Raposa Serra do Sol

STF admite entidades como assistentes no caso Raposa serra do Sol

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27 de agosto de 2008, 12h53

As entidades e pessoas que pediram para falar na ação que discute a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol depois que encerrada a fase de instrução processual vão atuar no processo como assistentes, e não como partes. Esta é a primeira decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (27/8). O julgamento do caso começou às 9h e deve se estender por dois dias, segundo previsões iniciais.

A questão de ordem sobre a manifestação das entidades foi levantada pelo relator da ação, ministro Carlos Britto. O ministro defendeu a inclusão das entidades como assistentes para evitar “desnecessário alongamento” da causa. Segundo ele, “seria inoportuno, prescindível e impróprio” o ingresso de partes na ação nessa fase processual.

A inclusão dos assistentes permite a manifestação de entidades do estado de Roraima, da Fundação Nacional do Índio, das comunidades indígenas Barro, Socó, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai, e do pecuarista Lawrence Manly Harte. Além de falar em plenário, os interessados poderão apresentar memoriais.

O ministro Carlos Britto registrou que as “toneladas de documentos juntados” aos autos após a fase de instrução processual não inovaram as informações de que ele já dispunha.

Antes da decisão, o ministro Carlos Ayres Britto leu um breve relatório que sintetizou o pedido feito na Petição 3.388. O pedido foi ajuizado no STF pelo senador Augusto Botelho (PT-RR), em abril de 2005. A seguir, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), foi admitido como assistente no processo.

Os dois senadores defendem a demarcação da reserva em ilhas, e não em área contínua, como estabelece a Portaria 534, do Ministério da Justiça. Eles justificam que a portaria mantém os mesmos vícios da primeira que demarcou a reserva, a de número 820/98, editada no governo Fernando Henrique Cardoso.

Augusto Botelho e Mozarildo Cavalcanti argumentam que a demarcação foi feita sem que fossem ouvidas todas as pessoas e entidades envolvidas na controvérsia. Dizem ainda que o laudo antropológico produzido para embasar a demarcação foi assinado somente por uma profissional, o que dá claros indícios de parcialidade do documento.

Acrescentam que a demarcação da reserva em área contínua vai gerar conseqüências comerciais, econômicas e sociais desastrosas para o estado de Roraima, além de prejudicar os interesses do país, comprometendo a segurança e a soberania nacionais.

Demarcação irregular

Nas sustentações orais, o advogado Antônio Guimarães, que representa os senadores, foi o primeiro a falar e classificou o decreto que criou a reserva Raposa Serra do Sol como imprestável. Segundo informações da Agência Brasil, Guimarães argumentou que a há uma série de irregularidades no processo de demarcação das terras.

“Um técnico agrícola que nunca participou do processo de demarcação nem esteve na área é citado como tal (no relatório sobre o laudo antropológico). A base do decreto de homologação é imprestável. Essa demarcação jamais poderia ser contínua. Reunir tribos numa mesma base territorial abre as portas para as novas divergências”, afirmou.

Conforme o advogado, a ação proposta pelos senadores em defesa da anulação da demarcação visa “garantir a soberania do país, a integralidade do pacto federativo e preservação das etnias indígenas”.

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Francisco Rezek, disse que a criação da reserva Raposa Serra do Sol não poderia ter sido feita por decreto. Para Rezek, “uma Constituição que manda que o Congresso Nacional fale até sobre o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas não é compatível com o trato dessa matéria por portarias e decretos”.

O ex-ministro defendeu que o estado de Roraima não pode ser tratado como uma “confederação” que representa os produtores de arroz ou comunidades indígenas. “Ele é uma unidade da federação e seu interesse é perfeitamente legítimo de resolver a questão”, apontou. Acrescentou ainda que o estado vem sendo tratado pela União como um “quintal”.

O advogado Luiz Valdemar Albrecht, que representou os rizicultores e pecuaristas de Roraima, disse aos ministros do STF que as terras cultivadas pelos fazendeiros nunca foram de ocupação tradicional indígena. “Nunca houve presença de índios nas proximidades das fazendas de arroz. Por isso, a sociedade de Roraima, praticamente por unanimidade, é contra essa demarcação contínua”, disse.

Albrecht apontou documentos da década de 70 que comprovariam a ausência de índios nas bordas sul, leste e oeste, no local onde hoje está a reserva indígena. Segundo o advogado, os índios sofreram influência de religiosos e representantes de organizações internacionais para ocupar a região e criar problemas para os produtores. “Raposa Serra do Sol é um nome marqueteiro, que junta áreas independentes. O laudo antropológico não tem trabalho de campo. É um recorta e cola de gabinetes”, acusou.

Contínua e legal

Já o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, disse ao plenário do STF que a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua foi feita em respeito aos dispositivos constitucionais que garantem aos índios a ocupação de terras tradicionais.

“O governo cumpriu um dever constitucional e a terra não é patrimônio dos índios, mas de toda a sociedade brasileira”, reforçou Toffoli. Ele refutou a tese do risco à soberania nacional com a demarcação de terras indígenas em áreas de fronteira. Toffoli rebateu ainda a declaração do advogado Francisco Rezek, que defende o governo de Roraima, de que o governo federal foi leviano ao homologar a reserva em abril de 2005.

“Não acredito que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos tenha sido leviano. É uma pessoa da mais alta dignidade e que tratou do tema refletindo por mais de dois anos, ouvindo todos os lados e preparando tudo para que houvesse o mínimo de resistência”, afirmou.

O advogado-geral da União, que também defendeu a Funai, relatou ainda que os investimentos per capita da União em Roraima são superiores à média da federação. A afirmação foi corroborada pelo presidente da Funai, Márcio Meira, que alegou que o órgão já depositou em juízo as indenizações para que produtores de arroz deixem a área.

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