Capítulo especial

Juiz usa decisão contra Dantas para se defender de acusações

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2 de dezembro de 2008, 15h32

Lugar de juiz falar é nos autos. O ditado foi seguido à risca pelo juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, quando concedeu a sentença que condenou o banqueiro Daniel Dantas a 10 anos de prisão pelo crime de corrupção ativa. De Sanctis reservou um capítulo especial em sua decisão, de 310 páginas, para explicar a velocidade de seu julgamento e a vontade popular.

“A defesa dos acusados tem se valido da imprensa para alardear ou difundir que este juízo atua apenas para atender e satisfazer a vontade popular que considera viciada, em ver poderosos criminosos na prisão, mais uma vez tentando enodoar, manchar ou macular as decisões deste juízo. Deve-se, em razão de tais afirmações, ser permitida a presente digressão”, escreve De Sanctis na sentença.

O juiz se referiu ao pedido da defesa do banqueiro de retirá-lo do processo com o argumento de que De Sanctis seria suspeito para continuar no caso por agir com parcialidade e precipitação. Ele é acusado pela defesa do banqueiro Daniel Dantas de cercear a defesa, agir com parcialidade e precipitação por atender a todos os pedidos do Ministério Público Federal. Por isso, ele seria suspeito e incompetente, do ponto de vista legal, para a causa. O pedido de suspeição de De Sanctis foi negado, por maioria de votos, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Na sentença dada nesta terça-feira (2/12), De Sanctis escreve que não está acima do bem e do mal, nem atropelou a lei como disseram os acusados em memoriais anexados ao processo e nos pedidos de Habeas Corpus. “As pessoas precisam entender que a condução do feito exige respeito a todos e que o magistrado deve se conduzir de forma adequada, mesmo que, para muitos, melhor seria lidar com o serviço público de maneira menos intensa”, diz.

Os pedidos de Habeas Corpus a que se referiu De Sanctis foram os ajuizados no Supremo Tribunal Federal. A defesa de Daniel Dantas entrou com o HC no Supremo assim que o banqueiro foi preso, quando da deflagração da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, concedeu a liberdade para Dantas. A soltura do banqueiro provocou enorme clamor popular. Com o fundamento de que houve fatos novos, De Sanctis mandou prender o banqueiro novamente. A defesa entrou com um pedido de reconsideração. Gilmar Mendes deu novo HC. Ele entendeu que o juiz desrespeitou a ordem do Supremo. A liminar foi dada pelo presidente da corte por causa do recesso judicial — era Gilmar Mendes quem estava de plantão. Em agosto, contudo, os ministros abriram a primeira sessão depois do recesso com um desagravo ao presidente do STF. A decisão de Gilmar Mendes já foi confirmada no mérito.

“Tenta-se, de forma incansável, enganar altas autoridades do país, para marionetar o juízo, com ameaças de todo o tipo apenas porque reforçou a igualdade de todos perante a lei. Insere-se sentimento equivocado de vingança, ou preconceito a um juízo, como forma de dissuadir e desorientar a sociedade, quando, em verdade este magistrado tenta agir de forma serena e tranqüila em nome do povo, mas jamais abandonando a idéia de decidir o melhor no caso concreto. Não há interesse, a não ser pela busca da verdade. Não há engajamento do magistrado a não ser neste sentido. Muito menos deixou-se de lado garantias de um Estado de Direito e assunção de figura outra que não a de um magistrado criminal”, desabafa De Sanctis.

O juiz escreveu na sentença que se ouvisse, como especulou a defesa dos acusados, apenas a voz do povo teria fechado o Corinthians, quando veio à tona o caso MSI. “Chegaram a questionar o juízo, por exemplo, se não seria o caso de fechar o clube de futebol, a fazer isto ou aquilo, sempre atendendo a suposta vontade popular. Mas, a decisão judicial, como deve ocorrer, e não poderia ser diferente, tentou sempre considerar os fatos, as questões técnicas envolvidas e solucionamento mais adequado em determinado momento”, observa o juiz federal.

“Não de pode enveredar para o argumento sistemático de que sempre o Ministério Público Federal ou a Defesa possuem razão. Não se pode, por outro lado, projetar o futuro de qualquer decisão deste juízo, muito menos falar em nome de um magistrado”, afirmou. E acrescentou: “Chegou-se a levar os fatos ao embate político-ideológico, desnecessário, porquanto aqui, na Justiça Criminal, a valoração faz-se apenas sobre a prova. Trata-se de questão obviamente técnica. Apenas isso.”

Duração do processo

Fausto Martin De Sanctis também usou a sentença para explicar o julgamento rápido da Ação Penal, que começou a tramitar em 16 de julho de 2008. “A condução do feito no tempo adequado observa o estatuído no caput do artigo 400 do Código de Processo Penal, com a nova redação da Lei 11.719/2008, e ainda disposições constitucionais”, justifica.

De acordo com o juiz, enquanto tramitava a Ação Penal dois eram os réus presos. Tal circunstância determinou o agendamento dos interrogatórios e de audiências de oitivas de testemunhas de acusação para os dias 5, 6 e 7 de agosto de 2008 e as oitivas das testemunhas arroladas pela acusação para o dia 14 do mesmo mês. A partir daí, com a soltura dos acusados Humberto Braz e Hugo Chicaroni, seguiu-se o curso normal do processo. Ajudou o fato de se tratar de um único delito, em continuação delitiva.

“Justiça tardia significa Justiça desqualificada ou injustiça qualificada. Formou-se, tão somente, uma convicção: a do magistrado que por primeiro e com imparcialidade apreciou as provas, levando sempre em consideração, inclusive, os fins modernamente aceitos para a sanção criminal: prevenção geral e especial positiva”, conclui De Sanctis em sua sentença.

Clique aqui para ler a sentença.

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