Segunda Leitura

Segunda Leitura: controle de produtividade nos tribunais é positivo

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de agosto de 2008, 12h12

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">O Brasil, ao tratar da magistratura, optou por profissionalizar o juiz e possibilitar-lhe fazer carreira. Este modelo, idealizado por Napoleão Bonaparte na França, não é comum a todos os países. Não existe carreira, por exemplo, nos Estados Unidos, Argentina, Paraguai.

Os juízes de primeira instância têm a mesma denominação em toda parte, muito embora uma segunda palavra possa diferenciá-los (por exemplo, juiz de Direito ou juiz Letrado). Mas, na segunda instância, os nomes divergem. O Brasil herdou de Portugal o título de desembargador. Na Argentina, chamam-se camaristas. No Chile e no Uruguai, ministros. No México, magistrados. Nos Estados Unidos continuam a chamar-se juízes, muito embora os da Suprema Corte sejam tratados de “justices”.

No Brasil, os primeiros desembargadores pertenceram ao Tribunal da Relação da Bahia (antecessor do Tribunal de Justiça), implantado em 1609. Em 1751, o Reino implantou o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Nesses tempos de Brasil Colônia, o desembargador era um profissional formado em Direito, na Universidade de Coimbra, e, além de jurista, deveria ser um político (por exemplo, conselheiro de vice-reis), administrador (por exemplo, fiscalizando obras públicas) e até defensor do Reino (por exemplo, procurador dos Feitos da Coroa e da Fazenda). É preciso lembrar que a separação de poderes só veio em 1989, com a Revolução Francesa. Ademais, ainda que não fosse um título nobiliárquico, como na França, gozava o desembargador de um status assemelhado, sendo cargo de elevada projeção social.

Concentrando um poder enorme em suas mãos, os desembargadores não costumavam ser responsabilizados por seus atos. Por isso mesmo, registram Arno e Maria José Wehling, em obra primorosa sobre o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (Direito e Justiça no Brasil Colonial, Ed. Renovar, p. 418-9), que apenas um foi punido nos tempos da Relação do RJ (1751-1808), Ambrósio Pitaluga. O vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza arrendou uma chácara na área de Nossa Senhora da Ajuda e, em um terreno que se situava na estrada que dava acesso à praia, mandou plantar árvores frutíferas e cercas vivas, para uso público.

O local era fiscalizado por presos, autorizados a tomar para si animais que invadissem o local. No dia 30 de dezembro de 1781, um carneiro do desembargador Pitaluga foi apreendido e a reação foi imediata. Ele foi ao local, xingou e empurrou o preso-sentinela. O vice-rei Vasconcelos tomou o fato como desacato à sua autoridade e em 20 de agosto o desembargador foi encaminhado preso para a cadeia do Limoeiro.

Pois bem, a Consultor Jurídico, em 9 de agosto, noticia que o CNJ (Justiça Aberta) fará estatística sobre a produtividade de desembargadores. É algo inédito, sem dúvida. Dos juízes de primeira instância sempre se fez, mas nos tribunais, não. A iniciativa rompe uma tradição de séculos. E dá tons de modernidade à fiscalização, ou seja, será feita por dados cadastrados e transmitidos via internet. É interessante avaliar a passagem do tempo e comparar as épocas. Atualmente, usando presos a seu serviço, o vice-rei seria processado por improbidade administrativa. E o desembargador Pitaluga certamente responderia a uma representação no CNJ, mas em hipótese alguma seria preso por sua bravata.

Diferentes os tempos, diferentes são os desembargadores atualmente. Muitos deles, principalmente nos grandes tribunais, são homens e mulheres jovens, modernos, adaptados à mudança de costumes e aos recursos da informática. Outros, não tão jovens, vão se adaptando aos tempos modernos, encarando o Direito sob a ótica do século XXI e as mudanças sociais que o acompanham (por exemplo, a família) e atuando como administradores ágeis e interessados em alavancar os serviços. Uma minoria remanescente, é verdade, prefere manter-se como no passado. Distantes, olhar superior, aversão à modernidade. Evidentemente, contrários, ainda que discretamente, às inovações da época, como o processo eletrônico, a assinatura digital e à transparência dos atos administrativos.

Entre os que se recusam a avançar, adaptar-se aos tempos das ações de massa, que insistem a escrever seus votos e a passar a um funcionário para digitar, o tempo dos processos é maior. Ainda que todos tenham muito serviço ― e inegavelmente têm ― seus processos tendem a demorar mais do que a média. Preocupados com detalhes de redação, esquecem-se da velocidade dos tempos modernos. Disto, e por vezes até de uma inadequação ao cargo, que o tempo tende a agravar, surgem situações difíceis para as partes. Há casos reais de processos aguardando anos com um pedido de vista, ou para redigir uma ementa ou mesmo sem exame algum.

Pois bem, estes atrasos, quando ultrapassam o normal pelo acúmulo de serviço, ao que parece, não serão mais ignorados. Até aqui o eram, pois no próprio tribunal é difícil, quase impossível, ao presidente (ou uma comissão) dar solução. Doravante, haverá acompanhamento. Em época de monitoramento de tudo e de todos, nenhuma classe pode pretender atuar sem controle algum. Exercido com moderação e conhecimento do Poder Judiciário, ele será positivo. Resta esperar que esta iniciativa se estenda a outros órgãos (MP, por exemplo) e outras instâncias. Os jurisdicionados agradecem.

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