Ausência física

Não cabe prisão civil quando bem penhorado não existe

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1 de dezembro de 2008, 14h13

Fomos consultados por pessoa que figura como Executada e depositária dos bens penhorados em execução que tramita por comarca da região metropolitana de Campinas. Alega a consulente que foi intimada a apresentar os bens penhorados e que estavam, pelo menos em tese, sob a sua guarda.

Alega ainda que em razão da inexistência de alguns dos bens penhorados, desde o momento da penhora, não foi possível a ela apresentá-los e dar cumprimento à ordem do magistrado, não cumpriu a ordem e foi determinada a sua prisão civil.

Informa que a ordem de prisão civil vem sendo combatida por recursos e ações mandamentais. Contudo, observo que falta ser esclarecido ao juízo dois pontos fundamentais. Primeiro: ver se os bens penhorados foram avistados pela Oficial no momento da penhora. Segundo, se caso a resposta for afirmativa, verificar o real valor.

Nos documentos trazidos à análise, não é possível aceitar como juridicamente correta a manutenção da ordem de prisão civil da consulente, especialmente porque não há nos autos avaliação segura dos bens 1, ademais, se de fato eles não existiam ou foram vendidos antes do ajuizamento da execução, há fato impeditivo para a prisão civil.

Não havendo certeza sobre a existência ou não dos bens penhorados, pela impossibilidade de sua constatação2, não é possível a manutenção da ordem.

No caso concreto é necessário consignar que os bens foram penhorados por indicação do credor, uma constrição meramente formal ocorreu, pois diversos bens, supostamente de propriedade, co-propriedade ou que estavam ou estiveram em nome da consulente e dos demais executados, foram penhorados, assumindo a consulente o encargo de depositária.

Mas, segundo afirma, alguns dos veículos e um dos imóveis penhorados não mais pertenciam aos executados, tendo sido vendidos em data anterior ao ajuizamento da execução. Tal circunstância foi noticiada com atraso no processo.

Deveria a consulente ter noticiado de imediato ao Juízo a circunstância, mas esse atraso não pode ser penalizado com a prisão civil da consulente, seria um desvirtuamento do instituto.

Se alguns dos bens já haviam sido vendidos antes, ou muito antes, de serem objeto de penhora 3, e a consulente e os demais executados não sabem onde eles estão, esse fato torna impossível a apresentação dos mesmos ao juízo 4 e a prisão civil, em sendo mantida, está sendo usada como meio de coação para o adimplemento 5.

É importante frisar que não há nos autos da execução incontroverso e seguro valor dos bens inexistentes ou não apresentados, o que torna a substituição por dinheiro incerta, e por isso a ordem de prisão civil deveria ser suspensa até que fosse, de forma segura de definitiva, estabelecido o valor.

Há outro aspecto a ser observado. A ordem de prisão civil, em verdade, não depende de prévia avaliação dos bens, mas nesse caso particular ela se justifica, e encontra fundamento no artigo 902, I do CPC, combinado com entendimento de que o valor a ser depositado deve ser equivalente ao valor atual de mercado do bem 6. E não há nos autos essa definição.

No caso sob análise não foram os executados, e muito menos a depositária, responsáveis pela nomeação ou oferecimento 94/189, não é menos verdade que não tendo sido os executados a indicar os bens à penhora não podem sujeitar-se ao ônus decorrente do depósito.

Se os bens penhorados não foram avistados pela oficial de Justiça no momento da penhora esse fato merece ser acertado. Talvez através de declaratória de inexistência de relação jurídica 7.

Por quê? Porque eles não existem8, é impossível a devolução e sua estimativa. Há razões de fato e de direito que justificam a propositura dessa ação declaratória. O interesse de agir da consulente é evidente, e por meio de ação declaratória será possível, inegavelmente, eliminar ou resolver a incerteza do direito e da relação jurídica.

Qual incerteza? Ora, não se sabe se os bens penhorados foram avistados pela oficiá-la no momento da penhora? Esse é o fato a ser esclarecido.

A ação declaratória tem por conteúdo o acertamento, por parte do Juiz, de uma relação jurídica9, e havendo dúvida ou incerteza quanto a existência dos bens no momento da penhora cabe essa declaratória10.

E não é só, a ausência de indicação do valor a ser depositado é causa de revogação da ordem de prisão civil, nesse sentido há vários entendimentos jurisprudenciais, especialmente porque in casu quanto à forma e modo, o decreto de prisão não observou as disposições preconizadas para a efetivação da medida coercitiva de liberdade, qual seja, a intimação para pagamento do quantum devido, com expressa indicação do valor e análise de justificativa para o seu não cumprimento, e não o fez porque não há avaliação para tal, e não havendo esse requisito a ordem deve ser, no mínimo suspensa.

Aliás, o TJ-SP tem decidido que se não há certeza sobre a existência ou não dos bens penhorados, pela impossibilidade de sua constatação, o decreto de prisão deve ser afastado, por consistir em medida excepcionalíssima, e que, na verdade, não traduz no objetivo principal do processo civil de execução, que é a alienação forçada de bens do devedor para pagamento do credor.

E no momento da penhora teria sido informado à Oficial de Justiça, o qual fez a penhora dos bens em cumprimento ao mandado, que alguns dos bens não mais existiam. É certo que o M.D. Meirinho fez a penhora, mas ele não viu os bens, e não existindo os bens inexiste relação jurídica da consulente em relação a eles, na qualidade de depositária.

Toda jurisprudência indica para que, diante da impossibilidade da restituição e da substituição do bem pelo seu equivalente em dinheiro, tenha ou não culpa o depositário, não é o caso de prisão, dada a ineficácia para o fim a que se destina.

Nesse sentido a 2ª Seção do STJ pacificou a questão do valor a ser depositado, adotando o entendimento de que é o “valor atual do bem no mercado” (STJ-2ª. Seção: RSTJ 148 p. 218). E a também RT 784 p. 287, então porque não avaliar adequadamente os bens existentes?

O ajuizamento da ação declaratória possibilitará o acertamento e eliminação das dúvidas e poderá a consulente buscar a suspensão da ordem de prisão civil via antecipação da tutela, pois tanto a doutrina quanto a Jurisprudência vêm admitindo a antecipação de tutela nos casos de providência preventiva, necessária a assegurar o exame do mérito da demanda11.

E no caso trazido a análise creio seja fundamental a antecipação da tutela para suspender a ordem de prisão civil para oitiva da oficiala e de testemunhas, os quais comprovarão a inexistência dos bens no momento da penhora e, em razão da inexistência do objeto do depósito, ver declarada a inexistência de relação jurídica no que tange às responsabilidades da figura do depósito, eis que a ausência física da coisa impossibilita sua restituição, nos termos de entendimento do STJ.

Notas de rodapé

1. A ausência de indicação do valor a ser depositado é causa de revogação da ordem de prisão civil, nesse sentido: “… finalmente, que, quanto à forma e modo, o decreto de prisão não observou as disposições preconizadas para a efetivação da medida coercitiva de liberdade, qual seja, a intimação para pagamento do quantum devido, com expressa indicação do valor e análise de justificativa para o seu não cumprimento,…” (Ementário de Jurisprudência da AASP n. 2453 de 9 a 15 de janeiro de 2006, p. 3757).

2. O TJSP – 7ª. Câmara de Direito Público; HC n. 339.122-5 2-00SP; Rel. Des. Guerrieri Rezendde; j. 10 de maio de 2004, por maioria de votos decidiu que nos casos em que “(…)não há certeza sobre a existência ou não dos bens penhorados, pela impossibilidade de sua constatação, o decreto de prisão deve ser afastado, por consistir em medida excepcionalíssima, e que, na verdade, não traduz no objetivo principal do processo civil de execução, que é a alienação forçada de bens do devedor para pagamento do credor. Ordem concedida”.

3. E na oportunidade teria sido informado o Oficial de Justiça, o qual fez a penhora dos bens em cumprimento ao mandado; é certo que o M.D. Meirinho fez a penhora, mas ele não viu os bens.

4. “A impossibilidade da restituição e da substituição do bem pelo seu equivalente em dinheiro, tenha ou não culpa o depositário, impede a prisão, dada a ineficácia para o fim a que se destina.” (RT 711/119)

5. Cf. STF – Rel. Ministro Moreira Alves – HC n. 75180-MG, in informativo STF n. 75, de Nove de junho de 1997.

6. A 2ª. Seção do STJ pacificou a questão do valor a ser depositado, adotando o entendimento de que é o “valor atual do bem no mercado” (STJ-2ª. Seção: RSTJ 148 p. 218). E no mesmo sentido: RT 784 p. 287.

7. Art. 4º. Do CPC.

8. Há ainda decisão (RSTJ) no sentido de que: “A inexistência do objeto do depósito (…) descaracteriza a figura do depósito, eis que a ausência física da coisa impossibilita sua restituição.”. E mais, no presente caso a prisão não atende ao que dispõe o inciso I do artigo 647 do CPC, pois se a expropriação consiste na alienação de bens do devedor, e se neste caso alguns dos bens não existem ou foram vendidos antes da penhora há a necessidade e possibilidade de substituição de tais bens, não se tem sequer avaliação segura do valor deles.

9. RTJ 83/934.

10. RJTJESP 107/325.

11. RSTJ 166/366 e RT 816/172, 4ª. Turma.

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