Ensino gratuito

Supremo proíbe taxa de matrícula em universidade pública

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13 de agosto de 2008, 21h21

As universidades públicas estão proibidas de cobrar taxa de matrícula. Para o Supremo Tribunal Federal, a cobrança é inconstitucional por violar o inciso IV do artigo 206 da Constituição, que estabelece o princípio da “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.

Com a decisão, foi editada a Súmula Vinculante 12, com o seguinte conteúdo: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”. A matéria foi discutida no Recurso Extraordinário 500.171-7, cujo relator foi o ministro Ricardo Lewandowski. Em fevereiro deste ano, o tribunal tinha estabelecido a repercussão geral do tema.

O recurso foi ajuizado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, favorável a sete estudantes que passaram no vestibular. Para o TRF-1, a cobrança era inconstitucional. Já a universidade sustentava que “não se trata de taxa, como espécie de tributo, mas de preço público”.

Segundo a universidade, a taxa não é cobrada a título de contraprestação pelo ensino público, mas sim para aplicar o inciso I do artigo 206 da Constituição, que impõe à sociedade o compromisso de garantir igualdade de acesso e permanência no ensino superior. A UFG afirma que a taxa auxilia a permanência de alunos carentes ajudando no pagamento de bolsa, transporte, alimentação e moradia. A gratuidade estaria limitada, segundo a universidade, ao ensino fundamental.

Para o ministro, o artigo 206 mostra que existe a obrigação do Estado de manter uma estrutura que permita ao cidadão o acesso ao ensino superior. Além disso, a gratuidade estabelecida pelo artigo mostra-se como um princípio. “Um princípio que não encontra qualquer limitação, no tocante aos distintos graus de formação acadêmica. A sua exegese, pois, deve amoldar-se ao vetusto brocardo latino “ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”, ou seja, onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo”, explicou.

Lewandowski diz ainda que a Constituição já obriga a União de aplicar na educação 18% do que é recolhido dos impostos. As despesas com os alunos carentes devem ser assim custeadas por estes recursos públicos. O ministro citou Joaquim Barbosa, que afirma ser a cobrança da matricula uma triagem social baseada na renda.

“O que não se mostra factível, do ponto de vista constitucional, é que as universidades públicas, integralmente mantidas pelo Estado, criem obstáculos de natureza financeira para o acesso dos estudantes aos cursos que ministram, ainda que de pequena expressão econômica, a pretexto de subsidiar alunos carentes, como ocorre no caso dos autos”, diz.

Segundo o ministro, o direito à educação é uma das formas para o ideal democrático se concretizar. “Caso se admitisse como válida a tese da recorrente no sentido de que cumpre à sociedade compartilhar com o Estado os ônus do ensino ministrado em estabelecimentos oficiais e da manutenção de seus alunos, esta teria de contribuir duplamente para a subsistência desse serviço público essencial: uma vez por meio do recolhimento dos impostos e outra mediante o pagamento das taxas de matrícula”, reforçou.

O ministro foi acompanhado pelos ministros Menezes Direito, Carlos Britto, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Marco Aurélio.

A ministra Cármen Lúcia votou pela constitucionalidade da cobrança ao lembrar que ela não é obrigatória. Ela cita o caso da Universidade Federal de Minas Gerais, que cobra a taxa desde 1929. O dinheiro é revertido para pessoas carentes, tendo como base o princípio da solidariedade. Quem não pode pagar, fica isento, lembra a ministra. Para a ministra, a educação é um serviço público essencial, mas não existe incompatibilidade da cobrança com a Constituição. Os ministros Eros Grau, Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam a divergência.


Com a decisão, tiveram a mesma negativa os Recursos Extraordinários 542.422, 536.744, 536.754, 526.512, 543.163, 510.378, 542.594, 510.735, 511.222, 542.646, 562.779.

Definido o resultado de seis votos a quatro, foi colocada em discussão a edição de Súmula Vinculante sobre o tema. E aí a aprovação foi unânime.

Leia o voto

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 500.171-7 GOIÁS

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S) : UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFGO

ADVOGADO(A/S) : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL

RECORRIDO(A/S) : MARCOS ALVES LOPES E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : FERNANDO AUGUSTO SENA RODRIGUES

RELATÓRIO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: – Trata-se de recurso extraordinário interposto pela Universidade Federal de Goiás contra acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, com base no art. 206, IV, da Constituição Federal, entendeu ser inconstitucional a cobrança, mediante resolução, de uma “taxa de matrícula” de seus estudantes, cujos recursos seriam destinados a programa de assistência para “alunos de baixa condição sócio-econômica-cultural”.

Neste RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, a recorrente alega violação ao art. 206, IV, da mesma Carta.

Sustenta, em apertada síntese, que a decisão recorrida baseou-se, unicamente, no inc. IV do art. 206 da Carta Magna, deixando levar em conta os demais dispositivos constitucionais aplicáveis à espécie.

Alega, ainda, que cabe à sociedade contribuir para que se concretize a gratuidade do ensino – restrita, segundo entende, ao ensino fundamental -, de modo a criar condições para a sua extensão aos demais níveis de ensino.

Consigna, por fim, que a exação contestada não consubstancia uma taxa em sentido estrito, configurando, na realidade, um preço público, razão pela qual não se sujeita às limitações constitucionais relativas aos tributos.

Não foram apresentadas contra-razões (fl. 100), tendo o Ministério Público Federal opinado, em parecer de fls. 108-112, pelo desprovimento do recurso.

Em 15/2/2008, o Ministro Menezes Direito, no RE 567.801/MG, submeteu à Corte manifestação no sentido da existência de repercussão geral do tema constitucional debatido no processo, idêntico ao tratado no presente RE, a qual foi por ela acolhida.


É o relatório.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 500.171-7 GOIÁS

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): O acórdão recorrido concluiu que a cobrança de uma taxa de matrícula dos estudantes da Universidade fere o disposto no art. 206, IV, da Constituição, que estabelece a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.

A recorrente, inconformada, alega em essência que o referido dispositivo constitucional não pode ser interpretado isoladamente, eis que demanda cotejo com os arts. 205, 206, I, 208, VII, e 212, § 3º. Com tal argumento, pretende demonstrar a legitimidade da exação que cobra de seus alunos.

Embora esteja correta a recorrente no tocante à necessidade de proceder-se a uma interpretação sistemática dos citados dispositivos da Carta Magna, a conclusão a que se chega, com o emprego dessa técnica hermenêutica, é diametralmente oposta à pretensão que veicula nas razões recursais.

De fato, como assenta Luís Roberto Barroso, uma Constituição “não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes”. [1] E essas idéias possuem uma determinada gênese histórica, cuja compreensão é essencial para a correta exegese de seus preceitos, sobretudo no campo dos direitos fundamentais.

Sim, porque, de acordo com Norberto Bobbio, “os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”. [2]

O direito fundamental à educação, discutido neste RE, como assentei alhures, constitui um direito de “segunda geração”. [3] Integra os chamados “direitos econômicos, sociais e culturais”, que resultaram das lutas populares desencadeadas a partir do século XIX, sob o acicate das contradições inerentes à Revolução Industrial. As péssimas condições de vida em que vivia a classe operária à época desencadearam um surto de greves, agitações e rebeliões por toda a Europa.


Nesse contexto, a crescente pressão das massas forçou o Estado a abandonar a posição de mero espectador passivo dos conflitos sociais, na qual havia sido colocado pelos pensadores do liberalismo clássico, obrigando-o a atuar ativamente na busca de soluções para os problemas da comunidade.

As mazelas do novo sistema econômico engendrado pela Revolução Industrial revelaram ao mundo um novo tipo de homem, o homem real, situado, distante daquele homem natural concebido pelos iluministas, titular de direitos eternos e imutáveis, em verdade barreiras jurídicas erigidas contra o arbítrio do Estado. O indivíduo abstrato do passado cedeu, então, lugar ao homem concreto do presente, compreendido em suas circunstâncias pessoais e, sobretudo, em suas carências materiais.

Obrigado a renunciar à tradicional postura abstencionista, o Estado passou a adotar uma atitude proativa no tocante às questões sociais, conferindo ao indivíduo, enquanto membro da coletividade, um novo conjunto de direitos, com destaque para o direito ao trabalho, à saúde, à educação, à cultura, e ao amparo no desemprego, na doença, na velhice, na invalidez e na morte.

A partir daquela quadra histórica, os direitos econômicos, sociais e culturais passaram a integrar as constituições promulgadas no bojo das revoluções liberais-burguesas desencadeadas no século XVIII, bem como os tratados e convenções internacionais elaborados na centúria passada, ao lado dos direitos individuais, de “primeira geração”, também conhecidos como “direitos civis e políticos”, dentre os quais sobressaem o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à participação na gestão da coisa pública.

Interessantemente, lembra Bobbio, enquanto estes últimos “nascem contra o superpoder do Estado”, aqueles “exigem para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado”. [4]

A vigente Carta Magna positivou o direito à educação, retirando-o do limbo destinado às obrigações genéricas do Estado para com a cidadania. No dizer de José Afonso da Silva ela guindou “a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem, quando a concebe como um direito social (art. 6º) e direito de todos (art. 205), que, informado pelo princípio da universalidade, tem que ser comum a todos”. [5]

A educação, com efeito, mereceu especial relevo no texto magno, configurando, a teor do art. 205, não apenas um direito de todos, mas um dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Ela visa, segundo estabelece o artigo em tela, ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.


Isso exige, segundo o citado mestre da Universidade de São Paulo, “que o Poder Público organize os sistemas de ensino público, para cumprir com o seu dever constitucional para com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo, os serviços consignados no art. 208. [6]

Para tanto, completa, “o Estado tem que se aparelhar para fornecer, a todos, os serviços educacionais, oferecer ensino, de acordo com os princípios e objetivos estatuídos na Constituição”. [7]

As normas constitucionais que tratam da educação, acrescenta, “tem, ainda, o significado jurídico de elevar a educação à categoria de serviço público essencial, que ao Poder Público impende possibilitar a todos. [8]

Não colhe, pois, o argumento da recorrente, calcado numa exegese restritiva do art. 208 da Lei Maior, segundo o qual a obrigação do Estado no concernente à gratuidade da educação estaria restrita ao ensino fundamental obrigatório, e que, com relação ao ensino médio, ela quedaria circunscrita à garantia de sua progressiva universalização. E ainda: que o dever do Estado, quanto aos níveis mais elevados de ensino, limitar-se-ia a assegurar o acesso aos mesmos segundo a capacidade de cada um.

A rigor, o disposto no art. 208, longe de consubstanciar uma limitação à educação gratuita, em verdade assinala ao Estado a obrigação de manter uma estrutura institucional que permita ao cidadão comum, tenha ou não recursos financeiros, o acesso ao ensino superior, em seus vários níveis, da graduação à pós-graduação, ministrado em estabelecimentos oficiais, tendo como única limitação a sua competência intelectual.

Além disso, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, conforme se lê no caput do art. 206, IV, configura um princípio. Um princípio que não encontra qualquer limitação, no tocante aos distintos graus de formação acadêmica. A sua exegese, pois, deve amoldar-se ao vetusto brocardo latino “ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”, ou seja, onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

Esse princípio, ademais, deve ser conjugado com aquele abrigado no inciso I do mesmo artigo, que expressa a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. E o acesso à educação, em condições igualitárias, nas palavras do Ministro Celso de Mello, proferidas em sede doutrinária, “é uma das formas de realização concreta do ideal democrático”. [9]


Por essa razão, assinala o mencionado José Afonso da Silva, “compete ao Poder Público, desde a pré-escola, ou até antes, proporcionar, aos alunos carentes, condições de igualização, para que possam concorrer com os abastados em igualdade de situação”. [10]

É também o que pensa Dalmo de Abreu Dallari, o qual assevera, em linguagem contundente, que se “não forem dadas oportunidades iguais para todos, pelo menos desde o instante do nascimento, a proclamação constitucional de igualdade será apenas um formalismo hipócrita, mascarando uma desigualdade de fato”. [11]

Trata-se, como observa Fábio Konder Comparato, de colocar em prática a “justiça proporcional ou distributiva”, que tem como objetivo “instaurar a igualdade de condições de vida”, cuja concretização “só pode realizar-se por meio de políticas públicas ou programas de ação governamental”. E uma das políticas públicas mais eficientes para alcançar esse desiderato, como comprova a experiência dos países desenvolvidos, é precisamente a promoção do ensino público gratuito, da pré-escola à universidade.

O art. 206 da Carta Magna, como ressaltado acima, reveste-se de um caráter eminentemente principiológico, eis que enuncia os postulados que devem nortear o ensino no País. A propósito, convém recordar a sempre válida lição de Celso Antonio Bandeira de Mello segundo a qual princípio “é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. [12]

Exatamente por isso, ou seja, por configurar o núcleo axiológico do sistema de ensino brasileiro, é que todas as disposições normativas que integram a Seção I, do Capítulo III, do Título VIII, da Constituição devem ser interpretadas à luz daquele marco principiológico, inclusive e especialmente o que se contém no inc. V do art. 208.

Não se olvide, de resto, que a Lei Maior franqueia o ensino à iniciativa privada, mas sempre em caráter subsidiário ao sistema público, e mediante condições que explicita, mesmo porque a opção preferencial do legislador constituinte, ao consignar que a educação é um direito de todos, foi, claramente, pelo ensino oficial.

Dado o seu caráter supletivo, nada impede que o ensino privado seja estruturado como empreendimento econômico, e até busque o lucro no exercício dessa atividade, desde que cumpra as normas gerais da educação nacional e se submeta à autorização e avaliação de qualidade pelo poder público, nos termos do art. 209, I e II, da Constituição.


O que não se mostra factível, do ponto de vista constitucional, é que as universidades públicas, integralmente mantidas pelo Estado, criem obstáculos de natureza financeira para o acesso dos estudantes aos cursos que ministram, ainda que de pequena expressão econômica, a pretexto de subsidiar alunos carentes, como ocorre no caso dos autos.

Vale lembrar que, no julgamento da ADI 2.643-7/RN, o Ministro Joaquim Barbosa, ao longo dos debates orais, embora referindo-se à taxa de vestibular, objeto daquela ação, e não à taxa de matrícula, fulcro do presente recurso, bem identificou a transcendência dos valores em causa, pronunciando-se conforme segue:

“(…) exigências como a cobrança de taxa têm o efeito devastador de promover uma verdadeira triagem social, baseada na renda. E o que temos ao cabo de tudo isso? Um ensino público superior elitizado, acessível predominantemente, pelo menos nos cursos de maior prestígio, pelas classes sociais detentoras de maior poder aquisitivo, que ainda por cima não pagam um único centavo por esse ensino”.

Consciente dessa realidade, o legislador constituinte, inequivocamente, buscou criar instrumentos para superar a inaceitável desigualdade de acesso à educação por parte das camadas mais pobres da população, em especial ao ensino superior de qualidade, dentre os quais se destaca, por sua eficácia direta e imediata, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais.

Não se afigura razoável, ademais, que se cobre uma taxa de matrícula dos estudantes das universidades públicas, em especial das federais, visto que Constituição, no art. 212, determina à União, que aplique, anualmente, nunca menos de 18% da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

O art. 70, V, VI e VIII, da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, por sua vez, explicita que são consideradas “como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a (…) realização de atividades-meio; concessão de bolsas de estudos (…); aquisição de material didático-escolar e manutenção de transporte escolar” (grifei).

Como se vê, a Constituição e a Lei asseguraram às universidades públicas os recursos necessários para a consecução de seus fins, inclusive para o eventual amparo de estudantes necessitados, providência que a recorrente busca levar a efeito mediante a cobrança da taxa de matrícula aqui impugnada.

Ora, caso se admitisse como válida a tese da recorrente no sentido de que cumpre à sociedade compartilhar com o Estado os ônus do ensino ministrado em estabelecimentos oficiais e da manutenção de seus alunos, esta teria de contribuir duplamente para a subsistência desse serviço público essencial: uma vez por meio do recolhimento dos impostos e outra mediante o pagamento das taxas de matrícula.


Não se argumente, por outro lado, como fazem alguns, com a autonomia administrativa, financeira e patrimonial que a Carta Magna, no art. 207, assegura às universidades, ao lado da autonomia didático-científica. É que, como corretamente afirmou o Ministro Carlos Ayres Britto, no julgamento da já citada ADI 2.643-7/RN, “quando a Constituição fala de autonomia (…) é preciso distinguir entre autonomia para gerir seus próprios recursos, autonomia de gestão, e autonomia para defini-los”.

Entendo, por fim, ser desnecessário analisar-se a natureza jurídica da exação cobrada pela recorrente, se configura preço público ou taxa, no sentido de tributo, pois, seja qual for o seu caráter, ela cria óbice indevido ao princípio constitucional do ensino público gratuito nos estabelecimentos oficiais, sobretudo porque a matrícula, embora constitua ato meramente burocrático, consubstancia uma formalidade essencial para o ingresso dos estudantes na Universidade.

Isso posto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 500.171-7 GOIÁS

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S) : UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFGO

ADVOGADO(A/S) : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL

RECORRIDO(A/S) : MARCOS ALVES LOPES E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : FERNANDO AUGUSTO SENA RODRIGUES

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ESTABELECIMENTO OFICIAL. COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA. INADMISSIBILIDADE. EXAÇÃO JULGADA INCONSTITUCIONAL.

I – A cobrança de matrícula como requisito para que o estudante possa cursar universidade federal viola o art. 206, IV, da Constituição.

II – Embora configure ato burocrático, a matrícula constitui formalidade essencial para que o aluno tenha acesso à educação superior.

III – As disposições normativas que integram a Seção I, do Capítulo III, do Título VIII, da Carta Magna devem ser interpretadas à dos princípios explicitados no art. 205, que configuram o núcleo axiológico que norteia o sistema de ensino brasileiro.


[1] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 196.


[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: ELSEVIER,2004, p. 25.

[3] Cf. sobre o tema LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Formação da Doutrina dos Direitos Humanos. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 98, 2003.

[4] Op. cit., p. 87.

[5] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 785.

[6] Idem, loc. cit.

[7] Idem, loc. cit.

[8] Idem, loc. cit.

[9] MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 533.

[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 844.

[11] DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São Paulo, 1982, p. 28

[12] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 230.

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