Banco de soluções

Discussões judiciais do país resumem-se a 2.400 temas

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18 de agosto de 2008, 13h51

Os presidentes dos 91 tribunais brasileiros têm um encontro marcado em Brasília. Com o futuro. Na próxima segunda-feira (25/8), sob a batuta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os comandantes de todos os ramos do Judiciário brasileiro vão combinar um conjunto de iniciativas inéditas na história do país.

Os dirigentes da Justiça vão costurar o seu mais importante acordo para equacionar os principais problemas do Judiciário. A numeração dos processos será unificada; a nomenclatura dos procedimentos e dos assuntos será padronizada; as melhores soluções regionais serão federalizadas; e, entre outras medidas, o processo eletrônico vai vigorar para valer.

“Com a cooperação de todos, vamos superar a fase em que os tribunais atuam como ilhas incomunicáveis entre si”, afirmou à revista Consultor Jurídico o presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes. Sua meta, explica, é eliminar a multiplicidade de esforços, reduzir os prazos de tramitação dos processos e compartilhar práticas bem sucedidas. Para isso, foi criado um Banco de Soluções destinado a simplificar sistemas que ainda são os mesmos do início do século XIX.

Modernização geral

A demolição da Torre de Babel começa com a inauguração de um idioma comum. A padronização permitirá o uso de códigos e a produção de estatísticas para descobrir quais são os gargalos operacionais do sistema. Hoje, os mesmos processos e procedimentos têm diferentes nomes de acordo com o endereço. Detectados os problemas, parte-se para as soluções.

Um levantamento preliminar aponta que todos os litígios brasileiros resumem-se a 2.400 assuntos. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, dos 130 mil casos que por ali transitam, mais de 75 mil referem-se a apenas 13 temas. Ou seja: pacificadas essas 13 matérias, o tribunal pode, em tese, diminuir pela metade sua carga de trabalho. Claro: associando a solução a outros remédios como a repercussão geral e o efeito vinculante.

Para que o impacto da reforma se espalhe pelo país, prevê-se uma série de etapas. Pelo site do CNJ é possível acompanhar. Trata-se da padronização da nomenclatura de procedimentos (tipos de ações e recursos), assuntos (objeto do pedido) e movimentos (andamento). Foram produzidas tabelas que passarão a ser adotadas em todas as unidades judiciárias do país.

Com essa padronização, a numeração de todos os processos passará a informar a vara de origem, o assunto e o código da movimentação. O número da ação não vai mais mudar quando passa da primeira instância para a segunda, STJ ou STF.

De dentro para fora

A sistematização vai mostrar onde estão os pontos de encalhe de um processo e permitirá medidas para resolver o problema. Assim, se há demora exagerada na fase da notificação, poderão ser contratados mais oficiais de justiça; se o problema for na secretaria ou cartório, poderá ser providenciado reforço; ou se for apurado que o entupimento está nas mãos dos juízes e esses estiverem soterrados de processos, examina-se se é o caso de realocação ou contratação.

Nenhuma dessas medidas dependeu de lei ou de mudança na Constituição. Bastaram umas poucas resoluções do CNJ. Muitas das idéias foram oferecidas pelos próprios tribunais. O que o Conselho tem feito é tentar aprimorá-las e levá-las a toda a rede.

O Judiciário esperou 15 anos pela prometida reforma reclamada pelo Executivo e esboçada pelo Legislativo. Até descobrir que a solução não cairia do céu e dependia da própria magistratura, como observou uma juíza auxiliar que está entre os muitos assessores do CNJ e do STF que trabalham no projeto.

Segundo Gilmar Mendes, os avanços agora serão compartilhados pelo arquipélago para que o Judiciário seja nacional de verdade. “Seremos mediadores e distribuidores dessas soluções para todos os segmentos do sistema”, promete Gilmar.

Como exemplo, o ministro cita o caso do Rio Grande do Norte, onde se desenvolveu um malote eletrônico denominado “Hermes” e que é usado apenas lá. O software possibilita que o presidente de um TJ, por exemplo, distribua instruções a todas as varas com a segurança de que o “ofício” foi recebido e lido. O malote vai servir agora para as precatórias. De estado para estado, muitas vezes é preciso dezenas de telefonemas para saber se, em papel, a carta chegou às mãos certas.

Caminho sem volta

O coração do projeto leva o nome de Projudi, o processo judicial eletrônico. Os pioneiros na sua utilização são as justiças federal e trabalhista. Os tribunais de Justiça têm sido mais lentos nesse capítulo, mas já há 18 TJs engajados no esforço. O benefício da tecnologia é evidente. Uma comparação feita no TRF da 4ª Região, quando se implantou por lá o processo eletrônico, mostrou que enquanto o processo em papel levou mais de 600 dias para ser resolvido, um caso semelhante conduzido virtualmente foi solucionado em 52 dias.

Feito o mapeamento para diagnosticar a explicação, descobriu-se o vilão: a burocracia. Entre a decisão de intimar a parte e a sua implementação passam dois meses. O papel precisa ser controlado, carimbado, juntado aos autos. Pela via virtual, a intimação é automática. O advogado não precisa sair do escritório para peticionar, basta entrar com seu certificado digital. A autuação e numeração também são instantâneas.

No estágio atual, para fins de estatística e solução de problemas, a informatização não resolve. É que designações como “apelação” mudam de nome de vara para vara. O objeto do processo também terá a descrição padronizada. Na primeira tentativa, apurou-se que no STF havia 24 mil diferentes assuntos. Na revisão, constatou-se que um mesmo tipo de discussão chegava a ser catalogado com quatro nomes diferentes.

Identificados os temas que mais atolam o sistema judicial, os tribunais trabalharão para pacificá-los e resolvê-los coletivamente. Com a tabela de movimentos (ou andamentos) será possível também fazer estatística dos pedidos considerados improcedentes, procedentes em parte, extintos (com ou sem julgamento de mérito), o que dará um panorama dos resultados e indicações de como desatar os nós encontrados.

Até agora, os passos dados têm sido ensaiados com empiria, sem grande base científica ou mesmo técnica — e ninguém tem sido obrigado a cumprir, participar ou compartilhar. Para o projeto “Judiciário em Números”, por exemplo, os tribunais sequer enviaram suas estatísticas para a produção de uma contabilidade nacional.

“Hoje, com a informatização, podemos mensurar a ineficiência, mapear a produtividade e mudar o conceito de correição física”, afirma Gilmar Mendes, referindo-se à possibilidade de manter a vara em funcionamento, sem interromper seu trabalho, para a produção de estatísticas. “Isso representa a mudança de um paradigma.”

Esse novo horizonte, diz ele, descortina-se com a nova etapa do CNJ, que já não é mais visto como um órgão censor destinado a punir juízes, mas de organização e planejamento. “Vamos aparar arestas e buscar metas como a produção de plano plurianual que resolva diferenças, distribua soluções e realoque pessoas e recursos, de acordo com a necessidade de cada unidade do todo”.

Justiça 2.0

Os arquitetos dessa reforma não querem parar por aí. Está em curso também a elaboração de um cadastro das partes, para que seja possível saber, por exemplo, se um réu de um estado responde pelo mesmo crime em outros estados. Mas também nessa tabela depende-se da padronização. As muitas formas de se escrever “Banco do Brasil” é um dos enigmas que será solucionado com o uso do CNPJ e, no caso de pessoas físicas, pelo CPF.

O especialista Alexandre Atheniense, que está concluindo um livro a respeito do processo eletrônico, ressalta que uma grande dificuldade a ser vencida é ensinar os advogados a criar hábitos que não existem no processo de papel: “Ou seja, preencher formulários eletrônicos com uso destas tabelas padronizadas no momento da transmissão da peça processual pela internet”.

Atheniense acredita, contudo, que o CNJ, os tribunais e a OAB possam se unir para trabalhar em um plano de comunicação “para minimizar os impactos desta prática processual por meio eletrônico que será implantada brevemente”.

Outro craque da matéria, o advogado Omar Kaminski, observa que o processo eletrônico é um verdadeiro divisor de águas na realidade dos operadores do Direito. “Mas cobra seu preço, exigindo praticamente um ‘começar de novo’ diante das novas rotinas e práticas”, afirma.

Kaminski vê no trabalho do CNJ “o embrião de uma Justiça 2.0, menos morosa e mais eficaz”. Mas, para isso, ressalva, será preciso antes “superar inclusive a resistência dos mais antigos ou tradicionalistas, que muitas das vezes têm fobia da tecnologia”.

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