Segunda Leitura

Segunda Leitura: Justiça com ouvidoria cumpre eficiência

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

17 de agosto de 2008, 0h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Os ouvidores de comarca tinham suas funções previstas nas Ordenações Filipinas que, no Livro I, título 58, itens 3-6, dispunha que competia ao ouvidor receber ações novas e recursos de decisões judiciais; supervisionar a aplicação da Justiça, tanto no cível como criminal, na comarca; propor a nomeação de tabeliães; promover as eleições para a Câmara Municipal; e receber queixas de qualquer súdito real “que venham perante ele os que se sentirem agravados dos juízes, procuradores, alcaides, tabeliães ou de poderosos e de outros quaisquer, e que lhes fará o cumprimento do direito” (Direito e Justiça no Brasil Colonial, Arno e Maria José Wehling, Ed. Renovar, p. 78). Poderosos e com funções que mesclavam o judicial e o administrativo, confundindo-se às vezes com as do corregedor, gozavam os ouvidores de grande prestígio e poder.

Não existe um estudo sistemático sobre a atuação dos ouvidores, como de resto sobre todo o sistema judicial brasileiro. O fato é que deles não se teve mais notícias e que na Constituição Imperial de 1824, ao tratar do Poder judicial nos artigos 151 a 164, não se lhes fez qualquer referência.

Retorna, todavia, em tempos recentes, a figura do ouvidor ou, por vezes, sem identificação pessoal, a da ouvidoria, nos órgãos do Poder Judiciário. Desta feita com nova configuração e influenciada pela existência do ombudsman, funcionário de elevada hierarquia existente nos países nórdicos, a quem compete ouvir e reprimir todas as mazelas do serviço público.

No Brasil, criaram-se ouvidorias nas grandes empresas e no serviço público. Na iniciativa privada, a ouvidoria estabelece um elo entre o consumidor e a corporação. Explica, orienta, corrige procedimentos, ouve sugestões, altera procedimentos, evita ações judiciais. No serviço público, as atividades são assemelhadas, porém a ação é limitada pela lei, ou seja, os pedidos são atendidos na medida em que não contrariem normas existentes.

No Poder Judiciário, nos últimos anos, foram implantadas ouvidorias em diversos tribunais (v.g. TJ-DF, 1998) e até mesmo na primeira instância (v.g. JF-PR). Trata-se de uma excelente iniciativa, já que abre espaço à comunicação entre o cidadão e o Estado-Judiciário. É o local onde o usuário dos serviços pode fazer sugestões para o aprimoramento e críticas quando insatisfeito. O site do Tribunal de Justiça de Pernambuco é exemplar, pois dá destaque à ouvidoria e orienta com clareza o cidadão sobre os seus direitos.

Pesquisa feita pelo Ibrajus revelou que, dos 27 tribunais de Justiça, 16 possuem ouvidoria e 11, não. Nos Tribunais Regionais Federais, o índice é mais positivo: quatro sim e um não. Mas são os Tribunais Regionais do Trabalho que apresentam melhor escore: 23 sim e um não. Os tribunais que adotam a ouvidoria estão cumprindo o princípio constitucional da eficiência (CF, art. 37).

A forma destas ouvidorias varia de tribunal para tribunal. Por vezes, é chefiada por um desembargador da ativa, indicado pelo presidente (v.g. TJ-PE). Em outras, por um desembargador aposentado, o que é uma opção inteligente, pois aproveita alguém em tempo integral e sem qualquer ônus financeiro (v.g. TJ-MS). Há casos em que o site não esclarece quem é o ouvidor (v.g. TJ-GO). Em alguns tribunais, vincula-se à corregedoria. O acesso dá-se, regra geral, por telefone ou e-mail. Mas, evidentemente, pode ser pessoalmente ou por carta. A tendência no mundo moderno é a comunicação via internet, com maior acesso às classes populares e com dispensa de computadores, podendo ser feita via telefone celular.

Os funcionários devem ter um preparo especial. Delicadeza no trato, atenção, paciência, são requisitos indispensáveis. As respostas, quando escritas, devem ser claras e diretas. E jamais deve alguém ficar sem resposta, ainda que a pergunta seja impertinente ou mesmo deselegante

A ouvidoria não deve ser confundida com a corregedoria. Esta tem por missão receber reclamações contra magistrados ou servidores de primeira instância. Mas, se encaminhadas por engano à ouvidoria, evidentemente serão direcionadas ao órgão competente.

Ao ouvidor (e também ao corregedor) não cabe examinar atrasos por parte dos desembargadores. A fiscalização administrativa dos serviços dos desembargadores cabe ao presidente do tribunal. (o Regimento Interno poderá prever a existência de uma comissão para tal fim). Evidentemente, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça.

Finalmente, registre-se que a EC 45/04 dispôs sobre a criação, pela União, de ouvidorias do Poder Executivo para controle do Poder Judiciário e do Ministério Público (CF, arts. 103-B, § 7º e 130-A, § 5º). Não me parece uma inovação feliz. Na verdade, se implantado tal tipo de serviço, uma infinidade de reclamações serão feitas aos funcionários do Executivo, a maior parte delas por pessoas sem compreensão dos trâmites dos serviços judiciários. E o resultado será que juízes e funcionários passarão boa parte de seu tempo a prestar as mais diversas informações, com inevitável prejuízo ao andamento dos serviços. Inovar é bom. Mas com conhecimento da prática forense e bom senso, pois do contrário pode ocorrer exatamente o inverso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!