Planejamento judicial

Administração da Justiça não pode depender só do Direito

Autor

  • Pedro Madalena

    é juiz de direito aposentado em Santa Catarina e autor de livros e artigos jurídicos sobre administração e informática jurídicas.

4 de dezembro de 2008, 23h00

O presente artigo foi idealizado a partir do contido no brilhante trabalho “Processo e Administração da Justiça: novos caminhos da ciência processual”, de autoria do juiz federal (PR) Vicente de Paula Ataíde Junior — vide Ataíde Junior, Vicente de Paula. Processo e Administração da Justiça: novos caminhos da ciência processual. Curitiba: IBRAJUS-Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário, 2008. Acesso em: fev. 2008.

O objeto deste trabalho é identificar o liame existente entre a técnica operacional do sistema do processo judicial tratado pela ciência do Direito e a técnica operacional do respectivo procedimento pela ciência da Administração, em que deve comportar sempre planejamento multidisciplinar.

Com muita maestria, Vicente de Paula, logo na abertura do seu artigo, coloca o leitor a refletir sobre tema inédito que merece ser pesquisado, quando salienta que a Teoria Geral do Processo sempre pecou por deixar de relacionar a jurisdição com a administração da Justiça, optando por analisar o fenômeno jurisdicional como algo abstrato, fecundo apenas no campo das idéias. Mas, contemporaneamente, percebe-se que o sucesso da jurisdição não corresponde, apenas, ao avanço da técnica processual, mas, sobretudo, à operacionalização do poder jurisdicional, via mecanismos de gestão administrativa.

Para se desenvolver o tema aqui proposto, há necessidade de se abordar previamente, pelo menos em síntese, o sistema judiciário brasileiro. A doutora Cláudia Maria Barbosa, em novembro deste ano de 2008, no “Congresso Internacional de Política Judiciária e de Administração da Justiça — painel Poder Judiciário e Economia”, realizado em Curitiba (PR), apresentou um trabalho de primeira grandeza sob o título “Parâmetros necessários de reforma judiciária para enfrentar os desafios da sociedade do século XXI” — vide IBRAJUS – Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário. Congresso Internacional de política judiciária e de administração da justiça. Curitiba (PR): Portal , set. 2008. Acesso em: 04 out. 2008.

Na Revista IBRAJUS 1 – Poder Judiciário e Administração da Justiça — em “Sistema judiciário brasileiro, os seus diagnósticos como instrumentos de uma política ou de planejamento judicial”, de Guilherme da Costa e Claudia Maria Barbosa, publicada na Revista IBRAJUS 1 – Poder Judiciário e Administração da Justiça, Juruá Editora, 2008, 149 p., Curitiba/PR —, referida ilustre professora dos programas de mestrado e doutorado da PUC/PR, em parceria com Guilherme da Costa, discorre de forma bem compreensiva e abrangente sobre o sistema judiciário brasileiro. Anota que desde a década de 90 tem-se discutido a “Crise do Poder Judiciário”, e foi quando começaram os movimentos do planejamento visando a sua reforma política e administrativa, principalmente. Foi daí que surgiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os autores desse artigo fazem referência que o CNJ é um órgão do Poder Judiciário e se propõe a ser elaborador do planejamento estratégico ou formulador da política judiciária nacional.

Esse Conselho se compõe de 15 membros, e o que se observa, salvo algum equívoco, na atualidade, apenas o conselheiro Mairam Gonçalves Maia Júnior, além da graduação em Direito, é formado em Administração de Empresas — conforme consulta ao site do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, http://www.cnj.jus.br, em 4 de outubro de 2008. Com efeito, esse colegiado se compõe, sob certa expressão, de juristas.

Como esse órgão só pode agir sem competência jurisdicional, em princípio, cabe-lhe então, entre outras atividades, planejar, organizar, estruturar e criar métodos de racionalização de serviços e de funcionamento do Poder Judiciário, de modo a conseguir pleno êxito em eficiência e produtividade com baixo custo operacional.

Logo, forçoso é de se compreender que técnicos de outras graduações universitárias, quem sabe, devam ser convocados, exatamente porque colegiado dessa natureza envolve domínio em matérias multidisciplinares.

Não se está aqui querendo insinuar que o CNJ vem desenvolvendo com ineficiência as suas atividades. Longe disso. O que se está pretendendo ressaltar é que o Poder Judiciário, desde os tempos da descoberta do Brasil, vem sendo administrado unicamente por graduados em ciência jurídica, como se esta tivesse tamanha capacidade na formação de gestores de serviço público, de maneira a independer de outros técnicos em suas formulações estratégicas.

Nesse sentido, Vicente de Paula faz anotações importantíssimas, quando diz que a tutela jurisdicional não é mais pensada como aquela que apenas produz decisões, que declara direitos ou que diz quem tem razão. A declaração de direitos hoje não basta. Ninguém almeja sentenças. Almeja-se, pela jurisdição, a consecução de resultados, a obtenção do bem da vida que corresponde ao direito material.

Quem sabe não se possa incorporar ao estudo do processo a pesquisa de campo, o material estatístico e outras técnicas de investigação científica, aprimorando a percepção da realidade impactada pelas normas jurídicas? Será que o “purismo” que ainda contamina a ciência do direito continuará a impedir a utilização desses métodos? O trabalho do cientista do direito não pode mais ser resumido a exercícios de lógica jurídica. O desafio agora é construir uma Teoria Geral do Processo que não se esgote nas abstrações da lógica e que descubra o quanto pode contribuir se reconhecer a administração da Justiça como objeto de estudo.

A partir desse valioso argumento do magistrado paranaense e sob a ótica da ciência da administração, poder-se-ia afirmar que o Conselho Nacional de Justiça poderia ser composto não só por membros graduados em Direito, mas também, por exemplo, em Administração, Computação, Economia, Contabilidade, Estatística, Sociologia e Política.

Quem sabe os planejadores e dirigentes do Poder Judiciário de outros tempos se achavam auto-suficientes para criar sistemas para tão importante instituição produtora de volumoso serviço público, embora sabedores de sua graduação apenas em Direito. Imaginemos que eles disseram, talvez: basta que se tenha dom ou tino para administrar serviço, principalmente quando pelo menos se sabe escolher bem os coadjuvantes. Essa afirmativa é falsa ou verdadeira na seara de avançadas tecnologias modernas disponibilizadas à Administração Pública e Privada para gerar serviços e bens patrimoniais em maior quantidade, em menor tempo, com alto índice de eficiência e com baixo custo operacional?

Na dúvida é que a Escola Nacional da Magistratura da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) distribuiu o “Guia de Cursos e Campanhas Institucionais para 2008”, com indicação do curso de Mestrado Profissional em Poder Judiciário, tendo como local a Escola de Direito da FGV no Rio de Janeiro (RJ) — conforme notícia intitulada por “Curso de Capacitação em Poder Judiciário é encerrado em Brasília”, publicada em http://www.amb.com.br/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=13427, acesso em 4 de outubro de 2008 — e objetivo:

Produzir novos conhecimentos científicos e tecnológicos; aperfeiçoar pessoal para a pesquisa; desenvolver e aplicar conhecimento na área do Poder Judiciário; analisar e disseminar experiências práticas na prestação jurisdicional e na administração dos Tribunais, e consolidar a construção de uma área multidisciplinar de saberes sobre Poder Judiciário — conforme www.enm.org.br/docs/guia2008.pdf, acesso em fevereiro de 2008.

Note-se que o Poder Judiciário entrou numa nova fase para gestão dos seus objetivos. É a do compartilhamento profissional e a de oportunizar a participação de técnicos de outras áreas de formação universitária, não como simples subordinados obedientes, mas sim como parceiros em mesa redonda com direito à voz e voto, a fim de que a administração judiciária não mais dependa exclusivamente da aprendizagem obtida em Faculdade de Direito.

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