Liga da Justiça

Fausto De Sanctis ataca HCs e reclama de quem o critica

Autor

16 de agosto de 2008, 15h00

Para um auditório tomado por mais de cem estudantes, o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, voltou a defender o uso de interceptações telefônicas, disparou contra o uso de Habeas Corpus e disse que quem critica suas decisões não leu o teor. Para o juiz, os HCs são muitas vezes usados como instrumentos para impedir a tramitação dos processos.

O desabafo, com direito a socos na mesa e fala não raramente alterada, aconteceu durante o debate As funções manifestas do Poder Judiciário na atualidade, organizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, na noite de sexta-feira (15/8). O evento teve ainda como convidados o procurador regional da República, em São Paulo, Rodrigo De Grandis, o advogado criminalista Roberto Delmanto e o desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch.

“Estou há 17 anos na magistratura e, nesse tempo todo, os direitos individuais são invocados para interromper a tramitação dos processos na Justiça. Cada decisão de um juiz tem um HC que é usado como instrumento”, comentou De Sanctis.

Segundo o juiz, “Direito é fato e não se pode criticar decisões não lidas. Eu venho sendo atacado, inclusive por professores dessa universidade, que não leram a minha decisão [da Operação Satiagraha]”. De Sanctis pediu licença para ficar em pé durante sua palestra.

O juiz federal completou que suas decisões não são simplesmente um referendo às investigações da Polícia Federal e do Ministério Público e sim fruto de suas convicções.

“A decisão tem 170 folhas com base em informações telemáticas. Ninguém publicou isso. Ninguém fala nada. O juiz trabalha, prisões são decretadas, há ameaças de provas serem destruídas”, protestou, ao se referir às prisões feitas durante a Operação Satiagraha. A que causou mais polêmica foi a do banqueiro Daniel Dantas. Motivo: o juiz mandou prendê-lo duas vezes e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, mandou soltá-lo duas vezes também.

Fausto De Sanctis disse, sem modéstia, que se tornou um símbolo da primeira instância e que, como ele, há muitos outros. Para o juiz, as prisões temporárias não são uma forma de arbitrariedade.

Sobre a Súmula Vinculante 11, do STF, que restringiu o uso de algemas, ele disse que no mundo inteiro as algemas são usadas como medida de neutralização da força. Com ironia, o juiz federal disse acreditar que há decisões anteriores que justificassem a edição da Súmula.

Embora tenha aberto sua palestra dizendo que não ia comentar a Operação Satiagraha, por impedimentos previstos na Lei Orgânica da Magistratura, ele deu um exemplo de sua iniciativa para reverter uma decisão do STF sobre o destino do banqueiro Toninho da Barcelona.

“O STF simplesmente concedeu um Habeas Corpus para liberar o paciente. Então eu tomei uma decisão, contra a vontade dos meus colegas e liguei para o ministro que tinha concedido o HC. Perguntei se ele tinha lido o processo e expliquei o teor da decisão. Acabei revertendo a decisão e mantive a prisão”, contou orgulhoso como um advogado que ganha uma causa.

De Sanctis defendeu que o número estimado de 409 mil interceptações telefônicas no país ainda é pouco, dada a generalidade dos crimes de colarinho branco no país.

“Vou repetir o que disse na CPI. Parem de fazer pânico, 400 mil é pouco. A criminalidade tomou tal proporção no país a ponto de estados serem interditados. Por que, será? Gente, eu já ouvi interceptação de um sujeito que estava preso dizendo ‘vou sair em seguida porque eu já comprei ministro’. Pode não ser verdade, mas isso demonstra que acabou o ‘romantismo’ do criminoso nesse país”, reagiu.

Ao final de sua palestra, recomendou aos estudantes que não desistissem de seu ideal e defendeu-se da alcunha de justiceiro dirigida a ele. “Não sou justiceiro, não faço justiça do bem contra o mal. Não vou recuar. Não vou me intimidar. Não é pra isso que vocês me pagam”, encerrou sob urros da platéia.

Mais disparos

O desembargador aposentado Walter Maierovitch abriu o debate defendendo que atualmente se vive uma ditadura do Judiciário, onde a edição de Súmulas Vinculantes pelo STF, por exemplo, serve para engessar o Poder Judiciário no Brasil.

Ao se referir à Súmula Vinculante 11, que restringiu o uso de algemas, Maierovitch disse que a mesma foi editada sem que houvesse jurisprudência anterior.

O desembargador aposentado falou ainda que os critérios para a eleição de ministros do Supremo precisam ser revisados. “Ministro do Supremo tem que ter prazo de mandato definido, o povo precisa ter maior participação nessa eleição.”

Maierovitch exemplificou a questão com o caso da ministra Ellen Gracie. “No governo Fernando Henrique, a ministra Ellen Gracie era cotada para ocupar uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. De repente, ela se alia ao Nelson Jobim e vai parar no Supremo”, criticou.

O desembargador, que também é colunista da revista CartaCapital, disse ainda que o tão clamado controle externo do Judiciário não passa de um controle corporativo. Ele defendeu ainda que o Judiciário tem que passar por uma ampla reforma porque não se concebe que um processo tramite por 10 anos na Justiça”, defendeu.

O procurador regional da República em São Paulo, Rodrigo De Grandis, disse que o Poder Judiciário é concebido atualmente no Brasil como um estado social democrático de Direito, onde o Estado não é o inimigo do cidadão.

A seguir, elencou as novas atribuições do Ministério Público, em especial a sua missão de investigar crimes de lavagem de dinheiro e colarinho branco. Sobrou para o STF, sem o devido crédito. “De repente, vem uma onda em contrário para amputar esse movimento”, reclamou.

De Grandis classificou a edição da Súmula Vinculante 11, do STF, como um ativismo da Corte e, veemente, disse que o Supremo “desprestigia a primeira instância concedendo liminares em Habeas Corpus porque não se baseia em informações do juiz para concedê-las”.

O procurador também fez uma referência a tese da existência de um estado policial em vigor no país. “Não existe estado policial no Brasil porque há juízes, advogados e Judiciário devidamente constituídos. E é preferível — sugeriu — o estado policial ao estado marginal”.

Em outra direção

Já o advogado criminalista Roberto Delmanto adiantou que respeitava as opiniões diversas, mas registrou que as garantias fundamentais previstas na Constituição de 1988 devem ser respeitadas porque são uma conquista da sociedade

Delmanto disse que a advocacia, o Judiciário e o Ministério Público estão perplexos com o avanço da criminalidade no país e que o Estado não se faz presente nas favelas, contribuindo para o quadro atual de desordem social. Em seguida, disparou.

“Polícia Federal e Ministério Público estão investigando juntos e isso não é bom. O estatuto da prisão temporária é uma tragédia. Para que se prende tanto com tantos recursos?”, questionou.

Roberto Delmanto afirmou que se prende no Brasil para se coagir o acusado e na tentativa do estabelecimento da delação premiada. Disse, ainda, que se vive uma falsa impressão de que se faz Justiça no Brasil com as operações policiais cobertas pela imprensa.

Depois, defendeu os HCs concedidos pelo Supremo aos acusados da Operação Satiagraha. “Não sou advogado do Daniel Dantas, nem do ministro do Gilmar Mendes. Defendo e tenho orgulho do STF. O Supremo não pode decidir ao sabor da opinião pública. O Brasil é signatário de pactos internacionais pelo respeito aos direitos fundamentais. Mas e essas operações? Onde estão os pactos? Onde está a Constituição?”, questionou.

Delmanto defendeu que o STF é a única Corte no mundo onde um sujeito preso pode escrever um bilhete e argumentar contra a sua prisão, sem necessidade de um advogado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!