Prerrogativas da advocacia

O que muda com a lei que restringe busca em escritórios

Autor

12 de agosto de 2008, 0h00

Antes

(redação primitiva)

Depois

(nova redação)

Art. 7º São direitos do advogado:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB;

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

Sem correspondente

§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Sem correspondente

§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.


O regime anterior

1. O texto anterior continha um reforço pleonástico para enfatizar o respeito que devia ser deferido à atividade advocatícia, representado pela expressão “em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional”. O novo texto eliminou esse reforço. O direito à inviolabilidade exprime-se de modo simples.

2. A inviolabilidade de que cuidava o dispositivo protetivo abrangia, consoante a dicção original, escritório ou local de trabalho do advogado, seus arquivos e dados, sua correspondência e suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins. Tratava-se de enunciado claro, preciso, que não dava lugar para tergiversações ou dúvidas, embora nunca haja sido respeitado pelos juízes das diversas instâncias do País, justamente os que são incumbidos de assegurar o respeito à lei, aprestaram-se em forjar interpretações intelectualmente desonestas para burlá-la no que concernia à proteção dessa prerrogativa dos advogados. Inúmeros são os casos a comprovar essa capitis deminutio.

Escritório é o local físico onde o advogado exerce sua atividade profissional. Entre as várias acepções do vocábulo, “escritório” é empregado no texto legal como casa em que os advogados, escrivães, tabeliães, comerciantes ou quaisquer oficiais públicos, recebem os seus clientes ou as pessoas que necessitam dos seus serviços, ou os procuram para alguma transação, de acordo com a definição haurida em diversos dicionários da língua portuguesa, com destaque para o Dicionário Caldas Aulete, Dicionário Aurélio e Dicionário Houaiss. Em reforço desse entendimento está a locução seguinte, que estende o direito à inviolabilidade ao local de trabalho do advogado. Isso significa duas coisas: primeiro, indica qual a acepção da palavra “escritório” utilizou o legislador; segunda, onde quer que o advogado exerça sua profissão, esse lugar goza da proteção de inviolabilidade.

3. Sendo inviolável o escritório ou o lugar onde o advogado exerce seu mister, pode parecer à primeira vista que estendê-la aos seus arquivos e dados, sua correspondência e suas comunicações, inclusive a telefônica e afim constitui redundância, a qual só se explicaria pelo anelo de conferir maior veemência à proteção legal, pois estando os arquivos e os dados no escritório ou no local de trabalho do advogado, já gozariam da proteção conferida a estes. Todavia, estamos que não é assim. Na verdade, a proteção de arquivos e dados preceituada com destaque assegura a inviolabilidade, por exemplo, da pasta do advogado, onde transporta consigo arquivos, fichas, papéis, dados relativos à causa que patrocina, ao cliente etc.

Outrossim, conquanto não conste expressamente do texto legal, essa proteção segue os arquivos e os dados onde quer que estejam, de modo que, se o advogado contratar serviço de guarda de arquivos e dados, inclusive os mais modernos, como a locação de memória virtual mantida por empresa que presta tais serviços, tudo em local diverso do escritório ou onde trabalhe o advogado, os arquivos e dados continuam protegidos sob o manto da inviolabilidade.

4. Já a proteção contra a violação de correspondência não passa de mera repetição, pois o sigilo da correspondência, não só do advogado, mas de todo e qualquer indivíduo goza de proteção absoluta, deferida no inc. XII, do art. 5º da Constituição Federal. Essa proteção, como tenho sustentado (vide artigo “Cartas Tecnológicas: a Constituição protege a correspondência, não o invólucro, publicado In: http://www.conjur.com.br/static/text/46047,1), estende-se a sua versão moderna: o correio eletrônico, vulgarmente referido pelo anglicismo “e-mail”, que outra coisa não é, senão uma carta eletrônica. Aliás, a expressão e-mail significa “eletronic mail”, cuja tradução ao pé da letra fornece “correio eletrônico”. Não pode haver nada mais eloqüente do que isso para fixar a compreensão de que se trata de genuína correspondência, e por essa razão deve gozar da mesma proteção com foros de absolutidade deferida pela Constituição Federal à correspondência.


Nada obstante, a inserção da palavra “correspondência” no texto legal pode ser fonte de antinomia, caso seja mal-interpretada, principalmente quando se socorre de argumentos intelectualmente desonestos para deixar de lado a interpretação sistemática a fim de vulnerar as garantias da advocacia. Tornarei a esse ponto mais adiante.

5. Não é apenas a comunicação telefônica do advogado no exercício da profissão que está protegida contra a devassa. Ainda de acordo com o texto anterior do inciso II do artigo 7º do EAOB, também a comunicação por meio afim à telefônica reveste-se da mesma couraça. Com essa providência — o emprego da palavra “afim” — o legislador insere no domínio da proteção todo tipo de comunicação equiparável à telefônica, não só os já existentes ao tempo da edição da lei como também aqueles ainda desconhecidos naquele momento e revelados pela tecnologia moderna posteriormente. Para ficarem sob o resguardo da proteção legal do sigilo, basta que sejam assimiláveis à comunicação telefônica.

6. O dispositivo é omisso quanto à comunicação por telegrama e por telex. O primeiro insere-se na mesma categoria da correspondência, segundo preceitua o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Goza da proteção de inviolabilidade por aplicação imediata da citada norma constitucional, conforme estabelece o § 1º do artigo 5º da Carta da República. O segundo, ou seja, o telex, por sua vez, é uma espécie de telegrama, por isso que a ele aplica-se tudo que for aplicável ao telegrama. Isso significa que está sob o mesmo regime jurídico, portanto, goza de proteção absoluta de inviolabilidade.

7. Neste passo, é escusado esclarecer que essa proteção constitucional visa à preservação do sigilo precípua e exclusivamente em face do Estado, representado por todos os seus entes e poderes, bem como de terceiros que não sejam os destinatários da correspondência ou do telegrama ou do telex.

8. O inciso II, conforme a redação primitiva, excepciona a regra protetiva com o seguinte enunciado na parte final: “salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB”.

Cumpre destacar que a ressalva harmoniza-se e deve ser lida sempre em conjunto com o disposto no § 2º do artigo 243 do Código de Processo Penal, segundo o qual “Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.”

Corpo de delito é expressão técnica utilizada no Direito Penal para identificar a evidência capaz de comprovar o fato criminoso imputável. Numa palavra, é a prova da existência ou da materialidade do crime. Nada diz, a não ser por puro acidente, sobre a autoria. Assim, o preceito contido no § 2º do artigo 243 do CPP conduz à ilação de que a apreensão de documentos em poder do defensor somente poderá ocorrer quando disser respeito à prova da materialidade, e jamais quando concernir à autoria, a menos que a prova desta seja imanente à do corpo de delito ou de elemento deste. Há uma razão lógica nisso: só tem sentido falar em autoria de um crime existente. O corpo de delito, portanto, constitui um “prius” em relação à própria investigação da autoria do crime. Primeiro deve-se ter a certeza da ocorrência deste para, só então, partir para a investigação do agente que o praticou. Se o documento em poder do defensor consistir de elemento do corpo de delito e, concomitantemente, de prova da autoria, a apreensão afigura-se, a meu aviso, legitimada pelo que dispõe o § 2º do artigo 243 do CPP, salvo melhor juízo.


A apreensão só pode ser feita por meio da busca. Esta estava expressamente autorizada em escritório de advogado pela parte final do inciso II do artigo 7º do EAOAB, desde que passada por ordem judicial. Assim, a busca em escritório ou local de trabalho de advogado não podia emanar de qualquer outra autoridade, mas somente de juiz. Nesse particular, a regra derrogou o inciso III do artigo 243 do CPP quando o local da busca fosse o escritório ou onde o advogado exerce sua profissão.

9. Requisito essencial para busca e apreensão em escritório ou local de trabalho, bem como para a quebra do sigilo de dados e das comunicações telefônicas do advogado é a ordem judicial. Esta, de acordo com o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal deve sempre conter a adequada fundamentação. Tão importante é a necessidade de o juiz apresentar os fundamentos da ordem de busca e apreensão que o artigo 243, inciso II, do CPP, preordena ainda que os motivos justificadores e os fins colimados pela medida sejam transcritos no corpo do mandado, visando com isso dar ao sujeito passivo plena ciência das bases ensejadoras da truculência contra ele ordenada, o que demonstra uma preocupação do legislador (já em 1941, pois o CPP é de 03/10/1941) em não permitir que a ordem possa ser imotivada ou determinada arbitrariamente.

Não obstante, as cortes do País nunca respeitaram essa disposição legal com a plenitude que deveriam. São freqüentes, se não comuns, os mandados de busca e apreensão orientados por uma motivação genérica, vaga, imprecisa e sem a reprodução dos motivos que a ensejaram, fato que apenas comprova o modo arbitrário com que os magistrados vêm aplicando a regra legal de longa data, desrespeitando sistematicamente a letra da lei. Aliás, neste passo, cumpre uma observação: é surpreendente como nenhum juiz aceita a imposição de limites para o exercício da atividade jurisdicional, mesmo que tais lindes sejam estabelecidos pela lei; e irritam-se, beirando a iracúndia, quando algum advogado os lembra de que também a atividade por eles exercida não está livre de peias, mas deve respeitar os limites impostos pelo ordenamento jurídico. Nenhum juiz pode tudo. E aquele que pensar diversamente não está vocacionado para o mister.

10. Torno agora ao ponto deixado em aberto linhas atrás. A leitura isolada do inciso II do artigo 7º do EAOAB, conforme a redação primitiva, induz o entendimento de que por ordem judicial tanto a correspondência quanto os dados e as comunicações telefônicas e afins poderiam ser devassados. Se fosse assim, o sigilo profissional seria mais fraco do que o sigilo deferido pela Constituição Federal a todo indivíduo, e isso constitui um absurdo, pois o sigilo profissional agrega-se ao sigilo ordinariamente conferido a todos, pois se trata de um sigilo qualificado pelo exercício da profissão, por isso que deve ser guarnecido de todos os predicados do sigilo ordinário mais um “plus” a reforçar a proteção.

Por essa razão, a exceção aberta na parte final do inciso II do artigo 7º do EAOAB devia ser lida sempre em conjunto, não só com o § 2º do artigo 243 do CPP, mas também com as disposições constitucionais atinentes à matéria, notadamente o inciso XII do artigo 5º da Constituição.

Isso significa que a correspondência do advogado, assim como a de todo indivíduo, e os telegramas e telex são absolutamente indevassáveis. Demais disso, não bastaria ordem judicial para a devassa das comunicações telefônicas e afins, porquanto a Constituição exige mais que isso para que se possa quebrar a salvaguarda ordinária nela prevista. Havia mister de lei disciplinadora, como reza a parte final do inciso XII do artigo 5º da Constituição. Essa lei veio a lume em 1996. É a atual e polêmica Lei 9.296, que além da ordem judicial elenca outros requisitos para a quebra de sigilo das comunicações telefônicas.


Destarte, a ordem judicial para a busca e apreensão em escritório de advogado, segundo o regime anterior, não podia ter por objeto as correspondência nem os telegramas ou telex do advogado. Tampouco podia ocorrer a quebra do seu sigilo de comunicações telefônicas ou do cliente quando em conversa com o advogado em consulta, para receber orientação deste quanto à defesa daquele. Somente quando houvesse razoáveis indícios de autoria delitiva por parte do advogado é que suas comunicações telefônicas poderiam ser devassadas.

Contudo, não era isso que vinha ocorrendo. O respeito aos preceitos legais fora simplesmente jogado no lixo por diversas autoridades judiciais, que sem nenhum pudor emitiam ordens de busca e apreensão ao arrepio de todas as disposições legais cujo destinatário é exclusivamente a autoridade judicial, como se estivessem esses juízes acima da lei.

O novo regime

11. A Lei 11.767, de 7 de agosto de 2008, alterou a redação do inciso II e acrescentou os parágrafos 6º e 7º ao artigo 7º do EAOAB.

12. Entre as alterações mais visíveis que se verificam na redação do inciso II está a supressão do pleonasmo reforçativo que mencionei linhas atrás, quando da análise desse mesmo dispositivo sob o regime anterior, e a da ressalva no final do dispositivo, que abria ao juiz a possibilidade de decretar a quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado, por meio de ordem, proferida no exercício da judicatura e fundamentada, conforme a prescrição constitucional.

13. Há outras, porém, que se me afiguram mais importantes. Além do escritório ou local de trabalho como um todo, a inviolabilidade assegurada aos advogados abrange também seus instrumentos de trabalho, como são seus computadores de mesa ou portáteis, suas agendas, inclusive eletrônicas, seus arquivos, os dados que armazena sob qualquer forma e tudo mais que lhe sirva de supedâneo ao exercício da profissão.

14. Quanto à correspondência, parece-me que andou mal o legislador, pois não poderia legislar preterindo o preceito constitucional que defere a todos uma proteção absoluta contra a devassa da correspondência e das comunicações por telegrama ou telex. Não importa a causa ou o motivo da correspondência, se destinada ao indivíduo cuja profissão é a advocacia ou ao advogado; tratando-se de correspondência, seja ela sob que forma for, escrita, eletrônica, ou qualquer outra, resta albergada pelo manto protetivo constitucional.

A tese segundo a qual, aberta a correspondência, perde ela a proteção para tornar-se um documento como outro qualquer não merece prosperar, pois incide em contradictio in terminis. O elaborador dessa tese esqueceu-se de fixar o domínio do que se chama “correspondência”. Como a lei não define o que seja correspondência para os efeitos legais, e como a lei se comunica em vernáculo para vincular a todos, colocando-nos sob seus mandamentos, o sentido semântico da palavra correspondência deve ser aquele de fácil apreensão pelo vulgo, qual seja, o sentido lexical. Nessa senda, a palavra “correspondência” significa a troca de cartas, bilhetes ou telegramas (cf. Dicionário Aurélio); intercâmbio de mensagens, cartas etc. entre pessoas, ou, conjunto de cartas, mensagens, telegramas etc. expedidas ou recebidas (cf. Dicionário Houaiss); troca de cartas ou telegramas entre duas pessoas, que estão em relação de amizade ou de negócios; o conjunto das cartas e telegramas que se recebem ou que se expedem; relações epistolares ou telegráficas com alguém; bilhete de correspondência (cf. Dicionário Caldas Aulete).


Correspondência, portanto, é o ato de comunicação remota, a troca de mensagens à distância entre duas ou mais pessoas por um meio que possibilite o envio e o recebimento de mensagens sem haver interação direta ou em tempo real dos sujeitos envolvidos, de modo que o tempo de emissão seja diverso do de recebimento e não ocorre na presença, física ou virtual dos agentes que se comunicam. A inviolabilidade é, portanto, do conteúdo, não do invólucro que o contém. Pensar que a proteção dirige-se somente ao envelope é abordar a questão com antolhos, com uma visão míope sobre o objeto de análise. Novamente, remeto o leitor ao artigo de minha autoria intitulado “Cartas Tecnológicas: a Constituição protege a correspondência, não o invólucro, publicado In: http://www.conjur.com.br/static/text/46047,1.

O erro do legislador infraconstitucional assenta em colocar a correspondência, qualquer que seja a forma como se manifesta, ao lado das comunicações telefônicas, sem distingui-las em categorias diferentes como faz a Constituição Federal, pois somente estas últimas podem ser objeto da quebra de sigilo.

15. De acordo com a interpretação que faço da lei, inserida no contexto maior do sistema jurídico brasileiro, o documento constitutivo de corpo de delito ou de elemento deste não está sob o abrigo da proteção constitucional, ainda que enviado ao advogado por meio de carta ou outra forma. A razão é simples: não se trata de correspondência propriamente dita. Correspondência, na acepção empregada pela Constituição Federal é o ato de comunicação remota entre duas ou mais pessoas. O que se protege é o conteúdo, a mensagem transmitida. Ora, um documento que represente a evidência de um fato criminoso não constitui mensagem entre o cliente e o advogado, mas simples remessa por via postal ou por núncio ou qualquer outra forma. Não é, nem pode ser, por essa razão, considerado como correspondência ou objeto de correspondência.

16. O erro do legislador nessa parte da alteração será fonte de muitos mal-entendidos e pode, caso a mens legis não seja bem apreendida, gerar arbitrariedades ainda mais pungentes do que aquelas que vinham sendo cometidas sob o regime anterior. Só o tempo dirá se estou certou ou não.

17. A inviolabilidade é a regra. Disso não pode haver dúvida. O § 6º, no entanto, excepciona-a para admitir a devassa, desde que a ordem emane de autoridade judiciária e seja motivada. Com efeito, o § 6º é expresso e reza que a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput do artigo 7º mediante em decisão motivada, desde que estejam presentes indícios de materialidade e autoria por parte do advogado.

Três conclusões refulgem hialinas: 1º) a ordem de quebra do sigilo profissional ou de busca e apreensão em escritório ou local de trabalho do advogado não pode emanar de autoridade policial, mas somente de autoridade judiciária; 2º) a validade da ordem está subordinada ao atendimento dos requisitos previstos no § 6º, quais sejam: a) deve haver indícios de materialidade e autoria por parte do advogado, o que significa que este deve estar formalmente indiciado como investigado; b) a decisão deve ser motivada; c) é de mister que a ordem de busca e apreensão seja específica, isto é, indique e individualize os objetos que são alvo da diligência, sendo defeso ao juiz expedir ordem genérica; d) o mandado deve obedecer ao disposto no artigo 243 do CPP; 3º) a lei não admite ordem judicial de busca e apreensão em escritório ou local de trabalho do advogado quando este não seja parte no crime investigado.


Destarte, a ordem de busca e apreensão não poderá jamais ser determinada por autoridade outra que não a judiciária. Trata-se de expresso comando legal. Desse modo, à autoridade policial é defeso mandar expedir ou praticar busca e apreensão desprovida de autorização judicial. O regime jurídico aí não sofreu alteração.

A decisão judicial que ordenar a busca e apreensão em escritório ou local de trabalho de advogado deverá ser sempre motivada. Essa motivação decorre do dever de o juiz fundamentar todas as suas decisões, consoante lhe preceitua o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. No caso sob comento é de mister que a motivação demonstre em que consistem os indícios de materialidade e autoria e como estão representados no processo em que é proferida. Não basta, como é vezo no Judiciário brasileiro, que o juiz apenas mencione ou afirme estarem presentes os indícios de materialidade e autoria, nem que faça referência às folhas dos autos onde tais indícios encontram-se descritos. Deve descrevê-los pormenorizadamente. A razão é simples: a motivação deve ser reproduzida no mandado para atender ao disposto no inciso II do artigo 243 do Código de Processo Penal, e serve ao propósito de demonstrar ao sujeito contra o qual a ordem foi expedida, id est, o advogado que terá seu sigilo profissional quebrado, as razões em que o magistrado justifica a ordem, apresentando o fato delitivo e sua capitulação legal; quais os indícios que fazem crer em sua ocorrência, bem como aqueles por que se acredita na possibilidade de a autoria ser do advogado investigado. A não ser assim, o mandado será nulo e a prova por ele obtida estará fulminada de ilicitude.

De outro giro, diversamente do que têm proclamado algumas vozes, surpreendentemente provindas de magistrados, membros do Ministério Público e das polícias, cumpre esclarecer que o texto legal não admite a medida de busca e apreensão para a coleta de prova contra o cliente do advogado, se este último não estiver sob investigação.

A razão deflui da interpretação sistemática, que conjuga a leitura do caput com o § 6º e o § 7º, do artigo 7º do EAOAB. De um lado, o caput estabelece a regra da inviolabilidade. De outro, o § 6º abre exceção a tal regramento na hipótese única de haver indícios de materialidade e autoria por parte do advogado no crime investigado. Isso implica a necessidade de o advogado estar formalmente sob investigação como partícipe, autor ou co-autor do crime. O mesmo § 6º veda a busca e apreensão de documentos, mídias e objetos em poder do advogado averiguado, mas que pertençam a seus clientes, bem como dos demais instrumentos de trabalho do causídico que contenham informações sobre seus clientes. Essa medida visa à preservação do sigilo profissional, objeto da lei: é essa a mens legis, e de acordo com o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, os fins sociais da norma não podem ser descurados no lavor de interpretá-la.

Essa couraça protetiva deferida ao sigilo profissional, que em última análise resguarda a confiança que permeia relação cliente-advogado, é afastada pelo § 7º, na hipótese nele elencada. Estabelece esse dispositivo legal que se o cliente estiver sendo formalmente investigado pelo mesmo crime por que é averiguado o advogado, aí sim, nessa hipótese, e somente nela, a medida de busca e apreensão poderá ser estendida para recolher no escritório do advogado os documentos, mídias e objetos pertencentes ao cliente, bem como os demais instrumentos de trabalho do advogado que contenham informações sobre o cliente investigado, e somente sobre ele.


Não vinga, pois, o argumento que, segundo alguns, a lei não vedou outras motivações para a busca e apreensão em escritório ou local de trabalho do advogado. Pensar assim é pensar por via oblíqua para tornar a alteração da lei letra morta, sem nenhuma eficácia, menoscabando a motivação mesma da inovação. Numa palavra, é revogar a lei e ignorar que sua interpretação deve ser levada a efeito de acordo com as prescrições do artigo 5º da LICC, bem como por meio de interpretação sistemática e lógica. Basta uma simples redução por absurdo para concluir que não pode haver outra interpretação, sob pena de ter de considerar que as palavras empregadas pelo legislador constituem um desperdício.

Qual a razão de ser da inviolabilidade? Resposta: exatamente a proteção da atividade advocatícia, cuja relação com o cliente afirma-se sobre as sapatas da fidúcia, sem a qual o cliente jamais confiaria ao causídico a guarda e o conhecimento de que podem até mesmo ser interpretados em seu desfavor. O só fato de o cliente estar sob investigação não autoriza a expedição de ordem de busca e apreensão em escritório ou local de trabalho do defensor, sob pena de restar aniquilada a regra do sigilo profissional e sua inviolabilidade. Noutras palavras, a ratio essendi do sigilo profissional e de sua inviolabilidade é a proteção contra devassa dos instrumentos de trabalho do advogado que contenham informações sobre seus clientes que estejam sob investigação, bem como de documentos, mídias, dados e outros objetos pertencentes a seus clientes e que lhe foram confiados por no âmbito da relação cliente-advogado. A lei somente admite, por coerência lógica, a quebra desse sigilo quando a atividade advocatícia é desempenhada para praticar o crime, o que torna o advogado partícipe ou autor ou co-autor. Fora dessa hipótese não há como superar o sigilo e sua inviolabilidade.

18. Tanto na decisão quanto no mandado deverá constar, ainda, especificada e pormenorizadamente, os objetos que são alvo da busca e apreensão, sendo defeso ao juiz determinar a medida sobre bens genericamente considerados, sob pena de a ordem não passar de pura arbitrariedade e por isso padecer do vício de nulidade.

19. Além dessas restrições, o mandado deverá ser cumprido na presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil. A ausência deste torna o ato nulo pelno jure.

20. Providência saudável e de importância capital, é a ressalva feita na parte final do § 6º. O alvo da medida são objetos que vinculem o advogado investigado na prática de crime para cuja materialidade e autoria do próprio advogado já haja indícios, pois sem estes a providência está vedada. Isso significa que não se pode, a pretexto de prova acidental, obtida na execução de busca e apreensão determinada contra o advogado, vulnerar seus clientes, salvo se se tratar de cliente que já esteja sendo formalmente investigado pelo mesmo fato (§ 7º).

Com isso resguarda-se o lavor e a função exercida pelo advogado. Mesmo que algum cliente seu tenha participado do fato criminoso, se ainda não está sendo formalmente investigado, isto é, se essa participação não é conhecida das autoridades, os documentos capazes de demonstrar seu envolvimento e que estejam em poder do advogado não poderão ser apreendidos nem utilizados contra ele. Somente depois de indiciado é que isso poderá ocorrer.

Tal proteção deve ser bem compreendida, pois não visa livrar o cliente da insurgência do Estado-acusador, mas resguardar o múnus público da atividade advocatícia, que funciona como promontório da defesa do indivíduo em face do Estado e, portanto, da sociedade, nas causas criminais. Assim, não se pode admitir que o Estado obtenha a prova que precisa para imputar a alguém a prática de um fato delitivo a partir do conhecimento obtido primacialmente com a violação das trincheiras da defesa. Ou já detém conhecimento da participação do cliente no mesmo fato que envolve o advogado, ou será como se nunca tivesse sabido de nada a respeito daquele.

21. À guisa de conclusão, a Lei 11.767 traz algumas mudanças importantes, algum avanço capaz de evitar ou minimizar as projeções funestas de um Estado policial que vinha sendo fomentado por algumas autoridades judiciais com o apoio de membros do Ministério Público e das próprias autoridades policiais. A lei põe um freio nisso e restabelece, ao menos assim se espera, a ordem das coisas. Mas pode também representar, sob alguns aspectos, um retrocesso, uma involução, mormente no que concerne à questão das correspondências, caso, como já disse algures, não seja interpretada com parcimônia e boa técnica.

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor do Departamento de Prerrogativas da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp) e mestre em Direito pela USP.

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