Direito de estrangeiro

Estrangeiro que não mora no Brasil tem direitos garantidos

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20 de agosto de 2008, 16h28

O Judiciário tem o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem residência no Brasil, a preservação do seu direito de ir, vir e permanecer, bem como dar garantia da ampla defesa, do contraditório e da igualdade diante do juiz natural. O entendimento, já pacificado no Supremo Tribunal Federal, foi aplicado pelo ministro Celso de Mello, que revogou mandado de prisão contra o iraniano Kia Joorabchian.

A prisão do ex- presidente do fundo de investimentos MSI, que mantinha parceria com o Corinthians, foi decretada pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Kia responde a processo por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Respondem com ele na mesma ação, Boris Berezovski, o ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib, bem como Nesi Curi, Renato Duprat Filho, e Paulo Angioni, dirigentes e funcionários do clube; Nojan Bredroud, executivo do MSI; e Alexandre Verri, advogado que atuou na operação entre o clube e o fundo de investimento.

Ao analisar o pedido, o ministro Celso de Mello apontou a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei de Crime Organizado, traçou paralelo com a Convenção de Palermo, que promove a cooperação jurídica para prevenir e reprimir as organizações criminosas de caráter transnacional, e decidiu que deveria julgar o pedido com base na legislação brasileira para garantir o princípio da proporcionalidade. Neste ponto o ministro louvou-se na obra jurídica do delegado PF Rodrigo Carneiro, autor do livro “O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo”.

Ele destacou também que os tratados internacionais, que não dispõe sobre Direitos Humanos, estão hierarquicamente subordinados à Constituição. Quanto à inconstitucionalidade do artigo 7º, Celso de Mello destacou que ele proíbe, de modo abstrato, a concessão da liberdade provisória “aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”. Segundo ele, a vedação da concessão de liberdade é repelida pela jurisprudência do STF, que independentemente da gravidade do crime, entende que a presunção de inocência deve prevalecer sempre.

Para o ministro, a condição jurídica de estrangeiro não legitima a adoção contra ele de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Isso porque os brasileiros denunciados pelos mesmos crimes, pelas mesmas condutas, não tiveram a prisão decretada.

Ele discutiu, ainda, a necessidade de se decretar a prisão preventiva do estrangeiro. Destacou, em seu voto, que a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela infração penal, não pode justificar por si só, a decretação da prisão do autor.

O ministro Celso de Mello entendeu também que o decreto de prisão, expedido pelo juiz de primeira instância, transgrediu os critérios que a jurisprudência do STF construiu em tema de privação cautelar da liberdade individual.

“A prisão preventiva não pode — e não deve— ser utilizada, pelo poder público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa previa”, fundamentou o ministro ao acolher o pedido de liminar e revogar o decreto de prisão.

Parceria com Corinthians

A defesa de Kia Joorabchian diz que a MSI foi parceira do Corinthians, mas afirma que não existem elementos que demonstrem a ligação entre os valores supostamente ocultados a partir da parceria MSI/Corinthians com os crimes apontados na denúncia, recebida pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

O Ministério Público narra em sua denúncia a trajetória do empresário russo Boris Berezovski, que, de acordo com a acusação, teria se transformado “de obscuro e mal remunerado professor de matemática em político influente e poderoso multimilionário”.

A defesa de Kia alega que a denúncia, sem demonstrar qualquer ligação entre um fato e outro, passa a relatar o que o MP chama de “os primeiros passos de Kia no Brasil”, procurando traçar um elo entre o empresário russo e seu cliente, “de maneira que chega a ser leviana”, ao tratar o iraniano como “testa-de-ferro” de Berezovsky.

Assim, alegando ausência de justa causa, o advogado pediu liminarmente a expedição de um contra-mandado para que Kia Joorabchian não fosse preso. No mérito, a defesa pediu o trancamento da ação penal com relação ao executivo iraniano. O mérito, no entanto, ainda será julgado pelo STF.

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