Quadro do caos

Legislação brasileira está no estágio do subdesenvolvimento

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28 de abril de 2008, 18h40

O Brasil conseguiu enormes avanços econômicos na última década. Houve expansão do emprego, distribuição de renda e aumento do poder de compra por parte das classes menos favorecidas da população. Com a inflação sob controle e, pelo menos até agora, em um ambiente mundial favorável, a atividade industrial e comercial ganhou consistência, puxada tanto pelas exportações como pelo consumo interno. Todo esse pulsar da economia, no entanto, não foi acompanhado pelo aperfeiçoamento de nossas instituições.

Vivemos em um ambiente de insegurança jurídica.

O título deste comentário não é meu, mas do presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que no dia 23 de abril substituiu Ellen Gracie no cargo. Em seminário na Câmara dos Deputados, sobre Consolidação das Leis, Gilmar Mendes disse que o “quadro de caos” em que está mergulhada a legislação brasileira revela o “estágio de subdesenvolvimento institucional” do país.

O ministro destacou que o emaranhado de leis existente hoje no Brasil levanta uma pergunta inevitável: “O que está em vigor?”. Para ele, “o mundo se tornou complexo, o que deixa perplexo o cidadão comum”, evidenciando a necessidade de garantir segurança jurídica ao país. Na mesma tecla vem batendo o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso. Em recente artigo, em que critica o excesso de Medidas Provisórias, ele afirma que “a quantidade de leis contribui sensivelmente para a insegurança jurídica no país. Temos um cipoal legislativo de normas legais, regulamentares e complementares, que torna quase impossível aos operadores do Direito manterem-se atualizados”.

A Constituição de 1988, que completa 20 anos em 5 de outubro próximo, incluiu uma série de mudanças, mas o foco, então, à luz da redemocratização do país, era o rearranjo das instituições após duas décadas de regime militar. Poucos anos depois, o impacto das transformações tecnológicas, o advento da Internet, o fenômeno da globalização e, mais recentemente, as preocupações com a saúde do planeta deixaram defasados muitos dos princípios que nortearam a Carta de 88.

Na ausência de normas claras e consistentes, nos movemos em terreno pantanoso, onde a possibilidade de tudo ser questionado entope o Judiciário de processos e Ações Diretas de Inconstitucionalidade. A cada dia, novas portarias e normas se somam ao “cipoal” de milhares de leis que regem nosso sistema tributário e trabalhista. O Legislativo, ao qual cabe o dever de legislar, virou refém do Executivo e de suas centenas de Medidas Provisórias.

O país não pode mais ficar refém dessa insegurança jurídica. As legislações trabalhista e previdenciária precisam se modernizar. Como estão, estimulam o subemprego, incentivam as fraudes e deixam milhares de trabalhadores na informalidade. A quantidade absurda de exigências assusta e inibe a contratação formal em milhares de pequenas e médias empresas.

As empresas que mais empregam, por exemplo, do setor de serviços — que têm a folha de pagamento como ingrediente altíssimo nos seus custos — são tratadas tributariamente (contribuições previdenciárias) exatamente igual àquelas que empregam significativamente menos (uma vez que a base de cálculo é o valor da folha), que podem (e fazem) substituir seu efetivo por máquinas e novas tecnologias.

Mais ainda: vários trabalhadores afastados do emprego, em razão de moléstias das mais variadas, têm tido alta do INSS, mesmo sem qualquer possibilidade de retorno ao trabalho, esperando-se que a empresa arque com os seus salários, mesmo eles não tendo a mínima condição física de trabalho, e tendo de permanecer afastados. Aí surgem os “jeitinhos” que mais tarde acabam inevitavelmente nos tribunais.

No campo tributário, a situação é ainda mais complexa. Basta o exemplo da Nota Fiscal Eletrônica, uma iniciativa louvável e eficiente, mas que está enlouquecendo empresários despreparados para adotá-la. A tão prometida reforma não avança no Congresso e a carga tributária elevada alimenta a corrupção e estimula as atividades informais. Em lugar de ter como objetivo simplificar o recolhimento de impostos, o governo se preocupa em convencer o Congresso a manter a perversa fórmula do “imposto por dentro” (cobrança de imposto também sobre o imposto devido).

Em geral, o brasileiro não sabe o que paga de impostos sobre produtos e serviços. Somente sobre os gastos com celular, por exemplo, são 46,4%. As distorções também ocorrem na conta de luz (onde o famigerado “imposto por dentro” está no ICMS cobrado) e na hora de encher o tanque do carro.

Precisamos unir forças para tornar nossa legislação menos onerosa e mais eficiente e transparente. O combate à corrupção e aos desmandos, as manobras políticas e eleitoreiras, que tanto ocupam o Executivo e o Congresso, não podem deixar de lado as reformas trabalhista e tributária, fundamentais para tornar o Brasil cada vez mais competitivo e justo.

Se o emaranhado de leis deixa o cidadão comum perplexo e atordoados os operadores do Direito, é sinal de que a situação é gravíssima. O cidadão merece uma resposta.

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