Desigualdade legal

Estatuto da Igualdade Racial institucionaliza discriminação

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4 de agosto de 2008, 20h45

O Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial, que tramita na Câmara dos Deputados, tem no título uma inverdade, se comparado com o conteúdo. Confunde o idealismo, o humanismo, o respeito, que se deve cultuar, propagar e estabelecer nas relações entre os humanos, concedendo distinções a uma parte da sociedade em detrimento de outras. Demonstra a boa intenção, angariando a simpatia e a adesão pelo rótulo, uma forma simplista de conquista da aprovação consensual, mascarando propósitos excludentes de outros segmentos e abjurando origens étnicas que ditam o DNA do povo brasileiro. Quem for contra a igualdade racial, falseada evidentemente nesse projeto de lei, é execrado.

Imaginem um parlamentar se declarando contra o Estatuto da Igualdade Racial. O critério, o método, como é exposto é estarrecedor, pois não é universalista, não é democrático e não é republicano.

Analisemos alguns aspectos do Substitutivo ao Projeto de Lei 6.264, de 2005. O artigo 1º da lei, que se propõe ser da Igualdade Racial, define de pronto a garantia de direitos destinados somente à população negra contrariando os ditames constitucionais, e prega o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnico-racial, regras tradicionais e já contempladas na Constituição em vigor.

O parágrafo 1º do artigo supracitado através o inciso IV conceitua população negra o conjunto de pessoas que se auto-declaram pretas e pardas, conforme o quesito cor e raça, criando uma bipolaridade étnica; se é negro ou branco, renegando uma ascendência materna ou paterna do europeu ou do silvícola.

Como classificar tamanha rejeição? Ora, se um pai, português que no passado gerou um filho brasileiro com mãe negra ou indígena, devesse ser expurgado da memória, do coração, das fotos, como exemplo de complexo edipiano, agora de forma legal e legitimada.

As pesquisas feitas em busca dos sinais que identificam e espelham a forte miscigenação ao longo dos mais de quinhentos anos, inicialmente do branco europeu com a habitante primitiva da terra e depois com as negras africanas. A ciência demonstra que a cor da pele é o que menos prova a realidade, ao passo que o DNA permitiu se estabelecer o perfil genético da pessoa e o que mais importante, encontrar meios de combate às doenças típicas de cada origem.

“Retrato do Brasil” foi um dos temas do 46º Congresso Nacional de Genética, em Águas de Lindóia, São Paulo, com destaque aos trabalhos de Francisco Salzano, da UFRS, sobre o índio, Sérgio Danilo Pena, da UFMG, sobre o branco, e de Marco Antônio Zago, da UFSP, sobre o negro. Segundo pesquisas, 45 milhões de brasileiros têm herança genética de índios e praticamente não há mais negros sem miscigenação no Brasil. Também rejeitam a expressão raças, optando pela etnia, retratando populações com suas características físicas e culturais.

O artigo 3º adota como diretriz político-jurídica a reparação, compensação e inclusão das vítimas da desigualdade racial e ainda com isso apregoa o fortalecimento da identidade nacional brasileira Reparação de quê? Da escravidão dos antepassados? Quem paga essa reparação? Será uma condenação sem tramitar pelos tribunais, como já acontece com a bolsa ditadura, transferida aos descendentes.

Escravo era o integrante da nação, povo, tribo vencido nas refregas. Não ocorreu só com os negros africanos. Tribos de negros aprisionaram outros negros e os venderam aos brancos europeus que os trouxeram para as Américas. Ou vamos nós brasileiros miscigenados recorrer aos tribunais internacionais solicitando o pagamento de indenização aos descendentes das tribos africanas que venceram e venderam nossos antepassados, migrantes forçados, acorrentados, sofridos, escravos?

Os povos na antiguidade, como citado na Bíblia, entendiam a escravidão como submissão involuntária ao patrão, os castigos severos aos maus escravos eram admissíveis, ainda que nos escandalizem. Ação legal na época, considerada uma evolução, pois aos vencidos só restava a morte. Os hebreus foram escravos do Egito, e também tiveram escravos. Compravam-se escravos de nação vizinha. Crianças eram imoladas aos deuses e os sacrifícios humanos eram aceitos. Hoje, nem de animais se admite.

Esse poder absoluto por vezes é exercido hoje de forma ilegal e malvada, como execrável exceção, por insanos pais e mães contra os filhos, por vezes acorrentados, com queimaduras, fraturas, ou por ambiciosos empregadores que exploram o trabalho escravo, mas sem olhar para a cor da pele.

Vejam que o parágrafo único do artigo 4º menciona “políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais derivadas da escravidão e demais práticas discriminatórias”.

Uma verdadeira extensão da pena sem processo e julgamento. Quem cometeu o delito de escravizar, hoje considerado, mas não no passado? Não havia uma lei que o capitulasse como crime. Mas, se por extremo, se pretender estabelecer uma reparação por danos sofridos, somos os descendentes dos réus, agora definidos como tal, e das vítimas. Só pela cor da pele não se pode assegurar quem estará numa ou outra parte da lide.


O artigo 6º cria um privilégio à parte do restante quando afirma, “O direito à saúde da população negra será garantido pelo Estado” ao que completa o parágrafo 1º, “O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde — SUS para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distrital e municipais, da administração direta e indireta.” Será que querem criar uma fila para os negros e outra para os brancos? Não recriem os ônibus dos EUA, na década de 60, com divisões para uns e outros.

Com fila única, o sistema mantido pelo governo é uma lástima e não é corrigido para todos, indistintamente, que deveria ser a preocupação do senador autor da lei e dos demais que a aprovaram, até onde chegou, lastimavelmente.

O parágrafo 2º contém uma regra desnecessária: “O Estado garantirá que o segmento da população negra vinculada aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação.” Será que algum plano distingue a cor do dinheiro que recebe?

O inciso I do artigo 7º é isto: “inclusão do conceito de racismo como determinante social da saúde;” Se o paciente que morre na fila for negro, os profissionais de saúde, negros ou não, podem ser acusados de dois crimes. O inciso III, “produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra;” E os outros?

Vejam o grau de segregação expresso no artigo 9º: As três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde pactuarão a implementação do Plano Operativo Quadrienal da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

O artigo 10. O Plano Operativo deverá contemplar prioridades sanitárias para melhorar a curto, médio e longo prazo a situação de saúde da população negra, de modo a garantir a redução da mortalidade materna entre as mulheres negras e a redução de mortalidade infantil, de adolescentes, jovens e de adultos negros.

Mudam uma lei para criar distinções: Artigo 13. O parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.516, de 11 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: “Artigo 1º § 3º Será dada especial relevância à prevenção e controle do câncer ginecológico e de mama e às doenças prevalentes na população feminina negra.”.

Imposições na área do ensino: “Artigo 16. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, § 1º Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando a sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País.”

Vai mais longe a vocação totalitária: “§ 3º Nas datas comemorativas de caráter cívico, as instituições de ensino convidarão intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.”

O inciso V do artigo 18 reza que a União incentivará as instituições de ensino superior, públicas e privadas, a incluir alunos negros nos seus programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Pelos artigos 21 e 23, as instituições públicas federais reservarão, em cada concurso para graduação, no mínimo, cinqüenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham feito o curso médio em escolas públicas, por auto-declarados negros, em proporção no mínimo igual à de pretos e pardos na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição.

Repete a CF/88 pelo artigo 35 quanto à liberdade de crença e reforça no artigo seguinte em outros aspectos no que concerne “às religiões de matriz africana”.

Trata do direito à propriedade das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme artigo 68 do ADCT da CF-88, e simplifica os procedimentos quanto à delimitação, desintrusão e titulação, atribuindo tais encargos ao Incra, em atenção a requerimento e pedido verbal (Artigo 40 ao 59), semelhante ao previsto para os silvícolas.

O artigo 60 inspira um cuidado extra : “O artigo 2º da Lei n.º 4.132, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso: “Artigo2º IX – as terras de caráter étnico, reconhecidas aos remanescentes das comunidades dos quilombos para fins de titulação de que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.”

Do artigo 62 ao 72, os destaques se referem às “ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação ou incentivo à implementação de cotas para acesso a cargos e empregos na administração pública e nas empresas e organizações privadas.”, “programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho.”, “financiamento para a constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.”.


Desses, se faz necessário citar o artigo 65, que disciplinando a implementação de medidas na Administração Pública Federal para assegurar oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, impõe absurdos exclusivistas e intrometidos no gerenciamento das empresas privadas, pois para se habilitarem no processo licitatório, nacional ou internacional, para contratação de obras, serviços, compras e alienações pelo setor público, exigir-se-á a adoção de programas de promoção da igualdade racial, que em suma demonstre o provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, função da proporcionalidade na sociedade considerada.

Vai adiante com a inclusão nos formulários e relações do quesito cor/raça, gênero, em todos os registros administrativos direcionados aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público.

Pelo artigo 67, altera o parágrafo 2 º do artigo 45 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, determinando que no caso de empate entre duas ou mais propostas, a classificação dará precedência ao licitante que mantiver programa de promoção de Igualdade Racial em estágio mais avançado de implementação.

O artigo 68 modifica os artigos 3º e 4º da Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, versando sobre penalidades por motivo de discriminação racial, sendo que a nova redação do parágrafo 2º do artigo 4º estabelece pena de multa ou prestação de serviços à comunidade a quem, em anúncios exigir boa aparência do candidato ou a respectiva fotografia no currículo, com vistas à seleção para ingresso no emprego.

O artigo 70 proíbe que as empresas contratantes exijam a fotografia do candidato a emprego, anexa ao currículo.

Os filmes, programas e peças publicitárias veiculados pela televisão deverão apresentar imagens de pessoas negras em proporção não inferior a vinte por cento do número total de atores e figurantes, obrigando os órgãos e entidades da administração pública a incluir cláusulas de participação de artistas negros, na mesma proporção.

O artigo 78 cria um tratamento diferenciado do resto da população, o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial — Sinapir, cujas ações serão coordenadas pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, instituindo o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial — Fipir, e mais o Conselho Nacional da Promoção da Igualdade Racial — Cnpir, estendendo obrigações de forma semelhante aos Estados e municípios, nesta fantástica estrutura estatal, mas cujos conselhos serão compostos por igual número de representantes de órgãos, entidades públicas e de organizações representativas da população negra.

Uma afronta à igualdade proposta quando nega recursos a quem não se submeta a este ato discricionário, pois que a União priorizará o repasse dos recursos aos que tenham criado conselhos de promoção da igualdade racial.

O paquiderme ainda vai contar no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, com Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial. O artigo 86 que diz respeito à adoção de medidas especiais para coibir a violência policial sobre a população negra tem um componente que precisa ser analisado, pois os caracteres externos de africanidade dos policiais no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não indicam haver preconceito racial entre policial e criminoso.

Concebe a criação de varas especializadas para o julgamento das demandas criminais e cíveis originadas de legislação anti-discriminatória e promocional da igualdade racial.

Se algo do previsto nesse Estatuto não for feito, o artigo 90 fundamenta cobrança judicial das lesões e ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade racial, recorrendo-se entre outros instrumentos, à ação civil pública, onde deverão prevalecer como consta na lei o critério de responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova, cabendo aos acionados provar a adoção de procedimentos e práticas que assegurem o tratamento isonômico sob o enfoque racial. Claro que o isonômico é este do Estatuto.

Disciplina ainda a previsão de recursos nos orçamentos da União para o financiamento de pesquisas nas áreas de educação, saúde e emprego, incentivo à criação de programas e veículos de comunicação, voltadas para a população negra, e incentivos à criação e manutenção de microempresas administradas por pessoas auto-declaradas negras, sendo que o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial deverá dar parecer sobre a programação das ações referidas nas propostas orçamentárias referidas.

Entre outros recursos estabelece que dois por cento da arrecadação bruta das loterias federais, deduzindo-se este valor dos prêmios, serão destinados ao programa.

Finalmente, pelo artigo 99, acrescenta ao artigo 10 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, o parágrafo 3º-A, que obriga cada partido a reservar o mínimo de trinta por cento para candidaturas de representantes da população negra.

Conclui-se que não é uma proposta bondosa, nem caridosa, e muito menos cristã, pois não atende à população carente de modo geral. Elege a cor da pele para diferenciar o cidadão e atendê-lo de forma prioritária.

Lembra, quem sabe, a legislação americana ou da África do Sul no tempo não muito distante. Se alguém ousasse substituir no texto a palavra negro por branco seria preso por racismo.

Assistir aos mais necessitados é obrigação. O Brasil não é de todos como está na publicidade do governo Lula? Barrar esse projeto é preciso.

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