Liberdade de credo

Juiz de Goiás recomenda igreja a Vilma Martins e causa polêmica

Autor

26 de agosto de 2008, 18h38

Causou polêmica a decisão do juiz Éder Jorge, da 4ª Vara Criminal de Goiânia, que recomendou que Vilma Martins freqüentasse entidades religiosas de formação cristã. Ele concedeu o benefício da liberdade condicional a Vilma Martins, condenada a 15 anos e 9 meses pelo seqüestro de Pedro Rosalino Braule Pinto e Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o juiz Éder Jorge justificou que ao tratar das obrigações da reeducanda (Vilma), fez apenas uma recomendação no item que se refere à religião. Ele disse que a recomendação não precisa ser necessariamente cumprida.

“O que está na decisão é meramente uma sugestão. Fizemos a recomendação baseada no fato de que a esmagadora maioria da população brasileira é cristã. Diferentemente de outros países, nós temos poucas pessoas que são islâmicas ou judias, por exemplo. É uma atividade da maioria dos presos, que professam as religiões católica ou evangélica. Não é censura. É uma recomendação”, explicou o juiz.

Éder Jorge disse que a religião pode ser um item importante na recuperação dos presos. Motivo: as pessoas têm a oportunidade de se apegar “a dogmas que pregam a verdade, a igualdade e o respeito”.

O juiz da 4ª Vara Criminal de Goiás registrou, também, que o descumprimento das obrigações estabelecidas na sentença pode redundar no retorno de Vilma Martins à prisão, dependendo da gravidade do delito. Ele ressaltou que, mesmo com toda a publicidade que o caso ganhou na mídia, a ré não teve privilégios nos ritos de execução da pena. “Ela foi tratada como os demais reeducandos”, resume.

Repercussão

Ainda que se trate apenas de uma recomendação, a medida vai contra a Constituição Federal de 1988, que nos artigos 5º, Inciso: VI, e, 19, inciso I, respectivamente, estabelecem a liberdade religiosa. Os dispositivos garantem a liberdade de culto, independentemente do credo, bem como o respeito aos locais de culto.

O advogado criminalista Cleber Lopes de Oliveira não concorda com a recomendação. “É totalmente inconstitucional. E se ela quiser freqüentar um terreiro de macumba, por exemplo, ou ir a uma sessão de candomblé? E se ela for atéia?”, questiona ele.

Para o advogado, as medidas punitivas só devem atingir a liberdade e não os direitos individuais do réu. “A Constituição estabelece que nós estamos em um país onde a prática religiosa é livre”, salientou.

Segundo ele, “juiz decide, não recomenda”, afirmou. E mais: “Quando ele muda o termo de obrigação para recomendação, ele passa de uma obrigação ilegal para uma recomendação ilegal”, disse o advogado.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por meio de sua assessoria de imprensa, invocou a Lei Orgânica da Magistratura para não comentar o caso.

A pena

Vilma Martins foi condenada a 15 anos e 9 meses pelo seqüestro de Pedro Rosalino Braule Pinto e Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, quando eram bebês. Responde pelos crimes de falsidade ideológica, por parto suposto e por estelionato. Como completou um terço da pena — cinco anos e três meses — teve direito à liberdade condicional.

Ela ficou dois anos e nove meses no regime fechado, dois anos e nove meses no semi-aberto e um mês e 27 dias no regime aberto.

Leia a íntegra da decisão

Comarca de Goiânia

4ª Vara Criminal – Execução Penal

Execpen: 10631

Nome: VILMA MARTINS COSTA

Vistos etc…

VILMA MARTINS COSTA, devidamente qualificada nos autos, atualmente cumpre pena no regime aberto da Casa do Albergado, requereu a concessão do LIVRAMENTO CONDICIONAL, alegando preencher os requisitos exigidos pela lei.

Emerge dos autos que a sentenciada fora condenada em 08.09.2004, à pena de 15 (quinze) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime fechado, pela prática dos delitos de parto suposto, subtração de incapazes e uso de documento falso.

Conta de liquidação de penas acostadas às folhas 630 dos autos principais.

Certidão carcerária às folhas 03 do 11º Caderno Acessório.

Instado a manifestar-se, o representante do Ministério Público opinou pelo deferimento da pretensão (folhas 06 do 11º Caderno de Procedimentos).

É o relatório.

Decido

Trata-se de pedido de concessão do Livramento Condicional formulado pela sentenciada VILMA MARTINS COSTA, condenada pela prática de parto suposto, subtração de incapazes e uso de documento falso, atualmente cumpre pena no regime aberto da Casa do Albergado.

Segundo o penalista Nelson Hungria “o livramento condicional é, em relação ao condenado, inquestionavelmente, um direito: direito ao benefício à recompensa da liberdade antecipada. Ao cometer o crime no regime de uma lei penal que concede o livramento, surge para o réu a obrigação de sofrer a pena que lhe venha ser imposta, mas também, simultaneamente, o direito de, ao fim de certo tempo, e dadas as condições prefixadas na lei, obter que lhe seja dispensado o efetivo cumprimento do restante da pena” (“Novas questões jurídico-penais “) pág. 143 in RT 612/277)

Para a concessão do beneficio do livramento condicional, à luz do Art. 83 da Lei 7.209/84, é necessário que o condenado preencha requisitos de ordem objetiva e subjetiva.

No caso em testilha, não há dúvidas que a sentenciada preenche os requisitos necessários à benesse almejada.

Já decorreu o prazo superior a 1/3 (um terço) da pena aplicada (conforme folhas 630 do CFI), e possui BOM comportamento carcerário (conforme às folhas 03 do 11º Caderno de Procedimentos). Afora isso, durante o cumprimento de sua pena dedicou-se ao trabalho, fator essencial à sua reintegração à vida em sociedade.

Inobstante, cabe frisar que a nova redação do Art. 112 da Lei de Execuções Penais, dada pela Lei 10.792/03 – que estabeleceu novo procedimento para a concessão da progressão do regime e livramento condicional, deixa para trás a exigência de prévia oitiva do Conselho Penitenciário, exigida no Art. 131 da Lei 7.210/84 , para concessão do livramento condicional.

Por derradeiro, acresce ponderar que, a par da concessão do livramento condicional, ainda continuará a sentenciada assimilando a terapêutica penal e, caso venha a demonstrar inaptidão ao novo sistema, não sabendo honrar o benefício legal de confiança que ora lhe é concedido, terá tal beneficio revogado.

Diante dos argumentos sopesados, CONCEDO O LIVRAMENTO CONDICIONAL à sentenciada VILMA MARTINS COSTA, subordinada às seguintes obrigações:

I – residir no endereço a ser declarado, relacionando-se bem com seus familiares e coabitantes;

II – recolher-se a sua residência até às 21:00 horas;

III – não mudar de endereço residencial e nem ausentar-se desta cidade sem previa comunicação a este juízo;

IV- comparecer bimestralmente perante o SIP para comprovar suas atividades;

V – exercer trabalho honesto e ter comportamento exemplar na sociedade;

VI – atender com rapidez e boa vontade as intimações das autoridades judiciárias e policiais, e fornecer todas as informações requisitadas pelos órgãos de fiscalização destas condições;

VII – conduzir documentos pessoais e cópia das condições supra, para exibi-los quando solicitados;

VIII – não portar armas, nem freqüentar locais de má fama ou fazer-se acompanhar de pessoas de maus costumes.

IX – Recomenda-se freqüência a entidades religiosas de formação cristã

X – Deverá o reeducando estar munido de documento de Identificação pessoal (cédula de identidade, CNH ou identidade funcional) como condição para ser colocado em liberdade, devido a cópia respectiva ser juntada aos autos.

Designo o dia 18/08/2008, às 17:30 horas para Audiência de Advertência, a ser realizada na sala 1103.

Requisite-se a reeducanda.

Publique-se. Registre-se. Intime-se

Goiânia, 18 de agosto de 2008.

Éder Jorge

Juiz de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!