Fora de função

Anamatra não tem legitimidade para defender trabalhadores

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25 de agosto de 2008, 17h27

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) não tem legitimidade para ser amicus curiae em ações que tratam sobre os direitos dos trabalhadores em geral. Para a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, a entidade só pode atuar em processos que interferem diretamente nos interesses da categoria de juízes do Trabalho.

Com isso, a ministra negou, no dia 6 de agosto, a participação da Anamatra em uma ação contra norma que beneficia o trabalhador. A Confederação Nacional da Indústria entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando o artigo 21-A da lei que define os planos de benefício da Previdência Social (Lei 8.213/91).

A norma impõe à perícia médica o dever de reconhecer a relação entre a doença adquirida e o trabalho feito com base em estudo epidemiológico. A CNI considera que ela afronta “a liberdade profissional do médico, assegurada pelo artigo 5º, inciso XIII”. Além disso, a entidade argumenta que o artigo 201 da Constituição garante que as aposentadorias especiais por acidente de trabalho só podem ser concedidas nos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física do trabalhador.

Como envolve os interesses dos trabalhadores, a Anamatra quis participar da ação inclusive para fazer sustentação oral. O estatuto da entidade diz que ela deve defender a valorização do trabalho humano e a dignidade dos trabalhadores.

No entanto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o estatuto da Anamatra mostra que não é a sua finalidade defender a constitucionalidade de normas que tratam sobre as relações de emprego. Para a ministra, o estatuto mostra que atuação da Anamatra está limitada à defesa dos interesses da categoria de juízes do Trabalho.

“A decisão a ser proferida nesta ação direta de inconstitucionalidade em nada afetará a atuação profissional, a situação financeira ou as prerrogativas inerentes aos juízes da Justiça do Trabalho”, argumenta a ministra na decisão tomada no dia 6 de agosto.

Segundo a ministra, também é preciso levar em conta o requisito da pertinência temática para admissão de amicus curie. Esta pertinência não é preenchida pela Anamatra.

“Reduzir a pertinência temática ao que disposto no estatuto das entidades sem considerar a sua natureza jurídica colocaria o Supremo Tribunal Federal na condição submissa de ter que admitir sempre qualquer entidade em qualquer ação de controle abstrato de normas como amicus curiae, bastando que esteja incluído em seu estatuto a finalidade de defender a Constituição da República.”

Leia a decisão

Petição n. 83.436/2008

PEDIDO DE INTERVENÇÃO NA AÇÃO NA CONDIÇÃO DE AMICUS CURIAE. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO — ANAMATRA. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. PEDIDO INDEFERIDO.

1. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Anamatra requer a sua intervenção no feito, “inclusive para fins de sustentação oral”, na condição de amicus curiae.

Sustenta ela que:

“constitui missão institucional da ANAMATRA, definida no seu Estatuto Social, a defesa da valorização do trabalho humano e da dignidade da pessoa humana:

‘Art. 2º. A ANAMATRA tem por finalidade congregar Juízes do Trabalho em torno de interesses comuns, promovendo maior aproximação, cooperação e solidariedade, defendendo e representando os seus interesses e prerrogativas perante as autoridades e entidades nacionais e internacionais, pugnando pelo crescente prestígio da Justiça do Trabalho.

(…)

§ 3º A ANAMATRA deverá atuar na defesa dos interesses da sociedade, em especial, pela valorização do trabalho humano, pelo respeito à cidadania e pela implementação da justiça social, pugnando pela preservação da moralidade pública, da dignidade da pessoa humana, da independência dos Poderes e dos princípios democráticos.’

No caso, foi editada lei federal que valoriza o trabalho humano e a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores.

No entanto, entendeu a Confederação Nacional da Indústria — CNI impugnar a validade constitucional da mencionada lei.

Parece indiscutível, assim, a legitimidade da ANAMATRA para ingressar nos autos da presente ação direta de inconstitucionalidade como amicus curiae, ainda mais em hipótese na qual também é clara a pertinência entre o objeto da ação e os seus fins sociais, dentre os quais se destacam, reafirme-se, a valorização e a proteção do trabalho humano”.

2. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 21-A da Lei n. 8.213/1991, acrescentado pela Lei n. 11.430/2006, e o art. 337, §§ 3º e 5º a 13, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999, nos termos do Decreto n. 6.042/2007. Esses dispositivos estabelecem regras e o método a ser utilizado para a caracterização de acidente do trabalho.

3. Os arts. 2º e 5º do Estatuto da Anamatra dispõem o que segue:

“Art. 2º A ANAMATRA tem por finalidade:

I — congregar magistrados do trabalho em torno de interesses comuns;

II — promover maior aproximação, cooperação e solidariedade entre os associados;

III — defender e representar os interesses e prerrogativas dos associados perante as autoridades e entidades nacionais e internacionais;

IV — pugnar pelo crescente prestígio da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. A Associação promoverá a realização de atividades sociais, recreativas, esportivas e culturais, incentivando o estudo do Direito e, em especial, o Direito Material e Processual do Trabalho, bem como todos os ramos científicos afins.

Art. 5º A ANAMATRA deverá atuar na defesa dos interesses da sociedade, em especial pela valorização do trabalho humano, pelo respeito à cidadania e pela implementação da justiça social, pugnando pela preservação da moralidade pública, da dignidade da pessoa humana, da independência dos Poderes e dos princípios democráticos.”

4. A leitura do art. 2º do Estatuto da Anamatra conduz à conclusão de não estar incluída entre as suas a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem as relações de emprego ou a concessão de benefício decorrente de uma relação de emprego.

Mesmo que se considere especialmente o art. 5º do Estatuto, outro não pode ser senão o entendimento de que a atuação da Anamatra no controle abstrato de normas, pela sua natureza de associação de magistrados da Justiça do Trabalho, está limitada à defesa de interesses diretos da categoria.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.157-MC, DJ 17.11.2006, o eminente Ministro Celso de Mello ressaltou que “o requisito da pertinência temática (…) se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato”.

A pertinência temática também é requisito para a admissão de amicus curiae e a Requerente não o preenche.

6. Pelo exposto, indefiro o pedido de intervenção na ação na condição de amicus curiae (art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/1999).

Junte-se a petição.

Publique-se.

Brasília, 6 de agosto de 2008.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora

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