Ação solidária

Juízes de MT são investigados por desvio de dinheiro

Autor

30 de abril de 2008, 22h12

A Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso abriu fogo contra um desembargador e quatro juízes do estado que têm em comum o fato de serem maçons. O corregedor-geral de Justiça, Orlando Perri, afirma em um relatório que juízes receberam vantagens salariais irregulares “pagas somente a eles próprios” na administração do desembargador José Ferreira Leite e usaram o dinheiro público para socorrer financeiramente investidores ligados à loja maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso. Esses investidores aplicaram suas economias, incentivados pela maçonaria, na Cooperativa de Crédito Poconé-Sicoob Pantanal, de Poconé (MT), que quebrou. De acordo com dados do relatório, os juízes e o desembargador se esforçaram para honrar o investimento de mais de R$ 1 milhão por meio de créditos irregulares e empréstimos de colegas.

O inusitado da história é que o próprio Perri recebeu verba considerada irregular pela auditoria contratada pelo Tribunal de Justiça. “Eu e a torcida do flamengo”, respondeu ele ao site Consultor Jurídico, ao se referir a todos que embolsaram os valores. Mas, segundo Perri, como os desembargadores têm vários créditos para receber não são especificados nominalmente quais são pagos ou não. Assim, ele somente desconfiou que recebeu a verba após a auditoria e garantiu que vai devolver “centavo por centavo”.

No relatório, o corregedor-geral de Justiça investigou os juízes Marcelo Souza de Barros, Irênio Lima Fernandes, Antonio Horácio da Silva Neto, presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, filho do desembargador José Ferreira Leite, grão-mestre do Grande Oriente do Estado de Mato Grosso. Perri admitiu no documento que não tem competência para investigar o desembargador. O relatório foi encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça, Procuradoria-Geral da República e Conselho Nacional de Justiça.

Cada passo

A maçonaria resolveu criar uma cooperativa de crédito. Com base em informações do Banco Central, ela teria que se associar a outra, de acordo com o advogado Marcos Witczak, que defende os quatro juízes e o desembargador envolvidos no episódio. Muitos maçons se associaram e fizeram investimentos na Cooperativa de Crédito de Poconé-Sicoob Pantanal, que quebrou. Os magistrados maçons tentaram resolver a situação. Além de emprestar dinheiro para a maçonaria, incentivaram colegas a fazer o mesmo, segundo o advogado. “O dinheiro era deles. Poderiam fazer o que quisessem”, disse.

Apesar de ressaltar, no documento, que não investigou o desembargador, Perri descreve a “divisão de atribuições a cada um dos envolvidos” no caso. “1) Ao Grão-Mestre e Presidente do TJ coube a emissão da ordem de pagamento dos créditos que, ao final das contas, serviram aos cofres da instituição maçônica; 2) aos Juízes de Direito Marcelo Souza de Barros e Antonio Horácio da Silva Neto coube cooptar os empréstimos das magistradas favorecidas com o pagamento de créditos pelo Tribunal de Justiça; 3) aos Drs. Irênio Lima Fernandes e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira couberam os empréstimos ao Grande Oriente, que imediatamente foram quitados por meio de pagamentos de créditos efetuados pelo TJMT”.

E ainda: ele afirma que Marcos Aurélio apenas recebeu os créditos por ser filho do então presidente do TJ de Mato Grosso, “tendo-se chegado ao cúmulo de ter sido pago a ele diferença de teto correspondente a tempo que sequer ainda integrava a magistratura”. Ou seja: “um disparate” na sua visão.

O desembargador José Ferreira Leite, segundo o relatório de Perri, recebeu três parcelas: R$ 22.113,29, R$ 291.396,13 e R$ 23.208,49. O juiz Irênio Lima Fernandes recebeu quatro parcelas – R$ 61.783,47, R$ 65.550,94, R$ 5.000,00 e R$ 18.204,02. Marcos Aurélio é apontado como beneficiado de duas parcelas – R$ 139.334,08 e R$ 15.733,86. Antonio Horário Silva Neto, segundo o documento, obteve R$ 28.000,00 e R$ 54.760,72. E Marcelo Souza de Barros recebeu uma única parcela de R$ 237.394,95. Ele menciona ainda colegas dos juízes que receberam outros valores, e emprestaram o dinheiro para a maçonaria. Perri descreve que eles se sentiram na “obrigação moral” de não dar prejuízos para os investidores da cooperativa.

O documento aponta, ainda, outro fato inusitado. Tanto a auditoria interna quanto a realizada pela empresa especializada constataram a “forma quase artesanal com que são elaboradas as folhas de pagamento de magistrados, o que contribui, em muito, para a ocorrência de diversos pagamentos realizados sem qualquer lastro documental, sem memória de cálculos, enfim, sem observância de procedimento administrativo minimamente formal para ilustrar o marco inicial ou a razão da verba paga”.

A auditoria afirmou que “a nítida impressão obtida é que as diversas irregularidades encontradas não foram cometidas por má-fé ou fraudes, mas por falta de conhecimentos necessários para que fossem executados de forma correta”. E sugeriu mudanças.

Segundo o documento, apesar da comprovação da “quase informalidade que reinava no Departamento de Pagamento de Magistrados”, a auditoria técnica detectou a existência de pagamentos feitos com “absoluta exclusividade” aos magistrados em questão. Verbas pagas a título de correção monetária, diferença de teto e devolução de imposto de renda retido na fonte.

Ampla defesa

Para o advogado Marcos Witczak, que defende os envolvidos no episódio, o que foi apontado no relatório não tem fundamento. Ele e os juízes Irênio Lima Fernandes e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira mostraram indignação ao site Consultor Jurídico pelo fato de o relatório de 143 páginas, que corre em segredo de justiça, estar nas mãos da imprensa.

Segundo Witczak, a maçonaria já pagou os empréstimos feitos por magistrados. E, ainda, entrou com processo contra os responsáveis pela cooperativa que quebrou. O juiz Irênio Lima Fernandes disse que conseguiu uma liminar esta semana no TJ-MT para suspender o procedimento investigatório em relação a ele. “Quem teria de investigar é o Órgão Especial e não o corregedor”, diz o juiz. Questionado se pretende devolver os créditos, foi categórico: “Devolver por que se o que recebi foi legal?”, disse ao apontar o recebimento de verba também por Perri.

O desembargador Ferreira Leite, que está de licença médica, já tinha ido ao STJ para suspender o procedimento. A alegação foi a de incompetência do corregedor-geral para investigá-lo — fato que o próprio Perri admite no relatório. O STJ entendeu que o corregedor-geral de Justiça estava apenas investigando juízes e mandou prosseguir o caso. O mérito ainda não foi julgado.

Witczak informou ao site Consultor Jurídico que quando tudo isso acabar, Ferreira Leite vai processar Perri por danos morais.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!