Grampo ilimitado

Juiz sai em defesa de escutas telefônicas ilimitadas

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29 de agosto de 2008, 14h16

Ao condenar Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e outras 14 pessoas por tráfico de drogas, tráfico internacional de armas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro no processo da Operação Fênix, o juiz 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro, fez duras críticas aos que pretendem limitar o tempo de escuta telefônica nas investigações policiais.

Na Operação Fênix, a escuta telefônica autorizada judicialmente durou de 29 de maio de 2006 a 22 de novembro de 2007. Segundo o juiz, “a complexidade da atividade criminal organizada ou desenvolvida de forma empresarial, envolta em concha de segredo, gera a necessidade da utilização de métodos especiais de investigação, com a conseqüente maior afetação da esfera privada individual. É o preço a se pagar caso se pretenda efetividade da Justiça criminal em relação a esse tipo de crime”.

Por entender que este caso é um exemplo da especificidade das investigações criminais, ele determinou a remessa de cópia da sentença à CPI das Escutas Telefônicas. Para o juiz, não é possível fazer este tipo de investigação sem escutas.

A sentença, originalmente de 240 páginas, é reproduzida abaixo sem as transcrições dos diálogos telefônicos capturados e mensagens enviadas por meio digital, que também foram “grampeadas”. Só as transcrições de conversas ocuparam 106 páginas da decisão de Moro.

O juiz ainda afirma que “somente a continuidade da interceptação telefônica é que permitiu a completa identificação dos integrantes do grupo criminoso e a colheita de prova em relação a eles. A investigação e a persecução criminal não se resumem a mera apreensão um carregamento de droga e armas, devendo ser buscado, pela autoridade policial, o desmantelamento da organização criminosa para que não haja mais qualquer carregamento de drogas e armas”.

Para Moro, a demora nas interceptações neste caso “não pode ser considerada arbitrária, a não ser que se pretenda tratar dessas questões de forma abstrata e dissociada da realidade da atividade criminal contemporânea. Se for assim, que então se permita a continuidade delitiva, sem interceptação, e que, seguindo as últimas conseqüências, sejam devolvidas as drogas e armas apreendidas em decorrência da interceptação aos seus proprietários”.

Na sentença, o juiz federal aborda também a ausência de tipificação do crime de participação em organização criminosa previsto na Lei 11.343/2006. Moro recorreu à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional de 2000 — Convenção de Palermo — para justificar o agravamento das penas. Também invocou a Convenção de Viena e jurisprudência tanto dos tribunais americanos como espanhóis, para defender a tese do amplo confisco de bens de criminosos.

No caso em discussão, a sentença conclui que “pela complexidade estrutural do grupo criminoso dirigido por Luiz Fernando da Costa, não há dúvida de seu enquadramento nas disposições da Convenção de Palermo e a sua válida qualificação, portanto, como grupo criminoso organizado ou organização criminosa”. Por toda a investigação feita ficou provado que o traficante, segundo diz a sentença, estruturou “verdadeiro grupo criminoso organizado de maneira empresarial para a prática de atividade criminal, especialmente tráfico de drogas. Tal atividade abrangia a organização de duas bases de operação no Paraguai, a utilização de pelo menos três aviões, pistas no interior do Paraná e transporte por veículos até o Rio de Janeiro. Além disso, o grupo contava com fazendas e equipes estruturadas para o preparo e transporte da droga”.

A investigação teve início pelo trabalho da equipe de policiais federais que formavam o chamado Grupo de Investigações Sensíveis, grupo este que funcionava dentro da Coordenação Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes. Foram estes policiais que descobriram o uso de um aparelho celular pelo traficante de dentro da custódia da Polícia Federal, em Brasília, no início de 2006. A partir do monitoramento deste aparelho no período em que Beira-Mar permanece ali, foi possível dar início ao trabalho que levou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Superintendência do DPF no Paraná a desmontar toda a organização criminosa, em novembro de 2007.

O caso foi para aquele estado por conta das primeiras apreensões de remessas de drogas e armas descobertas pelo monitoramento telefônico. Ao todo, foram 12 apreensões, das quais apenas seis a sentença reconhece como de responsabilidade comprovada do grupo. No total foram apreendidos totalizaram 462 quilos de cocaína, 26,9 quilos de maconha, 21,8 quilos de crack, 5,8 quilos de haxixe, duas metralhadoras, dois fuzis, duas pistolas e 1.477 cartuchos de munição diversa.

O trabalho da polícia em dobradinha com a Procuradoria da República do Paraná resultou em uma denúncia contra 34 pessoas, dos quais, oito parentes do traficante. Além de Beira-Mar, foram denunciados sua mulher Jaqueline Alcântara de Moraes da Costa; seu filho Felipe Alexandre da Costa; as irmãs Alessanda e Débora Cristina da Costa, os maridos delas, Carlos Wilmar Portella Vanderley e Cid da Roxa Teixeira Filho, o cunhado Ronaldo Alcântara de Moraes e a sua namorada, Marcela de Brito Barradas.

O processo foi desmembrado porque 13 dos 34 denunciados moram fora do país e não foram presos. Nesta primeira fase, o julgamento foi da participação de 21 réus, dos quais 15 foram condenados. Foi uma tramitação célere, pois a denuncia foi protocolada em janeiro e no início desta semana a sentença de 240 páginas foi divulgada.

Além do processo desmembrado com os réus não presos, foi aberta nova ação penal que irá julgar a lavagem de dinheiro pelo grupo através da compra de imóveis colocados em nome de dois advogados que atuaram na defesa do traficante e de seus familiares. Uma terceira advogada — Gersy Mary Menezes Evangelista — foi condenada com o grupo por associação para o tráfico de drogas.

Clique aqui para ler a sentença que condenou Fernandinho Beira-Mar sem as transcrições das conversas telefônicas e mensagens de e-mails interceptadas.

Processo 2007.7000026565-0

Retificação

Na primeira versão do texto desta notícia informou-se, incorretamente, que o juiz Sérgio Fernando Moro resistira cumprir, em 2006, uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso não aconteceu.

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