Direito profissional

Entrevista: Anna Luiza Boranga, consultora de marketing

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31 de agosto de 2008, 0h00

Anna Luiza Borana - por SpaccaSpacca" data-GUID="anna_luiza_borana.jpeg">Ela está por trás da estrutura administrativa dos maiores escritórios do país. Nos 20 anos em que trabalha com a advocacia, a consultora de marketing Anna Luiza Boranga desenvolveu projetos de administração profissional para grandes nomes do Direito: desde Syllas Tozzini até Márcio Thomas Bastos e José Carlos Dias.

Hoje, Anna Luiza considera que a idéia de profissionalizar a administração dos escritórios de advocacia já pegou de vez. “A advocacia deixou de ser uma idéia artística bonita para se tornar business”, constata.

A consultora se refere à mudança que aconteceu com os profissionais do Direito principalmente nas duas últimas décadas. Se antes o advogado se preocupava apenas em criar grandes teses, hoje ele precisa estar antenado no mercado de trabalho, se preocupar com a sua imagem e identificar espaços para crescer. “A idéia romântica do advogado artista, hoje, se aplica para meia dúzia de pessoas que podem se dar ao luxo de ser pareceristas.”

A partir do momento em que a advocacia virou negócio, os escritórios passaram a ser vistos como empresas. Daí a necessidade de entregar a administração do escritório para quem entende do assunto.

E, nessa área, Anna Luiza sabe do que está falando. Ela foi a pioneira a profissionalizar a administração dos escritórios. Começou em 1988, no Tozzini, Freire, Teixeira e Silva. No começo, “meus colegas achavam que eu fazia decoração de escritórios”. Do Tozzini, ela foi desenvolvendo projetos de escritório para escritório. Hoje, soma mais de 100 escritórios Brasil a fora que trabalham sob seus projetos.

Anna Luiza é responsável, também, pela Fenalaw, feira dedicada à área jurídica, principalmente à parte tecnológica, que já é a segunda maior feira sobre o assunto no mundo, conta orgulhosa. Só perde para uma feira anual que acontece nos Estados Unidos.

A Fenalaw está em sua quinta edição, sempre em São Paulo. Esse ano, será do dia 7 a 9 de outubro. São esperadas mais de 4 mil pessoas por lá. Anna Luiza também foi a criadora e é a responsável pelo curso de administração legal da Fundação Getúlio Vargas, em Brasília.

Leia a entrevista

ConJur — Os escritórios de advocacia se enxergam como empresas?

Anna Luiza Boranga — A forma como os escritórios se enxergam mudou bastante. Hoje, já está ficando natural o escritório se considerar uma empresa. Isso não vale só para os escritórios grandes que se destacam no mercado de São Paulo e do Rio de Janeiro. A profissionalização já chegou em outras capitais do Brasil.

ConJur — Escritórios de advocacia precisam de administração profissional?

Anna Luiza Boranga — Sim. A formação das sociedades de advogados levou os escritórios a perceberam isso. A administração não precisa ser sofisticada, mas tem que ser centralizada para evitar incoerências, por exemplo, na divisão de honorários. Na medida em que crescem, os escritórios percebem primeiro a necessidade de um gerenciamento financeiro mais profissional e, depois, expande isso para as outras áreas, como a de recursos humanos.

ConJur — Os escritórios já se distanciaram, então, da idéia romântica do advogado que só cria grandes teses?

Anna Luiza Boranga — Há alguns anos, o advogado era tido como um artista criador de teses. Ele se sentava, escrevia e entregava o trabalho, sem se preocupar com o que estava à sua volta. Não precisava se preocupar em buscar clientes, já que estes iam até ele. Só se importava com o conteúdo. Hoje, o advogado usa computador, internet e tudo é mais rápido. A advocacia deixou de ser uma idéia artística bonita para se tornar business. A idéia romântica do advogado artista, hoje, se aplica para meia dúzia de pessoas que podem se dar ao luxo de ser pareceristas. Não é o padrão.

ConJur — Quando a advocacia começou a se transformar em negócio?

Anna Luiza Boranga — Há cerca de 20 anos, alguns escritórios começaram a perceber que, conforme cresciam, precisavam ter a ajuda de administradores profissionais para competir no mercado. Era preciso um profissional para desenvolver estratégias de crescimentos e também para cuidar da parte de suporte — seja financeiro ou administrativo, com biblioteca e arquivos, por exemplo.

ConJur — Houve resistência dos advogados para deixar um administrador cuidar dos seus negócios?

Anna Luiza Boranga — Os escritórios notaram que isso não dependia de aceitação ou não. Era indispensável profissionalizar a administração. Para os escritórios pequenos e médios, ainda é difícil aceitar. Estes ainda enxergam o administrador como um intruso nos seus negócios, e não como um solucionador. Ainda hoje, encontramos escritórios pequenos, mas com faturamento alto, que deixam a administração com um sócio. E isso acontece não porque o sócio não gosta de advogar e prefere administrar, mas porque os sócios acham que um deles tem que cuidar da administração.


ConJur — Qual é o papel do administrador em um escritório de advocacia?

Anna Luiza Boranga — O administrador tem que prover a estrutura para os advogados. É diferente do que faz o sócio-gerente, a quem cabe sintetizar a posição dos sócios e levar isso para o administrador. O administrador tem que comandar a parte administrativa e se comunicar com o sócio-gerente, a quem cabe cuidar da parte técnica. Esse conceito tem sido muito importante nos departamentos jurídicos que, na advocacia, são o ramo que mais cresce.

ConJur — Mais do que escritórios de advocacia?

Anna Luiza Boranga — Sim. Assim como os escritórios, eles têm um diretor jurídico e um diretor administrativo trabalhando juntos. O que aconteceu com a advocacia é o mesmo que a aconteceu com a medicina. Os hospitais notaram que precisavam de administradores profissionais, e não de médicos na parte administrativa. Hoje, temos a administração legal como uma área de especialização dentro da administração de empresas. As procuradorias do Estado, secretarias de Justiças e até os tribunais já estão se preocupando com a profissionalização da administração.

ConJur — O mercado de administração legal cresce na mesma proporção que os escritórios de advocacia?

Anna Luiza Boranga — Não. Estão sendo criados muitos escritórios, mas a administração legal só cresce quando os escritórios assumem um porte diferente. Entram muitos advogados no mercado que são absorvidos por escritórios maiores. E isso não influencia na administração desse escritório. O que eu digo é que a administração profissional é necessária a partir de um grupo de cinco advogados, mais ou menos. Mas, uma vez estabelecida, ela não precisa crescer na mesma proporção que cresce o escritório.

ConJur — A administração do escritório de advocacia tem especificidades suficientes para justificar a criação de um curso de administração legal?

Anna Luiza Boranga — A Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, já tem esse curso. É um curso de extensão, com 120 horas de aula. Ele foi criado há cinco anos porque ninguém estava preparado para trabalhar nesse nicho da administração. Eu, com a minha consultoria, não conseguia contratar administrador para escritório. Ninguém tinha idéia de que existia esse mercado. Meus colegas de faculdade, por exemplo, só descobriram o que eu fazia quando criei a Fenalaw. Até então, eles achavam que eu fazia decoração de escritórios. Ninguém imaginava que tinha espaço para administrador em um escritório de advocacia.

ConJur — E como a senhora começou nessa área?

Anna Luiza Boranga —Eu comecei há 20 anos, no Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, como administradora. Eu era cliente deles enquanto trabalhava em uma empresa da minha família. Eles eram nossos advogados e me chamaram para administrar o escritório deles. As pessoas de lá achavam que eu ia só comprar um tapete novo e não que ia mexer com o faturamento, recrutamento e informática. Naquela época, não existia softwares para a administração de escritórios. Hoje, há diversos. O que eu tinha de fazer lá era treinar todo mundo. No curso de administração legal, o estudante aprende como trabalha o advogado e como pode auxiliar. Aprende como montar, por exemplo, plano de carreira em um escritório de advocacia e como trabalhar com o marketing. A maior parte dos que procuram os cursos são advogados, mas há também administradores.

ConJur — O advogado pode ser um bom administrador do escritório de advocacia?

Anna Luiz Boranga — Há advogados que não gostam de advogar e podem ser bons administradores. Quando eu falo que o escritório precisa de um administrador profissional não quero dizer que precisa necessariamente ser alguém formado em administração de empresas, mas que tem de ter alguém que se dedique única e exclusivamente para administrar o escritório. Se o advogado quiser fazer os dois — advogar e administrar — não vai conseguir fazer nada direito.

ConJur — Como é a administração de escritórios nos outros países? O Brasil está muito atrás?

Anna Luiza Boranga — O Brasil está atrás porque está crescendo agora. Hoje, já é o terceiro maior mercado de advogados do mundo — só perde para os Estados Unidos e a Índia. O Brasil hoje tem também a segunda maior feira jurídica, que á a Fenalaw, perdendo só para a feira que acontece anualmente nos Estados Unidos. Lá, a tendência de profissionalização na administração dos escritórios já tem 35 anos porque o próprio desenvolvimento do país gerou negócios em um nível que promoveu antecipadamente o aparecimento de profissionais dedicados à área. Mesmo assim, eles copiam o Brasil em algumas coisas, como na política de cobrança de honorários.

ConJur — Qual a diferença da política de honorários do Brasil?


Anna Luiza Boranga —A Justiça brasileira é emperrada. Os advogados trabalham, então, com diversas opções para o cliente pagar honorários: cobrança mensal, um valor fixo, cobrança por êxito e assim vai. Nos Estados Unidos, a cobrança era só por hora. Pressionados por problemas econômicos, eles estão tendo de mudar isso. O brasileiro já teve de lidar com diversas crises econômicas e, por isso, está mais apto a lidar com as questões de mercados, muito mais do que os americanos.

ConJur — Como um escritório pode fazer para captar sócios?

Anna Luiza Boranga — É muito difícil levar sócios para o escritório porque isso pressupõe tirar um sócio de outro ou, então, pegar de um escritório um advogado que, por algum motivo, não se tornou sócio. O ideal é formar a equipe e tentar tornar sócias as pessoas que já estão no escritório, com um plano de carreira. Outra alternativa é incorporar um escritório de menor porte.

ConJur — Como é o marketing nos escritórios de advocacia?

Anna Luiza Boranga — Fazer marketing de serviço não é a mesma coisa que fazer marketing de um produto. Propaganda não traz cliente para o advogado porque o serviço dele funciona muito mais com indicação e tradição. O marketing dos escritórios, portanto, é promover o serviço, estar presente nos lugares certos, fazer carreira acadêmica e política, escrever artigos para jornais.

ConJur — Não esbarra nos limites éticos impostos pela OAB?

Anna Luiza Boranga — Não porque o que a OAB não quer é propaganda paga. O que eu digo para o escritório fazer é propaganda não paga. Nos Estados Unidos, eles usam propaganda mesmo em outdoor e televisão para promover o advogado. É horrível. Denigre a imagem do profissional. O que divulga o trabalho do advogado e traz cliente são as teses e artigos que ele publica, as entrevistas nas quais ele mostra que conhece o tema, por exemplo. Tem advogado que, na ânsia de fazer marketing, muitas vezes se confunde. Ele acha que, porque tem com cargo na OAB e dá aula para advogados, está fazendo marketing jurídico. Não está, porque não é esse o público que vai se tornar cliente dele. No marketing jurídico, outra coisa importante é a imagem: como são as instalações do escritório e como as secretárias atendem ao telefone, por exemplo. Aí, mais uma vez, a importância da administração do escritório. Identificar um nicho de mercado também é importante. É a parte mais difícil porque a tendência do advogado é achar que ele tem que atender o cliente em todas as áreas. Aí, ele entra num campo competitivo muito complicado, porque são inúmeros os escritórios que fazem tudo para todo mundo.

ConJur — Como o advogado pode identificar os nichos?

Anna Luiza Boranga — Tem que analisar quais são os negócios que estão acontecendo na região onde ele quer atuar. É preciso fazer uma pesquisa de mercado, e não escolher de acordo com aquilo que ele gosta mais. Depois de escolhida a área, precisa criar um diferencial. O mercado do agronegócio, por exemplo, está crescendo na região centro-oeste. Em Campo Grande, me surpreendi com escritórios organizados, de bom nível, que podem concorrer com os melhores de São Paulo, que se desenvolveram por conta desse nicho na área rural.

ConJur — Há muitos escritórios que crescem apenas em determinado nicho?

Anna Luiza Boranga — São os escritórios que mais crescem hoje. Nunca vão virar mega escritórios, mas conseguem um faturamento bom e chegam a ter até 40 advogados. Ao mesmo tempo, nos escritórios, cresce a necessidade de uma equipe multidisciplinar. O advogado precisa se acostumar a trabalhar com engenheiros, geólogos, biólogos, médicos, dependendo da área em que atua.

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