Segunda Leitura

Segunda Leitura: Salário de delegado de SP é o menor do país

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

31 de agosto de 2008, 0h00

No dia 20 de agosto passado, representantes dos sindicatos dos policiais civis paulistas e do governo do estado reuniram-se no Tribunal Regional do Trabalho, em tentativa de conciliação sobre o reajuste dos vencimentos. Em estado de greve, insatisfeitos com a remuneração, reivindicando 60% de aumento, policiais bateram às portas do Tribunal do Trabalho. A inusitada audiência atribui a um órgão do Poder Judiciário da União a tentativa de conciliar conflito de interesses típico do estado-membro.

A Polícia Civil paulista tem tradições gloriosas. Organizada em carreira desde 1905, o primeiro concurso público para delegado realizou-se em 1946 (João César Pestana, Manual de Organização Policial, Ed. TDI, São Paulo, 1955, p.334). Seus integrantes sempre tiveram orgulho da corporação.

O que os levou ao gesto extremo de deflagrar greve? A resposta é simples. Atualmente, mesmo sendo funcionários do estado com o maior PIB da Federação recebem remuneração inferior à de seus colegas de sul a norte. Uma das mais baixas do Brasil, quiçá a menor de todas.

Um delegado de Polícia em São Paulo, segundo a imprensa, ingressa com R$ 3.708,18 brutos (em municípios com população até 200 mil habitantes), ou seja, menos de R$ 3 mil líquidos. É bem menos do que os R$ 9.599,63 que se pagam no Paraná ou os R$ 6.196,40 do Acre (A Tribuna, 24.8.2008, A-17). Aprovado em concurso rigoroso, com 9 meses de curso na Academia de Polícia, recebe o novo delegado com muito menos que um analista judiciário do Tribunal Regional Federal, do que um policial rodoviário federal, do que um agente da Polícia Federal, menos da metade que um defensor público e algo como um quarto de um promotor ou juiz do seu estado. E se no começo ganha mal, no fim as coisas não melhoram muito, pois, aposentado, perde as gratificações por funções especiais.

Exercendo profissão estressante (ninguém vai feliz a uma Delegacia), com risco de vida permanente, sujeito a ser denunciado por abuso de autoridade ou prevaricação, conforme se suponha que fez ou deixou de fazer algo, tende o policial (não apenas o delegado, todos) a perder, em pouco tempo, o estímulo. Dependendo do seu caráter, poderá: a) deixar-se corromper; b) exercer atividades na área da segurança privada; c) tornar-se um apático burocrata; d) fazer concurso para outra carreira.

A Segurança Pública é uma das maiores preocupações dos brasileiros. O problema se agrava a cada dia. Sem exagero, o medo, a privatização da segurança (vêm crescendo as empresas particulares), põem em risco o próprio Estado Democrático de Direito, na medida em que justiceiros passam a assumir o papel do Estado, através de milícias, grupos organizados ou mesmo por linchamentos.

A Segurança Pública nos estados ― e agora não me refiro apenas a São Paulo ― ainda é tratada sem a atenção que merece. As investigações da Polícia Civil, regra geral, ainda são feitas sem as estruturas tecnológicas necessárias (p. ex. computadores de última geração, filmadoras modernas ou máquinas fotográficas potentes) ou métodos mais modernos (p. ex., infiltração de agentes, delação premiada, ação controlada, captação e interceptação ambiental, acesso a dados e informações bancárias e financeiras e outras tantas). A lavagem de dinheiro praticamente só existe na Polícia Federal. Muitos servidores públicos estaduais e municipais poderiam ser investigados e ter seu patrimônio seqüestrado se houvesse uma polícia científica nesta área.

Vai daí que a greve anunciada é só a ponta do iceberg, uma faceta do problema. Na verdade, é indispensável dar-se à Segurança Pública condições de trabalho dignas (dependências limpas, pintadas e que dêem bem-estar), veículos em boas condições (sem que seja preciso pedir favores a ninguém), capacitação nos crimes mais complexos (internet, lavagem de dinheiro e outros), estrutura tecnológica moderna (a todos e não apenas a unidades de inteligência) e vencimentos à altura das responsabilidades do cargo. Só assim o policial civil recuperará a auto-estima, o necessário orgulho de pertencer à corporação.

É fácil? Não, por certo. E, a bem da verdade, registre-se que em SP, nos últimos anos, vem se dando maior atenção ao assunto. Exemplo disto é a acentuada queda de homicídios na capital. Houve progresso e isto deve ser reconhecido. Mas não basta. No estado atual, o tratamento deve ser cirúrgico e não homeopático. Na outra ponta, o crime organizado atua com eficiência. Tem assessoria de profissionais competentes (advogados, contadores, psicólogos e até cirurgiões plásticos para mudança de identidade), divide-se em departamentos que não se comunicam e protegem a cúpula, e tem até tribunais para decidir as controvérsias internas.

Por tudo isto, a solução a ser dada ao movimento paredista sob exame do TRT, com nova audiência marcada para o dia 4 de setembro, exige bom-senso, equilíbrio e visão política. Não está em jogo, apenas, os vencimentos dos policiais. E nem é um problema apenas paulista. Na verdade, está em discussão o papel que se quer da Segurança Pública, que no Brasil é direito e responsabilidade de todos (CF, art. 144).

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