Erros de projeto

Sites dos tribunais de Justiça ainda não são eficientes

Autor

  • Felipe Santos

    é designer gráfico especialista em webdesign pela PUC-PR especializando em Design de Interação pela FISAM e designer do Portal Educacional da Positivo Infomática.

5 de agosto de 2008, 19h13

A internet hoje é uma realidade e aos poucos vai se tornando uma tecnologia invisível e universal. Cada vez mais ela deixa de ser uma ferramenta para ser parte do dia a dia das pessoas através de seus sites e serviços online. Neste artigo pretendo apresentar de maneira sintética alguns aspectos importantes em projetos web, mostrando alguns erros e acertos dos sites dos Tribunais de Justiça Estaduais.

1. A internet hoje no Brasil

De acordo com o site Internauta Brasil, hoje somos mais de 40 milhões de brasileiros conectados, o que representa um crescimento de cerca de 30% em apenas seis meses. Não é difícil imaginar a diversidade de pessoas que atualmente tem acesso à internet: usuários avançados, medianos e iniciantes; pessoas com necessidades especiais e de todos os níveis de escolaridade. E o que estas pessoas buscam na grande rede? Entretenimento, comunicação e, principalmente, informação.

A internet está se tornando a principal fonte de informação do mundo e diariamente milhares de novos sites são publicados e se tornam disponíveis a todos os internautas através de ferramentas de busca como o Google. A quantidade de informação é tão grande, e a qualidade tão discutível, que se torna cada vez mais difícil para o usuário encontrar nas buscas informações realmente relevantes e confiáveis.

Por outro lado, com nossas vidas cada vez mais corridas, não é mais possível perder tempo procurando uma informação relevante em um site confuso. John Maeda, designer gráfico e cientista do MIT, diz em seu livro As Leis da Simplicidade (2007) que as pessoas amam os designs que podem tornar suas vidas mais simples. Ou seja, o que mais se espera de um serviço on-line é que ele torne uma determinada tarefa mais simples.

Portanto, temos cada vez mais usuários com diferentes perfis que buscam informações relevantes de maneira rápida, simples e eficiente. É dentro deste contexto que qualquer site ou deve ser desenvolvido. Obviamente, portais de órgãos e serviços públicos devem ter esta idéia como principal objetivo, incluindo, aqui, o Poder Judiciário.

2. Relevância do conteúdo e confiabilidade

De acordo com uma pesquisa da empresa inglesa Netcraft, a internet atingiu em junho de 2008 a marca de 172.338.726 sites publicados. Em meio a este verdadeiro mar de informação, um dos maiores desafios para o usuário é encontrar o que realmente pretende e ter a certeza de que aquele conteúdo é confiável. Sites como os dos Tribunais de Justiça, que disponibilizam dados tão importantes como andamento de processos, jurisprudência e outros, devem garantir que estas informações estejam sempre corretas e facilmente encontradas.

Segundo os operadores jurídicos, quem acessa o site de um TJ procura: 1) acompanhar o andamento de um processo; 2) consultar jurisprudência; 3) informações sobre plantões e horários; 4) regimento interno.

Informações sobre concursos também são muito procuradas por pessoas interessadas em ingressar no funcionalismo público. Valores de custas processuais é outro conteúdo que merece ter o acesso facilitado. O site do TJ-CE, por exemplo, disponibiliza o link Custas processuais em sua página principal.

Em nossa sociedade ocidental, estamos acostumados a ler a páginas da esquerda para a direita e de cima para baixo. Transferindo isto para os sites, as informações mais destacadas estarão sempre no topo e na coluna da esquerda da página. É por este motivo que a identificação de um site está sempre no canto superior esquerdo e os menus (lista de links para as diversas seções de um site) em uma barra horizontal no topo, ou em uma barra vertical do lado esquerdo.

O ideal, então, é que as informações mais relevantes para o usuário estejam logo abaixo do topo das páginas principais dos sites e que, pelo menos, sejam visíveis sem que o usuário precise usar a barra de rolagem do navegador.

Entretanto, muitos dos sites acabam priorizando notícias que pouco interessam ao público em geral. Por exemplo, o site do TJ-AP, que é muito bom em informações, destina uma área destacada para imagens meramente ilustrativas cujos links apenas recarregam a página e não direcionam para alguma matéria importante. Não está adequado.

Destacar informações relevantes é algo importantíssimo, mas não se pode esquecer de garantir que elas sejam confiáveis. Quando um advogado consulta o andamento de processo através da internet, faz isso para ganhar tempo e poder adiantar seus próximos passos. No entanto, nem todos os sites disponibilizam despachos completos e com todas as informações necessárias.

Em alguns sistemas, como no do TJ-RJ, a disponibilização dos despachos ocorre em tempo real, mesmo que ainda não tenha sido publicado no Diário Oficial. Posteriormente, o próprio sistema informa assim que o despacho é publicado oficialmente. Para os advogados isso é um ganho de tempo. Em outros Tribunais, no entanto, não se informa a data da publicação, o que pode confundir o advogado com relação aos prazos, com evidente prejuízo.


Um detalhe que não é padrão e é de extrema importância é a disponibilização da íntegra dos despachos, sentenças e acórdãos. É importante frisar que esta questão possui muito mais relação com o treinamento das pessoas que incluem as informações no banco de dados do que com o sistema em si.

3. Interface e navegabilidade

Estes dois conceitos se completam e são importantíssimos para tornar a experiência de navegação em um site mais simples e agradável. A interface é o meio pelo qual acontece a interação. Já a navegabilidade está ligada ao formato de hipertexto (texto em formato digital) e hiperlink (ou simplesmente link, referência que leva de um documento hipertexto a outro) da internet e determina a facilidade com que se navega dentro de um site, indo de um link ao outro.

Dentre as principais qualidades da interface estão a estética e a usabilidade. A estética é a forma, a aparência, é o que causa a primeira impressão — através da cor, contraste, tipografia — irá guiar os olhos do usuário ao dar mais ou menos importância a cada uma das informações disponíveis na tela. A usabilidade, por sua vez, está relacionada à capacidade de um sistema em permitir que o usuário alcance seus objetivos de interação. Ela pode ser medida de acordo com a facilidade de aprendizado, memorização e taxa de erros na realização de determinadas tarefas.

Um problema de usabilidade que observo nos sites dos TJs é que justamente o serviço mais acessado tem um funcionamento totalmente diferente em cada um deles. A consulta processual em alguns casos é simples e rápida (por exemplo: TJ-CE), enquanto em outros sites exige uma quantidade enorme de passos e cliques para se alcançar o resultado ( TJ-SP). Como é comum que advogados tenham processos em diferentes estados, isso significa que deverão aprender a fazer um tipo de consulta a cada vez que assumirem um processo em um TJ diferente. O ideal seria que este serviço seguisse um padrão de funcionamento em todos os sites.

Esteticamente, com raras exceções, os TJs não possuem sites bonitos e muitos são visualmente confusos. Recursos de imagens, cores e tipografia devem ser usados com o objetivo de tornar a interface mais amigável e intuitiva para o usuário. Por exemplo, o novo site do TJ-AC causa uma impressão agradável a quem o consulta. A organização visual das informações é de suma importância para que o visitante encontre aquilo que deseja com maior facilidade. Como não há espaço para comentar os problemas de cada site no presente trabalho, cito algumas sugestões baseadas em equívocos básicos observados:

— A identificação dos sites (marca, nome do Tribunal) deve estar, preferencialmente, no canto superior esquerdo.

— Muito cuidado ao usar textos com imagens e cores de fundo, pois isso pode prejudicar a legibilidade. No site do TJ-PR, por exemplo, títulos e links da página principal estão em uma cor muito próxima a do fundo, o que dificulta a leitura. Em alguns casos, pode causar inclusive um problema de acessibilidade, tema que será discutido mais a frente, para usuários com daltonismo.

— O uso de textos e imagens piscando deve ser evitado ao máximo. Isto apenas tira a atenção do visitante.

— Todas as páginas internas devem ter sua identificação própria, mas é importantíssimo que sigam o mesmo padrão cromático e possuam elementos que ajudem o visitante saber que continua a navegar no mesmo site.

— Páginas com muita informação, como as páginas principais e de andamento de processo, devem utilizar tipografia, cores e contraste para criar hierarquia e agrupar informações que estejam relacionadas. Vale lembrar que cor e tipografia devem ser usadas objetivamente.

Outra questão para uma boa usabilidade é a navegabilidade do site. Conseguir encontrar em poucos cliques o que se busca e voltar facilmente ao ponto inicial é imprescindível para uma boa experiência de navegação. Isso envolve uma boa arquitetura de informação e taxonomia para classificar os conteúdos. Como exemplo, uma dificuldade encontrada em alguns sites foi encontrar relatórios de prestação de contas, tendo em vista que cada TJ utiliza sua própria nomenclatura para esta informação, classificando-a de maneira diferente. É possível notar esta disparidade observando os mapas dos sites.

Outro problema grave notado foi que alguns links se abrem em novas janelas sem qualquer necessidade. Este é um erro clássico de navegação, pois confunde o usuário que muitas vezes não consegue voltar para seu ponto de partida.

Por outro lado, existem alguns exemplos a serem seguidos, como um recurso do serviço de consulta de processo do site do TJ-RJ. Quando se pesquisa por um processo da 1ª instância, é possível a obtenção de informações de eventuais recursos na 2ª instância. Nem todos os tribunais disponibilizam estes links que facilitam bastante a consulta.


4. Acesso a portadores de necessidades especiais

Acessibilidade é a capacidade de um site ter seu conteúdo acessível em diferentes navegadores, equipamentos, conexões, mas, principalmente, por pessoas que têm algum tipo de limitação física ou cognitiva. Como exemplo, usuários cegos ou com problemas motores navegam na internet utilizando apenas o teclado e programas leitores de tela. O vídeo produzido pelo grupo Acesso Digital demonstra algumas das dificuldades indicadas neste artigo — Clique para ver.

Em tempos de inclusão digital, este é talvez um dos aspectos mais relevantes de qualquer aplicação web. Um site bonito e de fácil utilização para a maioria dos usuários pode ser um desastre para pessoas com necessidades especiais. Aliás, a construção de sites acessíveis é uma exigência do Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que torna obrigatória a acessibilidade nos portais e sites da Administração Pública. Para tanto foi criado o e-MAG (Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico), uma boa referência de aplicações deste conceito.

Cada vez mais pessoas com necessidades especiais estarão buscando informações em portais da internet. Não deve ser raro que os sites dos Tribunais de Justiça sejam acessados por usuários com limitações de navegação, mesmo assim a questão da acessibilidade é muitas vezes esquecida quando sites institucionais são projetados, até por ser uma questão relativamente nova na internet.

Navegando nos sites dos TJs, pude perceber que poucos já estão adaptados. Como exemplo positivo, destaco o do TJ-RS. Além de seguir os parâmetros básicos, como textos alternativos para as imagens e links, também tem uma série de recursos que ajudam pessoas que utilizam somente o teclado para navegar, como teclas de atalho para as páginas mais acessadas, ou relevantes, do site.

Uma questão recorrente percebida é a inclusão de um código de acesso às consultas em formato de imagem. Para conseguir fazer uma consulta de andamento de processo, por exemplo, o usuário deve digitar em um campo as letras que aparecem embaralhadas em uma imagem ( veja o exemplo). Este recurso serve para confirmar que quem está acessando o serviço é uma pessoa e não algum software automático. No entanto, como foi mostrado no vídeo acima referido, usuários cegos também acabam sendo barrados. Mais uma vez o TJ-RS se destaca por disponibilizar também a versão em áudio do código ( veja o exemplo). Ainda assim, o TJ-RS peca ao utilizar em seu site sub-menus (opções de links adicionais relacionados à um determinado item do menu principal) que não estão acessíveis ao se navegar usando o teclado. Esta é uma prática comum em vários sites dos TJs como forma de agrupar páginas equivalentes mas que se não for bem executada causa problemas de acessibilidade. Nesse aspecto, destaco como positivos os sites dos TJ’s de São Paulo e do Amazonas, que também utilizam este tipo de menu, mas que possuem recursos para que funcione para quem usa o teclado.

5. Em outros países

A título de comparação, visitei alguns sites de Tribunais de países latino-americanos, europeus e norte-americanos. Levando-se em conta que o Brasil é hoje um dos líderes mundiais em número de internautas, não me surpreendeu notar que, apesar de todos os problemas, os sites de nossos Tribunais de Justiça estão em um nível igual ou superior ao de outros países.

Mesmo assim, ainda que também pequem em alguns aspectos, vale à pena visitar o site da Corte Suprema da Argentina simples e muito bonito, e, principalmente, o do Poder Judicial de la República de Chile, bastante organizado, acessível e de muito bom gosto.

Aos que desejam maiores informações na área internacional, recomenda-se que consultem os sites do State of New York Court of Appeals dos EUA, da Corte Suprema di Cassazione da Itália e do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

6. Conclusão

Disponibilizar serviços na internet não quer dizer simplesmente criar bancos de dados e jogar as informações online. É necessário fazê-lo de maneira responsável e organizada, de forma que todas as pessoas interessadas possam realmente utilizar este serviço e encontrar as informações buscadas. Esta é, também, uma forma de acesso e de eficiência da Justiça.

A meu ver, a maior parte dos sites dos Tribunais de Justiça Estaduais tem muito a melhorar. Ainda assim, é possível dizer que estamos em uma boa situação se comparar-se ao que é feito em outros países. Como designer de projetos interativos, não conheço os meandros administrativos envolvidos na elaboração dos sistemas, mas fica a sugestão de que sejam criados padrões para todos os sites do Poder Judiciário a fim de torná-los mais eficientes para quem realmente interessa: seus usuários.

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    é designer gráfico, especialista em webdesign pela PUC-PR, especializando em Design de Interação pela FISAM e designer do Portal Educacional da Positivo Infomática.

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