Pressuposto objetivo

Caracterização do estado de falência de empresário devedor

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9 de agosto de 2008, 0h00

O estado falimentar do devedor é um pressuposto objetivo para a verificação da falência da sociedade empresária e do empresário individual, ou seja, para que haja a decretação da quebra do devedor se faz necessária a apuração de certos fatos e atos que dão ensejo e condicionam a qualidade falimentar do empresário.

A caracterização deste estado falimentar é objetiva, pois é a Lei 11.101/2005 que traz as configurações já predispostas. E é em razão desta presunção legal de quebra que o credor poderá pleitear a sentença de declaração da falência do devedor.

1. Insolvência

Desta forma, a insolvência do empresário é auferida juridicamente, ou seja, é uma presunção legal na qual em razão da impontualidade injustificada ou mesmo pela prática de atos considerados falimentares, que o devedor passa assinalar seu estado pré-falimentar.

Exatamente por isso, apenas interessa a insolvência jurídica do devedor empresário, sendo desta forma insignificante a apuração da insolvabilidade civil (fato), pois o legislador optou pelo pressuposto fático jurídico da quebra.

Para uma melhor visualização, cabe aqui traçar as diferenças da insolvência jurídica da insolvência civil (fato).

1.1 Insolvência Civil

A insolvência civil ainda conhecida como econômica, de fato e patrimonial é a condição sine qua non para que haja ação de insolvência civil disposta no Código de Processo Civil em seu artigo 748: “Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”. Nesse passo, a insolvência civil assenta-se na insuficiência patrimonial do devedor em saldar todas as suas dívidas, ainda que liquidado todo seu patrimônio. Em suma é a inferioridade do ativo em relação ao passivo do devedor.

1.2 Insolvência Jurídica

Já a insolvência jurídica não é demonstrada economicamente, visto que são as ocasiões e as condutas mencionadas no artigo 94 e seus incisos I, II e III da Lei 11.101/2005 que ensejam à condição de insolvabilidade do devedor empresário, dado a presunção de que a ocorrência destas situações geralmente é praticada por quem se encontra em insolvência.

2. Sistema de presunções legais

E é em função dá insolvência jurídica se apoiar num sistema de presunções legais, nota-se que em razão desta opção legislativa, mesmo que o devedor demonstre contabilmente que não esteja num estado de ruína econômica terá sua falência declarada. Por isso que é relativamente comum que ao final do processo falimentar tenha a existência de sobra de ativos, ou seja, as chamadas falências superavitárias. Porque a insolvência não é econômica, mas sim jurídica. Nesse mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho afirma:

“Para que o devedor empresário seja submetido à execução por falência, é rigorosamente indiferente a prova da inferioridade do ativo em relação ao passivo. Nem se faz necessário demonstrar o estado patrimonial de insolvabilidade do devedor, para que se instaure a execução concursal falimentar; nem, por outro lado, se livra da execução concursal o devedor empresário que lograr demonstrar eventual superioridade de seu ativo em relação ao seu passivo, ao contrário do que ocorre com o devedor civil (CPC, artigo 756, II).”1

A presunção da insolvência jurídica é autorizadora da falência do devedor empresário, e esta por sua vez apóia-se num sistema misto falimentar brasileiro. Visto que, há duas maneiras de se externar da intimidade da vida do empresário a presunção de insolvência jurídica autorizadora da quebra: pela Impontualidade injustificada (sem relevante razão de direito) e através dos atos ruinosos igualmente conhecidos como atos da falência.

A impontualidade injustificada é caracterizada nos termos dos incisos I e II do artigo 94 da Lei 11.101/2005. Já os atos ruinosos encontram respaldo legal nas alíneas do inciso III do artigo 94.

3. Impontualidade Injustificada

3.1 Impontualidade Injustificada do artigo 94, I

A impontualidade sem relevante razão de direito se mostra no momento em que o devedor empresário, não paga no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cambialmente, cujo valor supere a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência do empresário. Essa impontualidade, “por sua vez, exterioriza-se não pela mera cessação do pagamento, mas pelo protesto”2, ou seja, mesmo que haja uma sentença judicial, essa deve ser levada ao protesto cambial, para que assim atenda o requisito condicionante da lei de falências. Através da certidão do protesto que o credor fundamentará o pedido de falência do devedor. Não é admitido nenhum outro meio de prova a não ser o protesto cambial (Lei 9.492/97). Pois, no sistema jurídico brasileiro presume-se que as obrigações são quesíveis, ou seja, o credor deve levar o título a protesto para que se configure a mora do devedor, assim assinalando a impontualidade. Cabe ainda lembrar que a lei alvitra a possibilidade da reunião de vários credores para alcançar o valor legal, permitindo assim o litisconsórcio ativo (artigo 94, parágrafo 1º).

3.2 Impontualidade Injustificada do artigo 94, II

Já a segunda hipótese de impontualidade (artigo 94, II) é vislumbrada quando o devedor empresário é executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal. Nessa situação independi de valor e protesto cambial, uma vez que é pela citação válida do executado ou mesmo da sua intimação para o cumprimento, que se pauta a caracterização da impontualidade injustificada do devedor. Desta forma, o credor deve requerer ao juízo da execução individual uma certidão que ateste a frustração da execução, e assim podendo pleitear a uma nova execução coletiva (falência) do devedor. Com muita pertinência, Spinelli (in Machado, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei...) destaca:

“O Pedido de falência não se processa nos autos da execução, devendo o exeqüente providenciar perante o juízo da execução a extração de certidão atestando os fatos ocorridos no processo, bem como requerer a extinção do feito, o que habilitará a ingressar, no juízo competente, com o pedido de falência de seu devedor, tudo como previsto no parágrafo 4º, do artigo 94 da nova Lei, ‘in verbis’: ‘Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.’”3

4. Atos da falência

Quanto aos atos da falência (artigo 94, III) tem-se que são configurados quando certos comportamentos são praticados pelo devedor, salvo se esses fizerem parte de plano de recuperação judicial. Para Ricardo Negrão os “meios ruinosos são os que consistem na pratica de negócios arriscados ou sujeitos exclusivamente à sorte, bem como atos de liberalidade ou gastos excessivos e prodigalidade”4. A lei taxativamente dispõe várias condutas que se praticadas são presumidamente entendidas como atos de falência, conforme pode se ver:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

III — pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

5. Depósito Elisivo

Em relação ao depósito elisivo ou depósito impeditivo da falência, há de se mencionar que deve ser feito no prazo de contestação (10 dias). Assim, o devedor poderá depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios. Desta forma, não haverá a decretação da falência, entretanto é importante lembrar que tal depósito é apenas cabível nos termos dos incisos I e II do artigo 94 da Lei 11.101/2005. Uma vez que, somente nessas hipóteses em que há uma presunção relativa no que refere-se a presunção da insolvência jurídica do devedor.

Corroborando nessa linha, Fábio Ulhoa Coelho5 aponta que “a elisão pode acompanhar a defesa ou ser feita independentemente de resposta. No primeiro caso, tem nítido caráter de cautela (…), no segundo, equivale o depósito ao reconhecimento do pedido, em seu molde especifico do direito falimentar. Fato é que, uma vez efetuado o depósito, a decretação da falência está todo afastada.”.

No caso do inciso III (atos da falência) do artigo em comento, não há possibilidade do deposito elisivo, haja vista que a presunção de insolvência é absoluta. Não obstante, o devedor deverá pleitear sua defesa de forma a provar que não houve a condição autorizadora ou implementadora do pedido de falência alegada pelo credor.

Notas:

1. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 313-314.

2. ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 26.

3. MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.190.

4. NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e de falências: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 19.

5. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 269.

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