Operação Satiagraha

Estado policial pretende outorgar à PF o heroísmo de prender

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11 de agosto de 2008, 11h45

A prisão de Oscar Wilde resultou em obras-primas como “De profundis” e “A balada do cárcere de reading”. O encarceramento de Daniel Dantas, por sua vez, provavelmente não rendeu um único rabisco, o que não deixa de ser uma boa notícia, na medida que as letras não constam do rol de talentos do empresário.

Entretanto, resguardadas as devidas proporções, o breve episódio resultou em duas pequenas pérolas jurídicas, fundamentais ao Estado Democrático de Direito, escritas pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Claras e objetivas como deveriam ser todas as decisões judiciais, posicionando os direitos e garantias fundamentais à frente de qualquer julgamento prévio, elas corajosamente se contrapõem ao estado policial que atualmente vigora no Brasil.

Estado policial evidenciado nas 407 mil interceptações telefônicas concedidas pelo Judiciário em 2007 (cerca de 1.200 por dia) e na participação da Abin na investigação que resultou na prisão de Daniel Dantas. Estado policial que pretende outorgar à Polícia Federal o heroísmo de prender, e à Justiça a irresponsabilidade de soltar, quando, na verdade, a não ser nos casos de flagrante, as prisões e solturas são efetuadas com a autorização expressa do Judiciário.

É preciso “traduzir o juridiquês” e explicitar melhor o funcionamento da Justiça, para que não fiquemos reféns de informações equivocadas, que em última instância pretendem pressionar o Judiciário a julgar de acordo com a vontade popular.

Sugeriu-se, por exemplo, que as decisões do STF na prática teriam concedido um foro privilegiado a Daniel Dantas, ignorando precedentes do STF e os Habeas Corpus anteriores que haviam sido requeridos em favor do banqueiro perante o TRF e o STJ. Mencionou-se que a independência funcional do juiz De Sanctis teria sido violada pela segunda decisão do ministro Gilmar, sem atentar que diariamente os tribunais acolhem recursos e reformam decisões dos juízes de primeira instância, o que não implica desrespeito à independência dos magistrados, mas apenas em obediência à hierarquia e ao devido processo legal.

As manifestações pedindo o impeachment do presidente do STF, assim como as listas e os abaixo-assinados propagados por inúmeras entidades de classe demonstram que uma parte do Judiciário embarcou no Estado policial, abdicando do Estado judicial, certamente contaminados por uma rebeldia despropositada, típica de grêmio estudantil.

Querem levar a briga para a arena pública, na falta de melhores argumentos, em vez de travar o combate de idéias no próprio Judiciário.

As decisões do ministro Gilmar Mendes ensinam que Habeas Corpus não significa uma absolvição, destinando-se apenas a reparar uma prisão indevida naquele momento. Que eventuais crimes e criminosos devem ser investigados e julgados, sempre com a observância das garantias constitucionais, devidas a todos.

E que as prisões temporária e preventiva antecedem a própria condenação e só podem ser utilizadas em casos específicos e estritamente necessários.

Parafraseando Wilde, o ministro evidenciou que até mesmo as verdades podem ser demonstradas, ainda que raramente elas sejam puras, e nunca simples.

[Artigo publicado no jornal O Globo, desta segunda-feira, 11 de agosto]

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