30 anos depois

Ceneviva diz que é tradutor mais que avaliador técnico

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

16 de agosto de 2008, 13h26

QUARTA-FEIRA última, 13 de agosto, completei 30 anos escrevendo esta coluna semanal na Folha de S.Paulo. Nos decênios de diálogos com o leitor, o direito se modificou. O Brasil e o mundo passaram por mudanças radicais nos campos dos comportamentos, da tecnologia às relações sociais.

No jornalismo, o poderoso influxo da televisão e da internet, com a comunicação instantânea, atingiu número crescente de pessoas, em grande parte sem condições de compreender por inteiro tudo o que chegava ao seu conhecimento.

A mídia impressa que tinha, na velocidade do criar, imprimir e entregar o produto de seu trabalho jornalístico um dos modos de disputar a preferência do leitor, perdeu a corrida para a eletrônica, na rapidez informativa. Ganhou espaço, porém, ao decompor e explicar o que todos viam e ouviam. Os 4 bilhões de pessoas que devem ter assistido à abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim dão exemplo do que tento dizer.

É muito possível que a universalidade da transformação explique a longa persistência de meus comentários de temas jurídicos, nos quais tentei livrar-me do jargão dos juristas, que afastaria o leitor se a tentação do tecnicismo estrito me dominasse. Nestes 30 anos, a dificuldade foi constante. Profissionais da área do direito me criticavam pelo uso de expressões sem tanto rigor técnico. Os não ligados ao direito reclamavam das palavras distantes do linguajar comum ou mesmo próximas, mas significando coisa diversa do que se extraía delas, no dia a dia. Entendi sempre que sou preponderantemente um tradutor do direito, mais que avaliador técnico do fato juridicamente relevante. Para satisfazer a essa missão deixei de lado a condição de advogado, professor universitário, autor de livros. Só fui convicto jornalista, com alegria.

Foram cerca de 1.550 colunas publicadas, envolvendo algo como 5 milhões de toques de computador, ou, se preferirem, entre 75 mil e 80 mil linhas de texto, ou seja, 2.400 páginas de livro, com 35 linhas cada uma. Quando a coluna não saiu -em raríssimas ocasiões- foi porque a Redação previamente me avisou que iria privilegiar assuntos dominantes do interesse geral naqueles dias.

O critério para a escolha do tema, o enfoque dado a cada assunto e a responsabilidade pela opinião emitida sempre foram meus, sem interferência do jornal ou de meu querido e saudoso amigo Octavio Frias de Oliveira, autor do convite para assumir a coluna quando morreu Teófilo de Siqueira Cavalcanti, meu antecessor.

A experiência vivida, no repensar da relação entre os aplicadores jurídicos e a comunidade, registrou momentos de dúvida sobre a desejável clareza para todos. Mesmo assim não me matou a esperança de que será possível ultrapassar o turbilhão gerado pelas transformações globalizantes, a confundirem idéias e a vedarem a compreensão integral do fato jurídico.

A importância nacional da Folha me permitiu a interação com leitores de todo o Brasil, recolhendo suas opiniões. É justo agradecer, principalmente a eles, leitores, que constituem a razão de todo o esforço. Mantendo contatos pessoais ao longo da vida com os que me liam, vi que a coluna contribuía para a discussão de temas de interesse geral. Senti, assim, o estímulo para persistir.

[Artigo publicado na Folha de S.Paulo deste sábado (16/8)]

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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