Segunda Leitura

Segunda Leitura: Justiça no Uruguai é uniforme; no Brasil, não

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de agosto de 2008, 1h05

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Brasil e o Uruguai são absolutamente diferentes. Em tudo. E, no entanto, tão próximos. Laços de amizade (ou amistad para eles), famílias que se unem nas cidades fronteiriças (Santana do Livramento e Rivera são o exemplo máximo), uma simpatia recíproca que só se suspende nos clássicos de futebol. Mas isto tudo tem lá suas razões históricas.

Portugal e Espanha, em tempos de colonização, viviam lutando (ou peleando) sempre a disputar território e riquezas. No século XVII, Manuel Lobo fundou a Colônia do Santíssimo Sacramento,às margens do rio da Prata. De tratado em tratado, entre eles o de Santo Ildefonso (1777), revigorando o de Madri (1750), a região dos Sete Povos das Missões, oeste do Rio Grande do Sul, ficou para os portugueses e, em troca, a Colônia Sacramento, para os espanhóis. Mas em 1817, a chamada Província Cisplatina retornou a Portugal. Em 1822, proclamada a Independência, tornou-se parte do Brasil. Até 1828 quando se deu a criação da República Oriental do Uruguai.

Escrevendo da chamada Colonia del Sacramento, cidade tombada como patrimônio da humanidade pela Unesco, onde participo de um seminário, ponho-me a pensar em como se desenvolveram os dois países. E o faço com foco na Justiça.

O Brasil manteve sua unidade territorial, fruto da habilidade da família real portuguesa. Sua população cresceu assustadoramente. Já passamos de 180 milhões de habitantes. Uruguai, ao contrário, ficou com 3 milhões e meio de almas, metade delas em Montevideo. Brasil tornou-se um país multicultural. Sua população é uma mescla de portugueses, espanhóis. indígenas, negros, japoneses, alemães, italianos e outros povos. Uruguai, ao inverso, fixou-se em descendentes de italianos e espanhóis. Os indígenas foram exterminados e os negros não passam de uma minoria inexpressiva, não chegando a ter meia dúzia de advogados.

O ingresso na magistratura, nos dois países, é por concurso, algo raro na América Latina. Mas no Uruguai se começa pela escola, em curso de cerca de dois anos. No Brasil, o concurso de divide em prova objetiva, dissertativa, oral e depois um curso de quatro meses. O juiz uruguaio começa ganhando cerca de U$ 1,5 mil. O brasileiro, pelo menos, três vezes mais. O Brasil tem cerca de 15 mil juízes. No Uruguai, são cerca de 500, a começar pelos juízes de paz, que não necessitam ser bacharéis e recebem vencimentos do Estado. Proporcionalmente, o Uruguai está melhor.

No Brasil, cada tribunal tem autonomia administrativa e financeira. Por isso, fazem seus concursos, nomeiam, administram, enfim. No Uruguai, só a Suprema Corte administra a Justiça. Tribunais de Apelação apenas julgam os recursos. Nada mais. Não existe CNJ no Uruguai. O Brasil tem registrado casos de corrupção na magistratura. No Uruguai, não se registram casos, até porque o controle é bem mais fácil em razão do menor número.

Juízes brasileiros praticam mais o ativismo judicial. Juízes uruguaios são mais conservadores. Por exemplo, ainda são raras decisões judiciais ordenando o fornecimento de remédios pelo Estado. O Brasil não tem contencioso administrativo. No Uruguai existe, inclusive, uma última instância que é o Tribunal do Contencioso Administrativo, no mesmo nível hierárquico da Suprema Corte.

A Justiça penal uruguaia é mais rigorosa que a brasileira. Prende-se mais. Na área ambiental, ao contrário do Brasil, raríssimos são os precedentes. Na duração média de processos cíveis, o Uruguai leva vantagem. A Justiça é bem mais rápida. Mas na área dos Juizados Especiais, o Brasil está bem mais avançado. Processo eletrônico, que já é rotina nos Juizados Especiais Federais do Brasil, não existe no Uruguai.

Nos dois países, associações de magistrados são fortes e ativas. Isto não é regra geral. No Peru, são débeis e, na Venezuela, são proibidas pela Constituição. Nos dois países, a aposentadoria é compulsória aos 70 anos. Mas, enquanto no Brasil o juiz recebe o mesmo que na ativa (menos 11% do INSS, no Poder Judiciário da União), no Uruguai o jubilado perde 40%.

Diferentes países, diferentes destinos na órbita internacional. O Brasil, gigantesco, caminha para tornar-se uma potência mundial. O Uruguai continuará a ser um país pequeno, “chiquito”. A grandeza brasileira em tudo repercute. No bom e no mal. A simplicidade uruguaia não propicia grandes emoções, mas dá mais segurança e tranqüilidade. A Justiça uruguaia é simples, ágil e uniforme. A brasileira convive com os opostos, iniciativas pioneiras e avançadas, junto com uma morosidade desanimadora. Quem ganhou e quem perdeu com a separação da antiga Província Cisplatina? A resposta depende de como cada um vê a vida. O importante é que a população dos dois países, apesar do fracasso do Mercosul, continuam a cultivar a amizade e a admiração recíproca.

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