CPI dos grampos

Leia liminar de Peluso que delimitou poderes de CPIs

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5 de agosto de 2008, 21h08

“As Comissões Parlamentares de Inquérito carecem de poder jurídico para revogar, cassar, compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e constitucionalmente imposto a processo judiciário.” O entendimento é do ministro Cezar Peluso, que impediu que as operadoras de telefonia fossem obrigadas a repassar à CPI das Escutas cópias de todas as decisões judiciais que determinaram interceptações telefônicas em 2007.

O ministro lembrou que as CPIs compartilham com os juízes os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Mas apenas isso. Elas não têm poder sobre as decisões judiciais, como as que decretam sigilo em processos. “Trata-se de competência privativa do Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional, onde o Judiciário tem, não apenas a primeira, mas também a última palavra.”

Para o advogado das operadoras, David Rechulski, a liminar mostra que as empresas jamais quiseram ocultar dados da CPI. O objetivo do pedido de Mandado de Segurança foi o de se pautar “pela cautela e pela legalidade, já que os mandados de interceptação telefônica são originados de processo que tramitam ou tramitaram sob segredo de Justiça”.

Dezessete empresas de telefonia ajuizaram o pedido no Supremo para que não fossem, futuramente, responsabilizadas por abrir informações sigilosas. Como não há previsão de prazo máximo para que o investigado possa ter suas comunicações monitoradas — o prazo de 15 dias definido em lei pode ser prorrogado indefinidamente —, as decisões de 2007 podem identificar pessoas que ainda têm seus telefones grampeados por determinação judicial.

Na semana passada, o ministro Peluso também garantiu ao perito em fonética forense Ricardo Molina o direito de não fornecer à CPI documentos cobertos pelo sigilo profissional.

No caso das operadoras, o risco de responder por quebra de sigilo se enviassem os dados à CPI era grande. Afinal, as 409 mil ordens de interceptação foram dadas por juízes criminais do país inteiro. Os juízes poderiam entender que o envio de dados para a CPI de um processo em que eles decretaram segredo de Justiça é uma violação ao sigilo.

Leia a decisão

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.483-2 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

IMPETRANTE(S): TIM CELULAR S/A E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS CLANDESTINAS

DECISÃO: 1. Trata-se mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Tim Celular S/A e outras operadoras de telefonia fixa e móvel, todas nomeadas e qualificadas à inicial, contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar Escutas Telefônicas Clandestinas, Deputado Federal MARCELO ITAGIBA, que lhes determinou remessa de informações cobertas por sigilo judicial.

Alegam as impetrantes que ofício subscrito pelo Presidente da CPI requer lhe sejam transferidos, até 3 de agosto corrente, em meio magnético, os sigilos referentes ao conteúdo de todos os mandados judiciais de interceptação telefônica, cumpridos no ano de 2007.

Sustentam que o atendimento ao ofício revela clara colisão entre dois interesses públicos de alta relevância, quais sejam, o de mais bem investigar e apurar irregularidades (a) e o de preservar o segredo de justiça que recai sobre os mandados judiciais e sobre todos os processos em que foram essas ordens emitidas, reserva que tem por fim último a defesa da garantia constitucional da intimidade de todas as pessoas envolvidas (b).

Requerem lhes seja concedida liminar, para que possam recusar-se a prestar tais informações, sem que o ato, em relação a seus presentantes e diretores, configure crime de desobediência, ou violação dos segredos de justiça. No mérito, pedem a confirmação da liminar.

2. É caso de liminar.

É entendimento firme e aturado desta Corte, e unânime da doutrina, que, nos termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as Comissões Parlamentares de Inquérito têm todos os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, mas apenas esses, e nenhum além desses. Estão, portanto, submissas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes de qualquer grau, no desempenho de idênticas funções (MS nº 23.595, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática, DJ de 1º.02.2000; MS nº 25.908, Rel. Min. EROS GRAU, decisão monocrática, DJ de 31.03.2006; HC nº 86.232-MC, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 01.08.2005; HC nº 79.244, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.2000; HC nº 87.971-MC, rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 21.02.2006; HC nº 71.039, Rel. Min. PAULO BROSSARD, DJ de 06.12.1996; HC nº 86.849-MC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 13.10.2005; HC nº 95.279, decisão liminar, Min. CEZAR PELUSO, j. 25.07.2008; Na doutrina, cf. RAUL MACHADO HORTA, “Limitações constitucionais dos poderes de investigação”, in RDP 5/38; JOÃO DE OLIVEIRA FILHO, “Inquéritos Parlamentares”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 2/73; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, Ed. Saraiva, 1992, vol. 2/72, apud voto do Min. CELSO DE MELLO, no HC nº 71.039-RJ; UADI LAMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito – Técnica e Prática”, Saraiva, 2001, p. 200-208; OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, Millennium Ed., 2001, p. 41-49, nº 46-48; JESSÉ CLAUDIO FRANCO DE ALENCAR, “Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil”,RJ, Ed, Renovar, 2005, p. 75-86).

Daí vem, em linha reta, que, sob esse ponto de vista, o qual é o da qualidade e extensão dos poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito, estas se situam no mesmo plano teórico dos juízes, sobre os quais, no exercício da jurisdição, que lhes não é compartilha às Comissões, nesse aspecto, pela Constituição da República, não têm elas poder algum, até por força do princípio da separação dos poderes. Tampouco têm, por não menos direta conseqüência, poder sobre as decisões, jurisdicionais, proferidas nos processos, entre as quais relevam, para o caso, as que decretam o chamado segredo de justiça, previsto como exceção à regra de publicidade, a contrario sensu, no art. 5º, inc. LX, da Constituição Federal. Dito de maneira menos congestionada, as Comissões Parlamentares de Inquérito carecem, ex autoritate propria, de poder jurídico para revogar, cassar, compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e constitucionalmente imposto a processo judiciário. Trata-se de competência privativa do Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional, onde o Judiciário tem, não apenas a primeira, mas também a última palavra.

É coisa intuitiva:

“não há como entender que a locução poderes de investigação próprios das autoridades judiciais permita ao Legislativo invadir competência privativas do Judiciário, isto é, funções típicas deste, senão admitindo-se o desrespeito a princípios basilares da República Federativa do Brasil, quais sejam: sua Constituição como Estado Democrático de Direito e a independência dos Poderes. Ora, os princípios e direitos fundamentais não podem, nem devem, ceder ante caprichos ou mesmo necessidades de um trabalho investigativo” (JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito – Poderes e Limites de Atuação”, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Ed., 2004, p. 158-159).

É intuitiva a razão última de a Constituição da República nem a lei haverem conferido às Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício de suas relevantíssimas funções, poder de interferir na questão do sigilo dos processos jurisdicionais, porque se trata de medida excepcional, tendente a resguardar a intimidade das pessoas que lhe são submissas, enquanto garantia constitucional explícita (art. 5º, inc. X), cuja observância é deixada à estima exclusiva do Poder Judiciário, a qual é exercitável apenas pelos órgãos jurisdicionais competentes para as respectivas causas – o que implica que nem outros órgãos jurisdicionais podem quebrar esse sigilo, não o podendo, a fortiori, as CPIs. E é essa também a razão óbvia por que não pode violar tal sigilo nenhuma das pessoas que, ex vi legis, lhe tenham acesso ao objeto, assim porque intervieram nos processos, como porque doutro modo estejam, a título de destinatários de ordem judicial, sujeitas ao mesmo dever jurídico de reserva.

Ora, aplicadas essas breves noções ao caso, aparenta, para efeito deste juízo prévio, sumário e provisório, razoabilidade jurídica (fumus boni iuris) a pretensão das impetrantes de se guardarem da pecha de ato ilícito criminoso, não apenas à vista do art. 325 do Código Penal, mas, sobretudo, perante o art. 10, cc. art. 1º, da Lei federal nº 9.296, de 1996, que tipifica como crime a quebra de segredo de justiça, sem autorização judicial, ou, ainda, por deixarem de atender ao que se caracterizaria como requisição da Comissão Parlamentar de Inquérito. É a figura clássica do dilema.

Escusa notar, porque é apodítico, que, se as impetrantes, segundo os termos do ofício, “transferissem” à Comissão, sem ordem judicial, o sigilo que recobre o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação, com cópia das respectivas ordens, devassariam ipso facto a intimidade das pessoas partícipes das causas, sobre insultarem, em princípio, a obrigação legal de sigilo que lhes pesa.

E há risco de dano grave (periculum in mora), porque nesta data se esgota o prazo outorgado, sob cominação implícita, no ato que impugnam as impetrantes, a cujo descumprimento pode corresponder medida imediata e suscetível de lhes acarretar constrangimento à liberdade. Não, porém, aos trabalhos da Comissão e, pois, nem à autoridade, porque eventual mau sucesso das impetrantes no julgamento definitivo deste pedido de segurança não provocará prejuízo algum à consecução dos altos propósitos que decerto inspiraram a deliberação da CPI.

3. Do exposto, concedo a liminar, autorizando, até decisão contrária nesta causa, as impetrantes a não encaminharem à Comissão Parlamentar de Inquérito o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no ano de 2007 e protegidos por segredo de justiça, exceto se os correspondentes sigilos forem quebrados prévia e legalmente.

Comunique-se, com urgência, por ofício e fac-símile, o inteiro teor desta decisão à autoridade apontada como coatora, solicitando-lhe, ainda, que preste informações.

Publique-se. Int.

Brasília, 4 de agosto de 2008.

Ministro CEZAR PELUSO

Relator

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