptadas tratam do alegado intento do co-réu Humberto Braz para que o co-réu Daniel Dantas e sua irmã, Verônica Dantas, fossem afastados de uma investigação que a Polícia Federal estaria realizando. Assim, em nenhum momento resta explicitado que o ora acusado teria “apresentado” o co-réu Humberto Braz ao delegado Victor Hugo identificando este último seria um delegado de Polícia federal e que, nessa qualidade estaria à frente daquela investigação que envolveria o co-réu Daniel Dantas. Com efeito, não é possível identificar, seja na degravação da ação controlada seja nos depoimentos prestados pelos delegados Victor Hugo e Protógenes que o ora acusado teria “apresentado” o delegado Victor Hugo ao co-réu Humberto Braz com aquele sendo na qualidade de delegado da Polícia Federal” (páginas 47 e 48).

Não-suspeito

“É mais do que sintomático o fato pelo qual o delegado Protógenes revela, em juízo, que o ora acusado não era suspeito das investigações até o dia 10 de agosto de 2008, ocasião em que, em Brasília, o defendente teria afirmado ao delegado Protógenes que estaria intermediando um “contato” entre o co-réu Humberto Braz e o delegado Victor Hugo” (página 50)

Ligações

“Causa assim estranheza que a partir do dia 26 de abril de 2008, quando publicada a reportagem do jornal Folha de S.Paulo, até o dia 10 de junho de 2008. o acusado teria realizado nada menos do que 61 ligações para o delegado Protógenes, ao passo que este último teria realizado apenas 19 ligações para o ainda defendente, todas a partir de 10 de junho de 2008” (página 51)

Telefonemas

“A primeira contradição evidente se refere exatamente diante das simples pergunta efetuada por esse magistrado acerca da existência de contatos telefônicos entre o acusado e o delegado Protógenes antes do dia 10 de junho de 2008, indagação esta respondida negativamente. Em seguida, por intermédio de repergunta por parte deste magistrado, o delegado Protógenes se contradiz e afirma que teria tido conversas telefônicas eventuais com o acusado, e novamente se contradiz ao indicar que aquelas supostas conversas teriam se ocorrido a partir do dia 10 de junho de 2008, uma vez que até então o acusado teria afirmando ao delegado Protógenes que vinha tentando contato telefônico com este último sem sucesso.” (página 52)

Sem conversas

“Ora, como poderia o delegado Protógenes ter tido conversas eventuais ao telefone com o acusado antes do dia 10 de junho de 2008 conforme a expressa indagação deste magistrado, se o próprio delegado Protógenes assegura em seu depoimento que o acusado lhe teria afirmado que ao longo de todo mês de maio não teria conseguido conversar ao telefone com aquele?” (página 53)


PF contra Protógenes

“E mais: como o delegado Protógenes assegura sobe termo de compromisso em juízo que não teria conversado ao telefone com o acusado ao longo do mês de maio se o relatório referente à quebra do sigilo das ligações telefônicas entre o delegado Protógenes e o acusado demonstra que somente no mês de abril de 2008 teria havido chamadas por parte do acusado para o delegado Protógenes que redundaram em quatro contatos identificados a partir do dia 26 de abril de 2008, um deles com duração de 234 segundos? Ou então mediante a informação pela qual entre os dias 29 de abril de 2008 e 9 de junho de 2008 o acusado teria realizado dezenas de chamadas telefônicas para o delegado Protógenes tendo sido identificadas durações de conversas que variaram entre 6 segundos e 69 segundos? Quem está correto, o departamento de Polícia Federal ou o delegado Protógenes? Sim, porque ambos não podem estar corretos em relação à manifesta contradição acima explicitada” (página 54).

Mais ligações

“Sem prejuízo da medida acima postulada importa ainda ressaltar que diante de todo esse contexto causa espécie o fato de não ter sido requerida a quebra de sigilo das comunicações telefônicas do ora acusado, já a partir do dia 28 de abril de 2008, data em que, sintomaticamente, apenas dois dias após a reportagem da Folha de S.Paulo aquele teria ligado para o delegado Protógenes e mantido contato por expressivos 234 segundos, ligação essa que se repetiu ainda nas datas de 29 de abril de 2008, por várias vezes, e ainda no dia 6 de maio de 2008, por duas vezes mediante duração da chamada, e em 12/05/2008, 13/05/2008, 15/05/2008, 26/05/2008, 29/05/2008, 02/06/2008, 04/06/2008, e 09/06/2008, todas estas também mediante verificação de duração nas chamadas. Ora, se o acusado mantinha com o delegado Protógenes tamanha quantidade de contatos telefônicos, informação essa que parece ter sido dissimulada por aquela autoridade policial em juízo, cabe a indagação: por que motivo não se deu a interceptação das comunicações telefônicas do acusado já a partir do di 28 de abril de 2008, se o intento daquele, segundo narra o delegado Protógenes, sempre foi o de praticar delito de corrupção ativa? Ou será que a iniciativa para que o acusado tivesse acesso à investigação noticiada pela Folha de S.Paulo não teria partido exatamente daquele, e sim pelo delegado Protógenes, o que configuraria crime impossível por instigação do agente provocador?” (página 55).

Segredos de Protógenes

“A verdade é que todas as indagações acima formuladas a respeito de tamanha controvérsia apontam para uma conclusão: parece ter faltado interesse por parte do delegado Protógenes para expor o conteúdo das ligações telefônicas existentes entre o acusado e aquele” (página 56).

Paradoxos

“O fato é que tamanha obscuridade e paradoxo apontam para um único sentido, o de que faltava interesse por parte do delegado Protógenes para que as alegadas “tratativas” travadas com o ora acusado viessem à tona e pudessem demonstrar quem, de fato, deu início à consecução do delito de corrupção ativa, se o acusado, ou se factível provocação do delegado Protógenes” (página 58).

Impressões

“Todas as menções que os depoimentos prestados em juízo pelos delegados Protógenes e Victor Hugo dão conta de que tanto o ora acusado quanto o co-réu Humberto Braz teriam “deixado a impressão” de que o co-réu Daniel Dantas teria de fato repassado recursos financeiros para aqueles dois acusados sendo certo que o teor dos referidos depoimentos informam que é da interpretação subjetiva daquelas autoridades policiais o fato pelo qual o co-réu Daniel Dantas estaria realmente encaminhando valores financeiros para serem hipoteticamente repassados às autoridades policiais por conta de determinado inquérito policial” (página 63).

Sem fundos

“Contudo e diante do teor dos depoimentos prestados pelos delegados Protógenes e Victor Hugo não se tem a demonstração empírica pela qual se possa ter como conhecida e provada a circunstância ante a qual o ora acusado e o co-réu Humberto Braz teriam disponibilidade financeira capaz de encetar o delito de corrupção ativa a partir de uma suposta intervenção do co-réu Daniel Dantas. Pelo exposto, deve ser afastada qualquer tipo de ilação que seja fundada em conjecturas e suposições a respeito dos valores que o parquet federal alega que teriam sido disponibilizados para consecução do delito de corrupção ativa uma vez que este fato não se cuida de uma circunstância conhecida e provada de forma suficientemente apta ensejar um decreto condenatório com base naquelas ilações” (página 65).

Dono da grana

“De fato, o ora acusado não detém, no momento, informações suficientes para que esse juízo possa ser esclarecido acerca da origem do numerário que teria sido objeto de “repasse” ao delegado Victor Hugo, podendo, contudo, assegurar que aquela quantia não lhe foi encaminhada nem pelo co-réu Humberto Braz e nem pelo co-réu Daniel Dantas” (página 66).

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