Liga da Justiça

Presa acusada de obrigar moradores de favela a votarem nela

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29 de agosto de 2008, 20h56

A Polícia Federal prendeu, nesta sexta-feira (29/8), 15 pessoas acusadas de integrar a chamada Liga da Justiça que estaria forçando moradores de favelas na zona Oeste do Rio de Janeiro a fazer propaganda política e votar na candidata a vereadora Carminha Jerominho (PTdoB). Ela está entre os presos da Operação Voto Livre.

O decreto de prisão partiu da desembargadora federal Maria Helena Cisne, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Em seu voto, consta que Carminha é filha do vereador Jerônimo Guimarães Filho (PMDB), o Jerominho, preso em dezembro de 2007, sob acusação de chefiar grupo de milícias que cobra taxas de moradores para protegê-los.

Carminha também é sobrinha do deputado estadual Natalino Guimarães. Ex-inspetor da Polícia Civil expulso da corporação no dia 11 de julho de 2008, acusado de chefiar o grupo paramilitar, junto com o irmão Jerominho. Guimarães foi preso no dia 22 de julho deste ano. No dia seguinte, foi expulso do DEM. O irmão de Carminha, Luciano Guinâncio Guimarães, também é ex-policial militar. Está foragido, por suspeita de liderar o braço armando da Liga da Justiça.

O Ministério Público Federal pediu a prisão cautelar das 22 pessoas — muitas delas integrantes da PM — para garantir e assegurar a efetividade das investigações comandadas pela Polícia Federal.

A desembargadora federal Maria Helena Cisne concordou. “O desenrolar das investigações, e os fatos amplamente denunciados na mídia, vêm a demonstrar o quadro caótico em que se desenrola o processo eleitoral deste ano de 2008, permitindo crer que a organização criminosa prossegue atuante e esteja usando do seu poder bélico para coagir eleitores em benefício da candidatura de Carmem Glória Guinâncio Guimarães.”

Para proteger a integridade física dos agentes da Polícia Judiciária, “diante dos atos de violência atribuídos ao citado bando criminoso”, a desembargadora autorizou o uso de algemas no ato da prisão, com exceção de Carminha. Maria Helena determinou ainda que a detenção seja feita em presídio de segurança máxima em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Isso porque, segundo ela, o grupo tem um alto poder político, de corrupção e, mesmo segregados, podem interferir nas eleições.

A desembargadora lembrou em seu voto que, além de querer obrigar os moradores a trabalharem em favor de Carminha, o grupo está impedindo outros candidatos de fazer campanha na região, “o que vem sendo amplamente veiculado pela mídia, e motivo determinante para que se decidisse pelo deslocamento de tropas federais para o Rio de Janeiro antes mesmo das eleições”. Segundo a decisão, seis placas de propaganda de Carminha foram apreendidas com integrantes da Liga da Justiça, em julho.

Há uma Ação Penal no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo a desembargadora, a ação permite acreditar que o grupo, usando armamento restrito das Forças Armadas, pune violentamente os inimigos e faz exploração clandestina de serviços essenciais para a comunidade como: transporte coletivo, comércio de gás e desvio de sinal de televisão a cabo.

Leia a decisão

Inquérito nº 47

Protocolo nº 26.430/2007

Decisão

“Who watches the Watchmen?”

— Alan Moore, Watchmen

“E continuou a falar, explicando cuidadosamente o que devia ser feito: uma petição ao congressista (deputado) eleito pelo distrito. O congressista apresentaria um projeto de lei especial, que concederia a cidadania americana a Enzo. O projeto, certamente, seria aprovado pelo Congresso. Isso era um privilégio que esses patifes se outorgam reciprocamente. Don Corleone explicou que isso custaria dinheiro, sendo que o preço em vigor era 2 mil dólares. Don Corleone garantia a execução do trabalho e aceitava o pagamento.”

— Mario Puzo, O Poderoso Chefão

Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra

Falsos chimangos, calabares, sinecuros

Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra…

E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.

— Vinicius de Moraes, Carta aos “Puros”

1. Dos fatos e fundamentos veiculados na representação da autoridade policial e no requerimento do Ministério Público Eleitoral

A Polícia Federal, nos autos do Inquérito Policial nº 47, por meio do ofício nº 1164/2008-DELEINST/DREX/SR/DPF/RJ (fls. 225-231), representou pela prisão preventiva de FABIO PEREIRA DE OLIVEIRA, IVILSOR UMBELINO DE LIMA, JULIO CÉSAR FERRAZ, FLAVIO MENDES AUGUSTO, EXPEDITO PEREIRA MARQUES, ALEXANDRE DE SOUZA PEREIRA, CBPM HENRIQUE, MARCO ANTONIO DOS SANTOS LOPES, MOISES PEREIRA MAIA JÚNIOR, TONI ANGELO SOUZA AGUIAR, RICARDO CARVALHO SANTOS, AIRTON PADILHA DE MENEZES, ALONSO DOS SANTOS HOLANDA, ALEXANDRE BIRA, KENNEDY, JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA ANTUNES, TIAGO, MARCIEL PAIVA DE SOUZA, LUCIANO SABINO DA SILVA (fls. 230 -231) e, ainda, GUILHERME DE BEM BERARDINELLI e PAULO CÉSAR DE CARVALHO (fl. 233).


Informa a douta Autoridade Policial, em minudente relatório, que tais indivíduos compõem uma quadrilha de milicianos que estaria a amedrontar algumas comunidades carentes com o intuito de forçar seus moradores a exibir propagandas políticas, bem como votar em candidatos selecionados pelo grupo paramilitar para as eleições de 2008.

Por força disto, sustenta-se na Representação ser necessária a prisão cautelar desses indivíduos, para garantir e assegurar a efetividade das investigações empreendidas no referido Inquérito Policial, instaurado com o objetivo de apurar suspeita da prática de coação eleitoral — crime tipificado no art. 301 da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral) — por parte do Deputado Estadual NATALINO GUIMARÃES, atualmente preso preventivamente, sob a acusação de liderar uma organização criminosa paramilitar conhecida como Liga da Justiça, com atuação na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro e com particular intensidade junto às comunidades carentes nas favelas do Batan, Barbante e Carobinha, situadas nos bairros de Campo Grande e Realengo.

Examinando os autos do Inquérito Policial, verifica-se, conforme levantado pelo eminente representante do Ministério Público Eleitoral às fls. 246, que

“Na origem do presente inquérito, autuado perante a 243.ª Zona Eleitoral e destinado a apurar a suspeita de uso eleitoral do poder clandestino da organização criminosa, que se acredita liderada pelo deputado Natalino e por seu irmão JEROMINHO GUIMARÃES, vereador na capital e, atualmente, também preso, foi levantada a suspeita de participação de deputado federal com os fatos, razão pela qual os autos foram encaminhados ao Colendo Supremo Tribunal Federal. A suspeita quanto à participação da autoridade federal foi afastada, com a promoção de arquivamento de fls. 116/117, mas a suspeita da prática de crime eleitoral se fortaleceu, razão pela qual foi determinado pelo Eminente Ministro Relator a remessa dos autos a este Tribunal Regional Eleitoral para prosseguimento (fls. 119/120)”. (os grifos não estão no original).

O desenrolar das investigações, e os fatos amplamente denunciados na mídia, vêm a demonstrar o quadro caótico em que se desenrola o processo eleitoral deste ano de 2008, permitindo crer que a organização criminosa prossegue atuante e esteja usando do seu poder bélico para coagir eleitores em benefício da candidatura de CARMEM GLÓRIA GUINÂNCIO GUIMARÃES (fls. 212/227) filha do vereador Jerominho, sobrinha do deputado estadual Natalino e irmã do presumível líder do braço armado do grupo criminoso, o ex-policial militar, atualmente foragido, LUCIANO GUINÂNCIO GUIMARÃES.

Ademais – e mais preocupante ainda – segundo consta da representação, a ação desse grupo de milicianos, denominado Liga da Justiça, não objetiva somente, através de ameaças contra as comunidades, levá-las a votar e eleger candidatos que apóia, mas estaria também impedindo que outros candidatos possam fazer campanha nesses redutos, o que vem sendo amplamente veiculado pela mídia, e motivo determinante para que se decidisse pelo deslocamento de tropas federais para o Rio de Janeiro antes mesmo das eleições.

Os autos informam, ainda, existir, em curso no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, uma Ação Penal Originária, processo nº 2008.065.0001 (fls. 247), que autoriza a acreditar que esse bando, fortemente armado, esteja a extorquir as comunidades com o emprego de armamento pesado e de uso restrito das Forças Armadas. Esse grupo paramilitar, conforme denunciado no referido processo, presta-se à prática de amplo espectro de ilícitos penais. Sob o pretexto de vender proteção, aplica punições violentas contra desafetos, exercendo a exploração, também, de modo clandestino e criminoso, de inúmeros serviços essenciais para as comunidades subjugadas ao seu poder armado, tais como: o transporte alternativo, o comércio de gás, o desvio de sinal de televisão a cabo. Dentre tantos crimes, acrescenta-se a pratica de homicídios e tortura para a manutenção dos interesses criminosos do grupo.

A demonstrar a periculosidade do grupo, o douto órgão do Ministério Público Eleitoral, no parecer de fls. 246-251, salienta o depoimento de fls. 158/161 de repórter do jornal O Dia, relatando fatos sobre a atuação da quadrilha no Batan em Realengo. Segundo tal depoimento, a repórter teria sofrido ameaças, constrangimentos e sido torturada. Como salientado pelo Parquet Eleitoral, “a repórter não apenas constatou pessoalmente a atuação do bando, tendo sido vítima da sua violência, como relata que já havia em maio uma atuação orquestrada para comprometer toda a comunidade local com um único candidato nas eleições municipais” (grifos apostos).

Contudo não se exaurem, nestes termos, as atrocidades descritas: ademais de ameaças, o grupo faz uso de expediente de eliminação das pessoas que os contrariem. Conforme depoimentos de Carlos Eduardo Marinho dos Santos, (fls. 198-200), Marcelo de Gouveia Bezerra, (fls. 208-210) e Maria das Graças Souza Fortunato, (fls. 202-205), os dois primeiros responsáveis pelo Condomínio Parque dos Eucalípitos, Inhoaíba, Campo Grande – localizado em frente à favela do BARBANTE – foram vítimas de tentativa de homicídio, em 28/05/2008, e ameaças em 12/06/2008, por não concordaram em abrigar, nas dependências do condomínio, o Centro Social CARMINHA JEROMINHO. Os declarantes são enfáticos ao afirmar que foram coagidos, com a intenção de obrigá-los a assentir com a instalação do centro social da referida candidata.


Há muito mais a demonstrar, no que pertine à Justiça Eleitoral, o direcionamento dos atos deste perigoso grupo paramilitar: influir no resultado do pleito eleitoral, mediante a eleição de seus representantes. O Ofício à fl. 212 encaminha seis placas de propaganda de CARMINHA, apreendidas em poder de integrantes do bando armado na lavratura do flagrante 035-07670/2008 pela 35.ª DP em 14/07/2008. É de comum e ampla sabença a infiltração de organizações criminosas nas instituições e a promíscua relação entre integrantes da polícia e determinados agentes políticos.

Outras ameaças são registradas, através de novas declarações prestadas à autoridade policial, relatando novas coações a pessoas nas comunidades dominadas pela organização criminosa, agora sofridas por Robson Boier e testemunhadas pelo Tenente PM Renato Bianchi, em 15/08/2008. Tudo o que foi relatado, acontecido em pleno período de campanha eleitoral e, sobretudo, com finalidade eleitoral, demonstram a extrema gravidade da situação e a imperiosidade de coarctar-se os atos delituosos informados.

Na linha de tudo o que foi exposto, a douta autoridade policial entende configurado um robusto conjunto preliminar de indícios a justificar a necessidade da custódia preventiva dos investigados, para possibilitar a integral apuração dos fatos, preservando a autoridade da Justiça e a normalidade do processo eleitoral.

2. Das razões e da motivação

É inconteste, a meu sentir, a necessidade de intervenção do Poder Judiciário para possibilitar, em toda a plenitude, a investigação das ilicitudes veiculadas, face ao caráter gravíssimo de que se reveste.

Presentes estão os pressupostos autorizadores da concessão de medida cautelar ao caso em espécie.

I — Isto porque existem fundadas razões de autoria ou participação dos investigados em crimes previstos no rol da Lei n.º 7.960/89, na escala apropriada a um procedimento investigatório, consubstanciadas no conjunto de elementos que justificaram a instauração do Inquérito n.º 47 e das evidências colhidas ao longo do mesmo, a saber:

a) fls. 05/07 (paginação mecânica) – encaminhamento de notitia criminis, por membros da Anistia Internacional, aduzindo a prática de crimes eleitorais por Ayrton Xerez e Natalino José Guimarães, à ocasião candidatos aos cargos de Deputado Federal e Deputado Estadual, respectivamente. Teriam, os noticiados, invadidos uma vila (Ocupação Olga Benário) no bairro de Campo Grande e, com suporte de cabos eleitorais, determinado aos moradores a afixação de propagandas eleitorais em suas casas, valendo-se de ameaças de morte.

b) fls. 56/57 — termo de declarações prestado pelo advogado André Luiz Costa de Paula à Polícia Federal, segundo o qual o irmão de Natalino, “Jerominho”, à ocasião Vereador pelo PMDB, passou, a partir da eleição de 2006, a atuar na localidade da Ocupação Olga Benário impondo a afixação de propagandas eleitorais aos residentes, ameaçando de morte quem removesse a propaganda. As propagandas se dariam em favor de alguns candidatos e Natalino. Veicula-se, ainda, as seguintes informações: o declarante estaria sob ameaças e não deveria retornar ao local, sob risco de retaliações; sua substituta, Mônica Beatriz Herrera, passou também a ser ameaçada diretamente pelos comparsas de Jerominho e Natalino, chamados de Russo, Idalete, Leandro Quebra-Ossos, Gladson, Lilico, Maurição, Pedala e Edson Cales Jr; mais de vinte assassinatos teriam ocorrido recentemente na região; lotes da região foram utilizados para troca de votos; as atividades possuíam natureza miliciana; e dois residentes teriam sido expulsos da localidade.

c) fls. 58/59 — termo de declarações prestado por Felipe Tavares Seixas, reiterando diversos elementos das declarações de André Luiz Costa de Paula.

d) fls. 60/61 — termo de declarações prestado por Mônica Beatriz Herrera, reiterando o teor das declarações anteriores e esclarecendo estar sob ameaça direta de Russo e Edson Lima Cales Jr. Acrescenta a existência de fotos da propaganda eleitoral na localidade registrados sob o protocolo n.º 67.155/2006 no TRE-RJ.

e) fls. 17/31 do protocolo TRE-RJ nº 67.155/2006, contendo diversas fotos de galhardetes de propaganda eleitoral afixados no interior da comunidade em referência.

f) fl. 153 — despacho da autoridade policial destacando a existência, e solicitando informações acerca, de material de propaganda eleitoral apreendido quando da prisão em flagrante do Deputado Estadual Natalino José Guimarães: placas de propaganda política para que as pessoas da comunidade local votassem em CARMINHA JEROMINHO (apreensão lavrada nos autos do flagrante 035/076702008).

g) fls. 158/161 — termo de declaração prestado por _______________, repórter do jornal O DIA relatando as atividades de milícias na comunidade do Batan, de práticas de recrutamento de pessoas para censo e controle das atividades políticas e de candidaturas. Relata, ainda, atos de intimidação, ameaças e torturas, dentre outros ilícitos e violências, a que foi submetida.


h) fls. 173/174 — petição relatando a existência de grupo de extermínio que atua na Zona Oeste.

i) fls. 198/200, 202/205 e 208/210 – termo de declarações veiculando informações relacionadas à atividade de milícia, ocorridas em Inhoaíba, praticadas por LUCIANO JEROMINHO e por um bando, transportado em 3 veículos, com o propósito de tomar um terreno para destinação ao CENTRO SOCIAL DE CARMINHA JEROMINHO. Relata-se ainda a prática de ameaças diretamente realizadas por NATALINO JEROMINHO e BIBICO, policial do RPMont, e ainda de disparo de projéteis. Elenca-se, ainda, rol de diversas outras pessoas que integram o grupo.

j) fls. 214/224 — auto de prisão em flagrante de AIRTON PADILHA MENESES, registro de ocorrência de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e quadrilha ou bando, contendo ainda a apreensão de material de campanha de CARMINHA JEROMINHO, com a inscrição de seu número — 70670 —, de seu partido e do cargo de VEREADOR.

k) fls. 234/238 — termo de declarações contendo referências à atividades ilícitas, relacionadas à milícia, exercidas por PAULO CESAR CARVALHO e GUILHERME DE BEM BERARDINELLI. Destaca-se, por fim, o impedimento de lançamento de outras candidaturas nas áreas dominadas pela MILÍCIA LIGA DA JUSTIÇA, sendo CARMINHA JEROMINHO a única candidata nessas localidades.

l) reporto-me ainda aos vastos fundamentos trazidos aos autos no corpo da representação da ilustre autoridade policial e no corpo do requerimento do douto órgão do Parquet, constantes do capítulo 1 da presente decisão.

II — Constata-se, ainda, a imprescindibilidade da prisão temporária para as investigações do inquérito policial. Em decorrência do suposto temor, por parte dos entrevistados, em prestar esclarecimentos e produzir provas conforme aponta o relatório da autoridade policial competente no presente procedimento: “o receio em conversar com a polícia restou evidente e alguns moradores inicialmente negaram conhecer qualquer fato sobre o qual foram indagados e somente se dispuseram a falar após alguns minutos de conversa (…) em contato telefônico com André Luiz Costa de Paula, o mesmo alegou que Cliciana teria se negado a falar por temer por sua vida. Indagado, forneceu o telefone de Aldair José da Silva, que também constava como testemunha da notícia-crime e que teria sido expulso da ocupação. O telefone, no entanto, não atendia” (fls. 99/100). Resta evidente, por conseguinte, a necessidade do presente meio a fim de assegurar a produção de prova.

2.1. Da configuração do periculum societatis

Os elementos nos autos permitem supor a existência de um grupo criminoso organizado, com contornos paramilitares, espoliando o poder público de atividades típicas de Estado, tais como o poder de polícia, poder tributário, transporte urbano, outros serviços essenciais e o próprio jus puniendi estatal, formado, predominantemente, por agentes do poder público desviantes, ou ainda ex-agentes. Tal quadrilha atuaria com propósito de enriquecimento e de perpetuação das suas atividades ilícitas, travestindo a atividade policial para compor braços armados e, ainda, através de representantes eleitos, ampliar o exercício de suas atividades através da infiltração de membros em Casas Legislativas, em específico a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e a Assembléia Legislativa deste Estado.

Tais contornos demonstram que a atividade mafiosa exercida pelo grupo adotou, além da truculência atentatória às liberdades individuais asseguradas constitucionalmente, feições tipicamente políticas, porque, ao se revestir das imunidades, status e garantias asseguradas aos parlamentares, para o exercício independente de suas funções, os membros das milícias, que já exercem poder bélico ilegal, passam a fruir de poder político que não lhes é legítimo. Valem-se, também, de técnicas com propósitos de violentar as liberdades políticas e de pensamento, impondo, nas regiões onde atuam, através do terror, o dever aos moradores de se vincular à ideologia política que professam. É por tal conjunto de técnicas que a máfia miliciana se infiltra no poder público.

Passam a envenenar e distorcer instituições políticas seculares essenciais à democracia, na medida em que, viciando por meio de atividades coercitivas o processo eleitoral, fulminam a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão e a liberdade política. Viciam, ainda, o próprio processo legislativo, por se investirem, pelos meios espúrios que se valem, de poder político, que não lhes é legítimo e nunca será.

O arraigamento de tal organização em diversos níveis do poder público denuncia o claro propósito de, ilegitimamente, instituir e consolidar poder paralelo ao do Estado, violando assim diretrizes fundantes da Democracia moderna.

Os tentáculos da milícia operam em âmbito microssocial e macrossocial, denotando um amplo sistema de cooperação e coordenação entre seus setores no exercício de atividades criminosas diversas: i) sendo alimentados economicamente pelo poder tributário que exercem no comércio da “segurança”; ii) recebem aporte financeiro ainda através da intervenção econômica, do gerenciamento de atividades de comércio e da monopolização e controle dos variados serviços que realizam; iii) exibindo prestígio e exercendo influência local ao cooptar policiais, dispondo, assim, de “imunidade” e impunidade por seus atos de barbárie; iv) empregando o poder bélico, que têm acesso, com propósito coercitivo e impondo a veiculação de propagandas políticas nas localidades em que atuam; v) coagindo eleitores a votar em membros e candidatos compromissados com a quadrilha; vi) infiltrando, ilegitimamente, no regime representativo elementos componentes da milícia; vii) dispondo das imunidades e garantias atinentes aos agentes políticos das casas legislativas; viii) institucionalizando a atividade criminosa e; ix) controlando a prática de atividades marginais, revertendo os ganhos em seu favor e integrando os ativos ilícitos dela decorrentes.


O que se observa, in casu, é uma estruturação das atuações e propósitos criminosos da milícia, similar a uma linha de montagem, em que as atividades se subdividem, cada qual colhendo benefícios e retribuindo-os, em diversas área específica e por meio da infiltração, no aparelho governamental, de criminosos. A existência desse feedback resta evidenciada na medida em que, conforme professa Rodolfo Tigre Maia, esse grupo é “representado pela criminalidade do Estado, entendida não como o conjunto dos atos ilícitos (corrupção, concussão, etc.) praticados por funcionários públicos beneficiados individualmente por tais práticas, mas por organizações incrustadas no aparelho de estado para a prática de crimes (e.g. grupos de fiscais corruptos, grupo de extermínio composto por policiais) (…) em nome do Estado embora com evidente desvio de poder (…)”, e prossegue “De qualquer sorte, independente do conceito de crime organizado que se utilize, defrontamo-nos sempre com uma estrutura organizacional, que transcende o mero “ajuntamento de indivíduos”, muitas vezes similar a das modernas corporações, com todo arsenal tecnológico utilizado por estas (inclusive os concernentes a utilização da computação e da comunicação eletrônica de dados e transferência de valores), fator ainda mais estimulado pela crescente imbricação entre ambas.” (in O Estado Desorganizado contra o Crime Organizado, ed. Lumen Juris).

Substancia-se, de tal forma, a existência de um risco patente à sociedade, além das razões já consignadas na presente decisão, apto a representar grave obstáculo às investigações, ensejador, portanto, de medidas judiciais proporcionais à periculosidade e danosidade que os investigados oferecem.

2.2. Do Direito aplicável: normas de regência e outros elementos indicadores do fumus boni juris

Do que restou apurado até o momento vislumbram-se, em tese, tentativa de homicídio praticada por integrante de grupo de extermínio, em concurso de agentes (art. 121 c/c art. 14, II do Código Penal e art. 1º, I da Lei nº 8.072/90) e formação de quadrilha armada (art. 288 e parágrafo do Código Penal), motivados pela intenção de facilitar a coação eleitoral, por funcionários públicos e terceiros (artigos 300 e 301 do Código Eleitoral).

Na esteira de tudo o que foi exposto resta claro, como a luz meridiana, que os fatos narrados encontram tipicidade na Lei n.º 4.737/1965 – Código Eleitoral – tanto no art. 300, por envolver pessoas que detêm a qualidade de funcionários públicos, como no art. 301, por evidenciar o uso de violência para obrigar a votação em pessoas ligadas à organização, desequilibrando o resultado das eleições.

Estatue o Código Eleitoral, nos dispositivos citados:

Art. 300 — Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido:

Pena — detenção até 6 (seis) meses e pagamento de 60 a 100 dias multas.

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena — reclusão de 4 (quatro) anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.(os grifos foram apostos).

Todavia, diferentemente da autoridade policial, entendo, assim como o douto MPE, ser prematura, nesta fase da investigação, a prisão preventiva dos investigados. Entretanto, dos fatos narrados e das provas colhidas, vejo a necessidade de segregação dos indivíduos relacionados, para fins de apuração quanto à veracidade dos fatos alegados, considerando, sobretudo, a dificuldade na colheita de provas, em vista do temor das pessoas em testemunhar contra integrantes do grupo referido.

A Lei nº 7.960/89 estabelece, quando houver provas de autoria ou participação, seja decretada a prisão temporária de indivíduos investigados por crimes de homicídio e quadrilha ou bando, dentre outros. Diz o referido diploma legal:

Art. 1º — Caberá prisão temporária:

I — quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

III — quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121,caput, e seu § 2º);

(…)

l) quadrilha ou bando (art. 288);

Por força de todos os argumentos que vim de expor, aproprio-me das razões do douto órgão do Ministério Público Eleitoral, fazendo meus os bons motivos expressos nas seguintes palavras:

Delineia-se um quadro que reclama unidade de processo e julgamento, também porque existe unidade de conduta entre os integrantes da organização criminosa que estão presos e aqueles que permanecem soltos mantendo as atividades criminosas e os interesses de todo o grupo, inclusive o interesse estratégico evidente de manter postos de representação política (art. 77, I do CPP). Entre os agentes está NATALINO, um dos líderes, que é favorecido por competência pela prerrogativa de função, por simetria funcional, pelo fato de ter assento na Assembléia Legislativa Estadual. Também neste ponto colhe-se precedente na jurisprudência do STF que, para preservar a unidade de julgamento, admite o julgamento do co-imputado no foro por prerrogativa de função. Orientação n. 704 da Súmula da Jurisprudência do STF e HC n. 68.846/RJ, DJU de 09/05/95.


Dentre os tipos penais em tese cometidos figuram delitos expressamente mencionados no art. 1º, III, letras “a” e “l” da Lei n. 7.960/89 e, ao sentir do Ministério Público, a aplicação da medida constritiva temporária melhor se adequada à situação presente que o decreto de prisão preventiva postulado. A aplicação do princípio da fungibilidade no exame da representação, ou seja, em matéria processual é perfeitamente admissível.

As circunstâncias e fatos recentes, acontecimentos graves registrados já no curso da campanha eleitoral e depois de presos os líderes da organização criminosa autodenominada Liga da Justiça indicam que a articulação e o comando do grupo vêm sendo transferido para os filhos dos chefes originais o PM foragido LUCIANO GUENÂNCIO e a candidata a vereadora CARMINHA.

O atentado de que foram vítimas os declarantes acima mencionados, depois de já preso JEROMINHO; as notícias relatando as primeiras conclusões das investigações realizadas pela Polícia Civil a respeito da chacina que levou à morte de sete pessoas, no dia 19/08/2008, depois da prisão de NATALINO, exatamente na área em que se concentram os interesses da organização criminosa e a campanha de CARMINHA, a mesma área na qual, nas eleições de 2004 e 2006, foram obtidos os votos do pai JEROMINHO e do tio NATALINO, estão a indicar a necessidade da PRIVAÇÃO TEMPORÁRIA da liberdade dos novos líderes e de seus comandados para assegurar o prosseguimento das investigações.

Sem uma investigação cuidadosa que permita uma resposta firme e imediata das instituições diante das suspeitas e dos fatos a população acuada e ferida pelas práticas violentas da organização criminosa não terão condições de exercer com liberdade seus direitos e os demais concorrentes se verão em inaceitável condição de inferioridade. (os grifos foram apostos)

Sim, tem razão o douto órgão do Parquet. Há, realmente, verossimilhança na apuração e a liberdade dos suspeitos constitui risco inaceitável para a apuração, tudo a justificar o decreto de prisão temporária dos líderes do grupo que ainda estão em liberdade – LUCIANO GUINÂNCIO GUIMARÃES e CARMEM GLÓRIA GUINÂNCIO GUIMARÂES – bem como dos demais suspeitos de participação na tentativa de homicídio de Carlos Eduardo Marinho dos Santos, identificados pela autoridade policial.

Os crimes em tese praticados são crimes qualificados de hediondos, nos termos da Lei nº 8.072 de 25/07/1990, a justificar a extensão, para 30 dias, da segregação dos investigados.

Eis os dispositivos pertinentes ao caso:

Art. 1º — São considerados crimes hediondos, todos tipificados no Dec.-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

I — homicídio (art. 121), quando praticados em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I,II,III, IV e V);

§ 3º — A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1089, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.(grifos apostos)

3. Da conclusão

Por atendidos seus pressupostos legais, estes são os fundamentos, não exaustivos, pelos quais decreto, por 30 (trinta) dias, a prisão temporária de LUCIANO GUINÂNCIO GUIMARÃES e CARMEM GLÓRIA GUINÂNCIO GUIMARÃES – apontados líderes da quadrilha -, de FABIO PEREIRA DE OLIVEIRA, IVILSOR UMBELINO DE LIMA, JULIO CÉSAR FERRAZ, FLAVIO MENDES AUGUSTO, EXPEDITO PEREIRA MARQUES, ALEXANDRE DE SOUZA PEREIRA, CBPM HENRIQUE, lotado no RPMont, MARCO ANTONIO DOS SANTOS LOPES, MOISES PEREIRA MAIA JÚNIOR, TONI ANGELO SOUZA AGUIAR, RICARDO CARVALHO SANTOS, AIRTON PADILHA DE MENESES, ALONSO DOS SANTOS HOLANDA, ALEXANDRE BIRA, policial militar KENNEDY, MARCIEL PAIVA DE SOUZA, LUCIANO SABINO DA SILVA e THIAGO (ou TIAGO) irmão de Toni Angelo Souza Aguiar, bem como de GUILHERME DE BEM BERARDINELLI e PAULO CÉSAR DE CARVALHO – identificados como autores das ameaças a Robson Boier.

Diante dos atos de violência atribuídos ao citado bando criminoso, como medida necessária à proteção da integridade dos Agentes da Polícia Judiciária encarregados de cumprir os mandados de prisão, fica autorizado o uso de algemas nos investigados, com exceção da investigada CARMEM GLÓRIA GUINÂNCIO GUIMARÃES, relativamente à qual não vislumbro necessidade de uso da força para assegurar o cumprimento da ordem.

Fica, ainda, autorizada a realização de buscas no local onde houver fundada suspeita de que o investigado, sobre o qual recai a prisão, encontre-se ocultado.

Por derradeiro, em considerando o alto poder político, de corrupção e infiltração em instituições públicas de integrantes do referido grupo paramilitar, bem como a potencialidade de, mesmo segregados, seus integrantes virem a interferir no pleito eleitoral mediante as condutas previstas no art. 301 do Código Eleitoral, ou de outros delitos conexos, determino – com base nos Artigos 3.º e 4.º, do Decreto n.º 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, que regulamentou o art. 1.º, da Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003 – que a prisão temporária seja cumprida em presídio de segurança máxima federal, em regime disciplinar diferenciado – RDD.

Oficie-se, com urgência, o Sr. Diretor do Sistema Penitenciário Federal, remetendo-lhe o ofício via fax e pelas vias ordinárias, solicitando informar sobre a existência de vagas.

A autoridade responsável pela detenção, bem como a autoridade policial representante, deverão notificar a esta Relatoria, com antecedência de 5 (cinco) dias, o termo do prazo de prisão.

Dê-se ciência à douta Procuradoria Regional Eleitoral.

Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2008.

Des. Fed. Maria Helena Cisne

Membro TRE-RJ

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