Direitos e deveres

Lei de estágio prejudica empresas e estudantes, dizem advogados

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19 de agosto de 2008, 18h27

A equiparação das regras do estágio de nível médio regular com o estágio de ensino superior, o desprezo pela formação dos estudantes e a carga de trabalho de apenas seis horas por dia devem prejudicar o relacionamento entre empresas e estagiários. A opinião é da advogada Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi, que concedeu entrevista à revista Consultor Jurídico.

O texto do Projeto de Lei 2.419/2007, de autoria do senador Osmar Dias (PDT-PR), foi aprovado na última quarta-feira (13/8) em votação na Câmara dos Deputados e aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os benefícios prometidos estão férias, redução de jornada, assistência médica, vale-transporte e alimentação. “O maior problema desse projeto é manter o estágio para nível médio regular porque o jovem não tem formação teórica”, defende.

Maria Lucia, que é integrante da Comissão de Estudos em Direito e Processo do Trabalho da OAB paulista, disse que é alto o índice de fraudes na concessão de bolsas a alunos do ensino médio.

“Quem já trabalha de forma errada, vai continuar trabalhando assim. O texto da lei diz que deve haver compatibilidade entre a teoria praticada em sala de aula e a atividade do estágio. Mas que teoria um aluno do ensino médio pode aplicar no estágio se ele aprende matemática, geografia ou português e não computação ou outros cursos profissionalizantes?”, questiona.

Sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, Maria Lucia alerta que por conta dessa falha, as empresas que agem de forma equivocada, acabam explorando os estudantes em tarefas que nada acrescentam ao currículo deles.

A advogada registra que as fraudes em estágios no ensino médio atingem 95%, enquanto que o índice no ensino superior não supera 5%. “O estágio no ensino superior tem um controle muito mais rigoroso. Aqui no meu escritório eu tenho que apresentar relatórios mensais de produtividade para as faculdades”, conta ela.

Para a advogada, é preciso formatar uma legislação que especifique as particularidades do estágio do ensino superior, do nível médio profissional e do nível médio. Ela também rejeita a versão de que o projeto poderá redundar num aumento do índice de registros em carteira profissional dos estagiários.

“Quem trabalha de forma errada, vai continuar assim. O estagiário, principalmente o de nível médio, vai ter a sua formação prejudicada e não vai se beneficiar do verdadeiro princípio do estágio que é o aprendizado”, ressalta.

O período máximo de dois anos de estágio na mesma empresa e a redução de jornada para seis horas também é criticada pela advogada, que coordena o Comitê de Legislação da ONG Amigos do Emprego.

“Limitar o trabalho a seis horas diárias é muito complicado para as empresas porque elas se planejam para auxiliá-los nas atividades. Com apenas seis horas, não se tem tempo para ajudar os estagiários e o aprendizado deles fica comprometido. Outro problema é que os estagiários em início de curso vão perder espaço para colegas que estão mais adiantados”, destaca.

Ela explica que na rotina de seu escritório, usa a parte da manhã para a redação de peças e que, diante da má formação que as instituições de ensino oferecem, se vê ensinando aos estagiários essa atividade. “Com esse limite de seis horas, eu não vou ter esse tempo pra me dedicar a eles”, reclama.

Maria Lucia Puglisi registra também que, em dia de provas, o aluno poderá trabalhar por apenas três horas, o que tornará as atividades de estágio mais complicadas ainda.

Outro ponto negativo dessa redução, na visão da advogada, é que as empresas deverão reduzir vagas para se adequar às mudanças. Assim, o valor das bolsas será reduzido para atender ao custo de itens como plano de saúde e medicina do trabalho, que foram incorporados ao Projeto de Lei 2.419/2007.

A advogada afirma, ainda, que o texto traz um número irreal em relação às vagas para deficientes. “O projeto diz que 10% do número total de estagiários de uma empresa deve ser de deficientes. Nos contatos que tenho tido com clientes e empresas, esse índice não chega a 1%”, advertiu.

Vacas magras

O advogado trabalhista José Eduardo Haddad afirma que o Projeto de Lei 2.419/2007, do senador Osmar Dias (PDT-PR), prestes a ser sancionado pelo presidente, não poderia relacionar o estágio com profissões regularizadas por conta do desencontro entre teoria e prática.

“O projeto como um todo possui um sério defeito que é tratar o estágio de uma forma geral, relacionando o estágio com as profissões regularizadas, ignorando a questão curricular. A visão do governo nesse projeto é de limitar a utilização de estágio”, comentou.

Ele concorda com a colega Maria Lucia Puglisi sobre as fraudes nos programas de estágio. Como ela, reconhece que há um comprometimento maior entre as empresas e as instituições de ensino superior, que não reverbera no ensino médio e fundamental. Para José Eduardo Haddad, é preciso melhorar a fiscalização.

“Há fraudes e as empresas que trabalham corretamente serão prejudicadas. O que se deveria fazer é aumentar a fiscalização e não criar uma nova lei, por exemplo”, criticou Haddad.

Ele registra que “o grande fiscalizador é o Ministério do Trabalho que precisa ser melhor estruturado e fomentado”.

Sobre as dificuldades, José Eduardo Haddad aponta que o estabelecimento de cotas para estagiários nas empresas vai tornar o mercado mais restrito para os estudantes.

Clique aqui para ler o projeto de lei.

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