Operação Suíça

Administrar conta no exterior não justifica decreto de prisão

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28 de abril de 2008, 17h38

A simples manutenção de conta bancária no exterior não constitui conduta ilícita, nem justifica a prisão preventiva. O entendimento é do juiz federal convocado Marcio Mesquita, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O juiz concedeu liberdade para o suíço Christian Weiss, preso em 23 de abril pela Polícia Federal. Ele foi investigado durante a Operação Suíça, deflagrada em 2006.

Weiss é executivo do banco Credit Suisse. Ele é apontado como um dos operadores de esquema ilegal de transferência de valores para várias agências do banco na Suíça. O Ministério Público Federal acredita que a instituição financeira funciona no Brasil sem autorização do Banco Central e envia recursos de seus clientes ao exterior utilizando-se de doleiros.

O mandado de prisão preventiva foi expedido pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Segundo o pedido de prisão formulado pelo Ministério Público Federal à Justiça, Weiss veio ao Brasil para reuniões em São Paulo e no Rio de Janeiro com a missão de captar novos clientes, abrir conta e mandar recursos para o país. A Polícia Federal e o MPF dizem que foi encontrado no quarto de hotel de Weiss, após monitoramento autorizado pela Justiça, provas de que os recursos eram remetidos ao exterior sem autorização do Banco Central.

A defesa do suíço, representada pelos advogados Alberto Zacharias Toron e Carla Vanessa Domenico, entrou com pedido de Habeas Corpus afirmando que o suíço está submetido a constrangimento ilegal. “Não é demais lembrar que no caso “Operação Suíça” também foi preso um dos investigados quando saía do Brasil e este, independentemente, da sua condição de estrangeiro, teve a sua prisão revogada. Qual a diferença entre um caso e outro, se ambos são estrangeiros, ambos trabalham para a mesma instituição financeira?”, indagou a defesa.

Para os advogados, não há nada no processo que sugira que o executivo possa ameaçar testemunhas, ou que destruirá prova, o que sua prisão será útil para a investigação. “As únicas informações existentes nos autos é que o ora Christian Weiss é empregado do Banco Credit Suisse e que trabalha diretamente com o seu vice-presidente. Nada, além do mencionado acima, há nos autos”, afirmou a defesa. “O fato de existirem outras ações em andamento que apuram supostos delitos cometidos por empregados do banco Credit Suisse não autoriza concluir que todos os empregados de referido banco cometam crimes”, sustentaram os advogados.

Os argumentos foram aceitos pelo TRF-3. “Na extensa decisão que decretou a prisão preventiva, não há referência expressa ao tipo penal apontado pela autoridade policial e pelo Ministério Público Federal com relação ao paciente, mas tão somente menção à acusação formulada. Penso que as condutas imputadas ao paciente não configuram crime, não havendo, portanto, prova de materialidade a justificar a prisão preventiva”, entendeu o juiz convocado.

De acordo com Márcio Mesquita, não é porque Weiss trata com clientes que têm conta no exterior que faça operação irregular. “Se a legislação brasileira expressamente permite que os que aqui residentes mantenham contas em bancos sediados no exterior, por certo que tem de admitir alguma forma de contato com esses clientes, pois ‘quem dá os fins, dá os meios’”.

“Os elementos fáticos fornecidos pela autoridade policial e que embasaram o decreto de prisão preventiva não permitem, ao menos por ora e ao meu ver, concluir pelo enquadramento da conduta do paciente no artigo 16 da Lei 7.792/86”, afirmou o juiz. De acordo com o artigo 16 da Lei 7.792/86, é crime contra o sistema financeiro nacional fazer operar “sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio”. A pena é de reclusão de um a quatro anos e multa.

A Operação

As investigações da Operação Suíça começaram em 2005. Em 2006, foi deflagrada a operação, que resultou na prisão temporária de vários gerentes e funcionários do Credit Suisse. Dentre eles, Peter Schaffner, um dos gerentes do Credit em Zurique que, após ter sido solto e indiciado, não mais retornou ao país. O trabalho prosseguiu e resultou nas Operações Kaspar 1 e Kaspar 2, que focaram na atuação de doleiros no mercado de private banking, operado de forma ilegal pelo Credit e outros bancos.

No dia 25 de março desse ano, o MPF ofereceu a denúncia da Operação Suíça contra 17 pessoas – 13 executivos ou ex-funcionários do banco suíço no Brasil e no exterior apontados como os responsáveis diretos pela operação. Segundo a denúncia, Carlos Martins, ex-chefe da representação do Credit Suisse no Brasil, orientava seus subordinados para que destruíssem diariamente documentos que indicassem a abertura de contas na Suíça. De acordo com o MPF, as transferências de recursos, todas as vezes, eram realizadas por doleiros no sistema dólar-cabo, na qual os recursos não saem do país fisicamente.


A denúncia foi recebida no último dia 18 pelo juiz Fausto Martin de Sanctis com relação a 16 dos denunciados. A participação da denunciada Claudine Spiero, ré na Operação Kaspar 2, será analisada posteriormente pelo juiz, que apurará se os fatos têm conexão com os que já são objeto do processo referente à Operação Kaspar 2. As datas dos interrogatórios ainda não foram designadas.

Leia a inicial e, em seguida, a decisão

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO.

Os advogados Alberto Zacharias Toron e Carla Vanessa Tiozzi Huybi de Domenico, brasileiros, casados, inscritos na seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, respectivamente, sob os n.°s 65.371 e 146.100, ambos com escritório na cidade de São Paulo (SP), na Av. Angélica, 688, respeitosamente, vêm à elevada presença de Vossa Excelência impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS

COM PEDIDO DE LIMINAR ADIANTE EXPLICITADO

em favor de Christian Peter Weiss, cidadão suíço, casado, empresário, portador do passaporte n.° xxx, residente e domiciliado na cidade de xxxx., n.° xx – Suíça, por estar sofrendo constrangimento ilegal da parte do MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo (SP), que decretou a prisão preventiva do paciente de forma absolutamente desfundamentada e ilegal (Procedimento n.° 2008.61.81.005512-0).

Os impetrantes arrimam-se nos dispositivos previstos no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, nos artigos 647 e 648, inciso I e VI, do Código de Processo Penal e, ainda, nos relevantes motivos de fato e de direito adiante aduzidos.

Nesses termos, do processamento,

Pedem deferimento.

São Paulo, 24 de abril de 2008.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP n.º 65.371

CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO

O.A.B./SP n.º 146.100

COLENDO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL:

EMINENTE DESEMBARGADOR RELATOR:

DOUTO PROCURADOR DA REPÚBLICA:

Ementa do Pedido

1. Paciente que teve sua prisão preventiva decretada sob os genéricos fundamentos da garantia da ordem pública e econômica, à instrução criminal e da aplicação da lei penal em razão de ser o Paciente cidadão suíço.

2. Profissional, empregado há anos em empresa idônea e reconhecida no mercado mundial, que tem um passado absolutamente imaculado e que se encontra à disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários. Pai de duas filhas, uma de três e outra de seis anos.

3. Paciente que possui vínculo estreito com o Brasil, pois é casado com uma brasileira e possui sogra e cunhada neste país na cidade de Belo Horizonte.

4. Ausência de demonstração da necessidade da prisão cautelar. Falta de elementos concretos que indiquem ou mesmo sugiram que o paciente iria frustrar ou prejudicar a investigação.


5. Advertência recente do col. STF: “Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa” (STF, HC 86175, Segunda Turma, Min. EROS GRAU, DJ 10/11/2006)

6. E ainda: “Crime contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n.º 7.492/86; Lei n.º 8.137/1990, e Lei n.º 9.613/1998, requisitos de garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica e na necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal. Alegação de ausência dos requisitos para decretação da prisão preventiva (CPP, art. 312). Quanto à ordem pública, a jurisprudência do Tribunal se firmou no sentido de que a caracterização genérica ou a mera citação do art. 312 do CPP não são suficientes para caracterizar a ameaça à ordem pública. Precedentes: HC n.º 84.680/PA, Rel. Min. Carlos Brito, DJ de 15.04.2005; HC n.º 82.832-DF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 05.09.2003; HC n.º 82.770-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 05.09.2003; HC N.º 83.943-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 17.09.2004; HC nº 85.641-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 17.05.2005. (…) Habeas Corpus deferido” (Rel. Min. Gilmar Mendes, HC n.º 85.615-2/RJ, DJ 03.03.2006).

DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL:

1. O Paciente, funcionário do Banco Credit Suisse na Suíça veio ao Brasil para exercer suas atividades profissionais, divulgar o nome do Banco e manter contatos que pudessem interessar a instituição financeira a qual pertence. Mal sabia ele que, a pretexto de se investigar o crime descrito no artigo 16, da Lei n.º 7.492/86, desde então, todos os seus passos estavam sendo seguidos; a privacidade de seu quarto de hotel invadida; seu lixo remexido e recolhido e o seu celular monitorado pela Polícia Federal, após deferimento de ordem judicial.

1.1. Durante mais de quinze dias o paciente não saiu das vistas da autoridade policial. No entanto, na representação pela sua prisão preventiva, consta que “apurou-se pelo teor de suas conversas que este telefone é usado como uma forma de agendar reuniões com os clientes do Banco Credit Suisse atendidos por Christian” (fls. 3, doc. 1). Nada, absolutamente, nada de criminoso foi identificado nas conversas interceptadas desde o dia 09 de abril. Talvez, por isso a d. autoridade policial diga que é a ausência de informações e “conversas sempre muito curtas” que “levam a crer que há grande preocupação com a possibilidade de suas linhas telefônicas estarem sendo interceptadas pela polícia” (doc. 1, fl. 3).

1.2. Aliás, a única conversa transcrita na representação é absolutamente sem sentido e, demonstra que um interlocutor não sabia o que o outro estava dizendo (doc. 1).

1.3. Os documentos recolhidos do lixo do quarto de hotel do paciente e fotografados de seu cofre igualmente não denotam qualquer atividade ilícita. Demonstram sim, a atividade profissional do paciente, ligada ao mercado financeiro. Mais do que isto, é puro juízo presuntivo (doc. 2).

2. Por fim, a d. autoridade policial respalda seu entendimento em depoimento prestado por Claudine Spiero — processada perante a 6ª Vara Federal Criminal e, ao que se sabe, que se encontra em processo de delação premiada — que analisando os documentos a ela exibidos, não identificados na representação, confirma que “são ordens de compra e venda de posições de investimento e retratam a ordem do cliente subscritor para a compra e venda de posições de investimento” (…) que os investimentos que aparecem nos documentos mencionados poderiam ser oferecidos para um cliente com conta no exterior, uma vez que estes investimentos são ofertados em moeda estrangeira por um gerente estrangeiro” (…) os bancos estrangeiros não aceitam ordens verbais de seus clientes, especialmente daqueles residentes no exterior, razão pela qual seus funcionários que viajam para encontrar os clientes estrangeiros têm de preencher um tipo de “ordem” para que o banco aceite as instruções de compra e venda das posições de investimento” (docs. 01 e 3).


2.1. Eminentes Desembargadores: em primeiro lugar, não se sabe quais documentos Claudine Spiero analisou. Segundo, todas as informações que fornecem são evidentemente dadas em tese, porque, absolutamente, nenhum caso concreto foi descoberto e analisado.

3. A conclusão de que o paciente estava a trabalho no Brasil “representando os interesses daquela instituição financeira, tendo como rotina realizar reuniões com clientes do banco a fim de movimentar suas contas correntes, comprando e vendendo posições de investimento”, com a devida e maxima venia, não tem lastro concreto algum.

4. Ademais, a mera repetição dos requisitos elencados no artigo 312 para justificar a prisão preventiva de um cidadão de bem, com um passado imaculado, família constituída, sem a demonstração com dados concretos e empíricos da sua necessidade, não é suficiente para a medida extrema.

5. Não se pode esquecer, outrossim, que a imputação que pesa contra o paciente tem a pena fixada de um a quatro anos e, ainda que fosse ao final da ação penal condenado, não lhe seria imposta pena de prisão. O crime não pressupõe qualquer violência ou ameaça a quem quer que seja e a prisão do paciente é absolutamente desnecessária.

5.1. Não obstante, decreto de prisão preventiva foi lançado nos seguintes termos:

“ O pedido de prisão preventiva formulado pela autoridade judicial justifica-se na medida em que as investigações empreendidas (…) revelariam que o investigado estaria no Brasil captando clientes e com eles realizando operações financeiras com o Credit Suisse, que não teriam autorização para operar no mercado brasileiro, fato que estaria colocando em risco a ordem pública (credibilidade das instituições e reiteração de suposta ilicitude em nome da instituição financeira recalcitrante) e econômica do país (manutenção de elevados valores à margem dos controles oficiais).

A destruição de documentos que poderiam incriminar o investigado, também seriam reveladores de que, se permanecer solto, poderia destruir provas que prejudicariam a instrução criminal, pois consoante se verifica dos documentos juntados às fls. 11/13, o investigado teria destruído elementos de prova material, ocultando vestígios de atividade, em tese, delituosas por ele cometidas, seguramente está disposto a praticar condutas semelhantes, sempre na tentativa de fulminar a materialidade delitiva, justificando, assim, a presente medida pela conveniência da instrução criminal.

Além disso, Christian Peter Weiss seria cidadão suíço sem qualquer vínculo no Brasil, o que poderia colocar em risco a garantia da aplicação penal(doc. 4 – fls. 36)

5.2. Desde logo, deve-se destacar duas coisas: o paciente, como cidadão suíço, ligado a instituição financeira não sediada no Brasil, simplesmente exercia uma atividade de divulgação de seu empregador. Nessas condições, nunca, foi investigado ou processado, não realizando, portanto, qualquer atividade que pudesse retratar “reiteração de suposta ilicitude em nome da instituição financeira recalcitrante”. Se alguém reiterou alguma conduta – lícita ou não – este alguém certamente não foi o paciente que jamais sofreu qualquer repressão por sua atividade laborativa.

6. O mesmo se diga, quando se afirma que este poderia frustar a instrução criminal pela “destruição de documentos que poderiam incriminar o investigado”. Com a devida e maxima venia, tudo tem limite! Os documentos, cuja destruição se atribui ao paciente, são papéis de seu uso que foram encontrados no lixo do quarto de hotel por ele ocupado.

6.1. Não foram rasgados e jogados no lixo para destruir provas. Fosse diferente, teria picotado, sem deixar vestígios, triturado, colocado fogo, jogado no vaso sanitário e não, deixado no lixo em pedaços de tamanho bastante razoável para qualquer um – como a polícia – reconstruí-los!


7.Por fim, a última justificativa invocada, ou seja, a frustração da aplicação da lei penal, porque o paciente é suíço e não tem vínculos com o Brasil, também não é verdadeira. O paciente possui vínculos estreitos e familiares com o Brasil.

7.1. Além de sua esposa ser brasileira, residem na cidade de Belo Horizonte ( Rua Aiuruoca, n.° 500) sua sogra, Sra. Nair Borges, e sua cunhada, Edilene Borges. Desta maneira, nítido é que, caso seja necessário, poderá permanecer no Brasil, com seu passaporte retido pelo Juízo coator, na residência de seus familiares para que possa prestar todos os esclarecimentos necessários para a elucidação dos fatos. Ademais, o Paciente, um rapaz jovem, com passado absolutamente imaculado, é pai de duas crianças, com idade de três e seis anos, não representando qualquer mal a sociedade, não podendo haver qualquer presunção de que solto se evadirá do país.

7.2. Não é demais lembrar que no caso “Operação Suíça” também foi preso um dos investigados quando saia do Brasil e este, independentemente, da sua condição de estrangeiro, teve a sua prisão revogada (doc. 5). Qual a diferença entre um caso e outro, se ambos são estrangeiros, ambos trabalham para a mesma instituição financeira?

7.3. Não há nada, portanto, que sugira ou indique que ameaçará co-réus ou testemunhas, que destruirá documentos ou que influirá na produção da prova. Muito menos que a sua prisão é útil à investigação e à aplicação da lei penal.

8. Eminentes Desembargadores: as únicas informações existentes nos autos é que o ora Paciente é empregado do Banco Credit Suisse e que trabalha diretamente com o seu Vice Presidente, Peter Lengsfeld. Nada, além do mencionado acima, há nos autos!!! Indaga-se: qual seria o crime praticado pelo paciente, suficientemente grave para ser decretada a sua prisão preventiva? Não poderia o Paciente trabalhar, de forma absolutamente legal para o Banco Credit Suisse e estar aqui no Brasil, de forma legal, para realizar o seu trabalho?

8.1. O fato de existirem outras ações em andamento que apuram supostos delitos cometidos por empregados do banco Credit Suisse não autoriza, data maxima venia, concluir que todos os empregados de referido banco cometam crimes, ou pior, que haja uma “cotidiana e rotineira ocupação dos profissionais vinculados ao banco Credit Suisse” (doc. 4) para a prática de delitos. Ora, todos os funcionários do Banco Credit Suisse, se comungarmos com o entendimento do il. magistrado, ora autoridade apontada como coatora, deveriam ser presos!

9. Talvez a explicação sobre a prisão do paciente esteja simplesmente no fato de obrigá-lo a falar… trazer informações sobre clientes do banco ou sobre os denunciados da Operação Suíça, que a polícia ainda não tenha obtido. Não por acaso é que durante a sua prisão foi dito ao paciente que se ele colaborasse iria encontrar logo com sua família e seus filhos na Suíça. Talvez, venha ao encontro disso, o fato de a denúncia no processo “Operação Suíça” ter sido oferecida há mais de um mês e embora tenha se descoberto com a leitura da decisão atacada que foi recebida em 18 de abril p.p., ainda é secreta para as partes, pois os autos ainda se encontram indisponíveis no gabinete do magistrado apontado como coator.

9.1. Algo de inconcebível acontece com o paciente: prender para colaborar! Esta, eminentes Desembargadores, a nova modalidade de prisão que mal esconde a subversão do Estado Democrático de Direito. É a judicialização da prisão como meio de pressão, meio de degradação do ser humano, sobre quem não recai qualquer necessidade da medida cautelar para obrigá-lo diante do sentimento de desmoralização, temor e desequilíbrio, ficar à mercê da “autoridade”.

9.2. Nesta linha de raciocínio, importante destacar que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgado proferido em habeas corpus impetrado contra prisão decretada na assim chamada “Operação Navalha”, pontificou:


(…) não faz sentido a manutenção da prisão para a mera finalidade de obtenção de depoimento. A prisão preventiva é medida excepcional que, exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos consistentes e individualizados com relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, art.93,IX e art. 5o, XLVI).

A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões preventivas.

Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5o, §1o).

A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal.

Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.

Ao contrário do que parece sustentar o parecer da PGR, deve-se asseverar que a existência de indícios de autoria e materialidade, por mais que confiram, em tese, base para eventual condenação penal definitiva, não pode ser invocada, por si só, para justificar a decretação de prisão preventiva. Diante do exposto, no caso concreto, a prisão preventiva não atendeu aos requisitos do art. 312 do CPP. Vislumbro, assim, patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem.É como voto.” (STF – HC 91.386-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19/02/2008, v.u. – voto disponível no sítio da Internet http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=83223&caixaBusca=N – grifos nossos)

9.3. Neste julgamento, o eminente Ministro Celso de Mello teve oportunidade de destacar:

“No mesmo sentido se pronunciou o presidente da Segunda Turma, ministro Celso de Mello. Segundo ele, “não há fundamentos juridicamente idôneos que possam justificar a prisão”. Ele sustentou que a prisão cautelar não pode ser usada de forma indiscriminada, sem consistência ou apoio na realidade fática. Mello criticou a decretação da prisão de Ulisses Martins de Sousa apenas com objetivo de assegurar o interrogatório dele. “Isso criou ilegitimamente um ambiente opressivo, que este tribunal não pode tolerar” afirmou.”(notícia obtida junto ao sítio de Internet do STF, notícias do dia 19/02/08:

http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=83061&caixaBusca=N – grifos nossos)

9.4. Em outro julgado, a Colenda Suprema Corte igualmente decidiu:

“A prisão cautelar – qualquer que seja a modalidade que ostente no ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) –somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do indiciado ou do réu. Precedentes. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.” (HC 89.501-GO, rel. Min. Celso de Mello, j. 12/12/06, v.u. DJ 16-03-2007).


9.5. Nesse contexto, quais os elementos concretos demonstram que a prisão do paciente é necessária para proteger a ordem pública e a ordem econômica? No que a conduta do paciente demonstra que sua prisão resguardará a credibilidade e respeitabilidade das instituições públicas? Qual o elemento concreto demonstra que o paciente faça parte de uma grande organização criminosa e que estivesse no Brasil para praticar crime?

Nada, absolutamente, nada.

10. Em primeiro lugar, o MPF ao longo da ação penal – se houver – deverá provar que a atividade do paciente era criminosa. A simples denúncia, não traduz prova suficiente. Esta é mera hipótese de trabalho. Segundo, a credibilidade na Justiça e nas instituições democráticas, ao contrário do afirmado, serão arrefecidas caso seja mantida a prisão do paciente, com base em suposições, em pré-julgamentos, em certezas postas que não existem nas ações penais.

10.1. Com a devida e maxima venia, ao contrário do afirmado, o que causa o inadmissível desprestígio da Justiça no meio social e econômico é a antecipação da condenação em um Estado Democrático de Direito, que se afirma pautado pelo princípio da presunção de inocência. Não fosse assim, toda a vez em que se denunciasse alguém por crime que subjetivamente se entende grave ou que afetasse às instituições, a prisão preventiva deveria ser obrigatória, o que, com todas as venias, suscita a idéia de um preconceito às avessas. Por tal razão é que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, não admite a prisão cautelar sob a invocação oca da preservação da ordem pública:

“PRISÃO PREVENTIVA – PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. O bem a ser protegido a tal título há de situar-se não no passado, mas no futuro, sendo que aquele diz respeito à pretensão punitiva do Estado. PRISÃO PREVENTIVA – CRIME DE REPERCUSSÃO NA IMPRENSA – IMPROPRIEDADE DA FUNDAMENTAÇÃO. O fato de o delito provocar grande repercussão nos veículos de comunicação não conduz à prisão preventiva do acusado, estando o prestígio do Judiciário não na dependência da punição a ferro e fogo, mas na atuação harmônica com a ordem jurídica, respeitados os princípios jurídicos basilares da República” (STF, HC n.º 83.728, Primeira Turma, Min. Marco Aurélio, DJ 23/04/2004, grifamos);

E ainda:

“PRISÃO PREVENTIVA – CLAMOR POPULAR – INDIGNAÇÃO DA SOCIEDADE – PERFIL DO JUDICIÁRIO. O clamor social, a indignação da sociedade, o juízo subjetivo desta quanto à respeitabilidade do Judiciário não respaldam a prisão preventiva” (STF, HC n.º 80.040, Primeira Turma, Min. Marco Aurélio, DJ 05/12/2003).

11. Insista-se, não há com relação ao paciente a indicação de um elemento concreto sequer que demonstre a necessidade de sua prisão preventiva, seja no que concerne à garantia da ordem pública, seja à garantia da ordem econômica, seja por conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal, da onde decorre a manifesta ilegalidade da r. decisão atacada.

11.1. É por isso que o colendo Supremo Tribunal Federal não se cansa de repetir:

“Necessidade de preservação da ordem pública. É insuficiente o argumento de que esse requisito satisfaz-se com a simples assertiva de clamor público em razão da hediondez do fato delituoso e da sua repercussão na comunidade, impondo-se a medida constritiva de liberdade sob pena de restar abalada a credibilidade do Poder Judiciário” (STF, HC 82.446, Segunda Turma, Min. Maurício Corrêa, DJ 12/09/2003, grifamos).

11.2. É que, como o col. Supremo Tribunal Federal vêm insistentemente advertindo “Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado, ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário” (HC 80.719, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/9/01).


11.3. Não por outra razão, a colenda Quinta Turma do egrégio Superior Tribunal de Justiça, em brilhante acórdão relatado pelo eminente Ministro Gilson Dipp, em caso já com sentença condenatória, advertiu:

“O magistrado entendeu necessária a prisão para apelar como forma de garantir à ordem pública, a fim de acautelar o meio social e evitar a reprodução de outros delitos semelhantes, e também como forma de assegurar a aplicação da lei penal, diante da presença de antecedentes criminais e pelo fato do réu não possuir residência fixa e não ter ocupação lícita.

O Tribunal a quo acrescentou a repercussão do delito no meio social como motivo suficiente para a custódia.

Entretanto, tais aspectos, afastados de quaisquer fatos concretos que não a própria prática delitiva não servem para respaldar a prisão, notadamente por se tratar de réu que respondeu ao processo em liberdade e que compareceu espontaneamente a todos os atos processuais. Ademais, conclusões vagas e abstratas a respeito do que poderá vir a fazer caso permaneça solto, sem vínculo com situação fática concreta, efetivamente existente, consistem meras probabilidades e suposições, motivo pelo qual não podem respaldar a vedação ao apelo em liberdade(HC n.º 54.685/SP, DJ 4/9/06).

11.4. O que se percebe é que, como não há elementos concretos que dêem suporte a prisão, imagina a autoridade coatora, que a repetição de clichês jurídicos pintados com cores vivas possa impressionar Vossas Excelências a ponto de obscurecer a única verdade: a de que não há fundamento concreto para a prisão preventiva do paciente.

11.5. Dessa forma, os fundamentos da violação da ordem pública e ordem econômica devem ser prontamente afastados, como também a suposta ameaça à instrução criminal, alegada com base em suposições que em nada se relacionam ao paciente. Aceitar a fundamentação da r. decisão extrapola qualquer razoabilidade e ofende os princípios mais comezinhos do direito e o passado absolutamente anteacto do paciente. O que a d. Autoridade coatora afirma não decorre dos autos e sim do seu, data venia, fecundo imaginário.

11.6. Mais uma vez, resgatou-se a idéia de prisão obrigatória, há muito expungida de nosso Direito Penal, quando se consagrou a lição emanada do colendo Superior Tribunal de Justiça de que “É necessário que a sociedade compreenda que permitir que alguém responda solto a um processo-crime é apenas cumprir a Constituição Federal” (HC n.º41.182, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 05/09/2005).

12. A d. autoridade coatora, mais uma vez, utilizou-se apenas de presunções, puro exercício imaginativo, “mas imaginação não é prova, não é probabilidade, não é sustentáculo de uma situação jurídica” (voto do e. Min. Paulo Medina, HC n.º41.182, DJ 05/09/2005).

12.1. Falta à decisão concretude, a demonstração com elementos empíricos, fatos, motivos reais e objetivos, do porquê se presume que se solto o paciente iria “destruir ou camuflar” provas — ou será que jogar objetos pessoais no lixo, quando nem “sonha” que após sair do seu quarto de hotel alguém irá lá vasculhar o seu lixo” – demonstra que irá frustar a instrução criminal? Tal situação não condiz com a personalidade do paciente. Não se pode também supor o contrário e no caso concreto, conforme já se demonstrou, não tem qualquer razão de ser.


12.2. Não há, portanto, qualquer ameaça à instrução criminal.

12.3. Para que não reste qualquer dúvida sobre o fato de o paciente estar à disposição do d. Juízo, o paciente não só se compromete a comparecer a todos os atos e prestar todos os esclarecimentos necessários, como também coloca à disposição seu passaporte, comprometendo-se, a ficar no Brasil ou a ele retornar quantas vezes for à fim de cumprir o seu compromisso com a Justiça.

Da suposta existência de organização criminosa

13. Por fim, a r. decisão atacada invoca o disposto no artigo 7º da Lei n. 9.034/95, que veda a liberdade provisória, com ou sem fiança, “aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”.

13.1. O dispositivo legal é claramente inconstitucional por entrar em choque frontal com o disposto no artigo 5º, caput e incs. LVII e LXVI, da Constituição Federal. O primeiro que estabelece a inviolabilidade do direito à liberdade, o segundo que estabelece a presunção de inocência e o último, determinando que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Os dispositivos constitucionais se completam no sentido de que qualquer prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória somente pode ser estabelecida com fundamento cautelar, de asseguramento do processo ou da aplicação da lei penal.

13.2. Especificamente quanto à malfadada Lei n. 9.034/95, o artigo 9º, que impõe prisão para apelar – tão sem justificativa como a imposta pelo artigo 7º, invocado pelo Recorrente — já foi, inclusive, declarado inconstitucional por alguns eminentes Ministros daquela Corte Constitucional:

“Direito de Recorrer em Liberdade – (…) O Min. Gilmar Mendes, acompanhando os votos proferidos pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, proferiu voto-vista no sentido da concessão do habeas corpus de ofício e declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei 9.034/95, emprestando ao art. 3º da Lei 9.613/98 interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o juiz, na hipótese de sentença condenatória, fundamente sobre a existência ou não dos requisitos para a prisão cautelar. (…) o Tribunal, por maioria, tendo em conta a grande probabilidade de que a tese defendida na reclamação seja acolhida pela Corte, concedeu tutela antecipada ao reclamante, determinando se expeça em seu favor alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso e estendeu tal benefício aos demais réus, nos termos do art. 580 do CPP. Vencidos, no ponto, os Ministros Ellen Gracie, Nelson Jobim e Carlos Velloso. Rcl 2391 MC/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 18.12.2003. (Rcl-2391) (INFORMATIVO STF 334, dezembro de 2003, grifamos).


13.3. Ocorre que, ainda que assim não fosse, a restrição do artigo 7º — tal qual sua irmã-gêmea do artigo 2º, II, da Lei 8.072/90 – só se aplica quando houver prisão em flagrante:

“1. Não constituem fundamentos idôneos à prisão preventiva a invocação da gravidade abstrata ou concreta do delito imputado, definido ou não como hediondo ou das hipóteses previstas no artigo 312 do C. Pr. Penal, sem indicação de fatos concretos que as justifiquem: precedentes. 2. Crimes hediondos: vedação da liberdade provisória: inteligência. Não se aplica a vedação da liberdade provisória contida no art. 2º, II, da L. 8.072/90 – na qual se fundou a sentença de pronúncia para manter a prisão do paciente -, por não se tratar de prisão em flagrante, mas, de prisão preventiva, cuja fundamentação se repute inidônea. III. Liberdade provisória concedida” (STF, HC 86.703, Primeira Turma, Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02/12/2005, grifamos).

13.4. Não bastasse, a r.decisao invoca o artigo 7º sem, contudo, fazer qualquer referência a elementos concretos que indiquem que o paciente tenha tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.

13.5. Dessa forma, colima-se com a presente impetração, a revogação da prisão preventiva do paciente que é manifestamente ilegal e desprovida de justa causa, como medida de

J U S T I Ç A!

DO PEDIDO LIMINAR:

15. Além de o fumus boni iuris presente em toda a argumentação acima exposta, especialmente na lição jurisprudencial trazida à colação e, no fato de o paciente ter um passado impoluto, família constituída; o periculum in mora é patente pelo fato de o paciente ter contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal estando preso desde ontem na Custodia da Policia Federal, com transferência determinada para o CDP 2 DE GUARULHOS, onde ficara entre toda a sorte de marginais.

15.1. Como já decidiu o eminente Min. Celso De Mello:

“A medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar. Desempenha importante função instrumental, pois destina-se a garantir – pela preservação cautelar da liberdade de locomoção física do indivíduo – a eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do writ constitucional” (RTJ 147/962).

15.2. Insista-se, o paciente, que tem familiares no Brasil, se compromete, caso seja determinado, colocar seu passaporte à disposição do Juízo, bem como permanecer à disposição do Juízo para o que for necessário.

15.3. Assim, em caráter liminar, requer-se seja revogada a prisão imposta ao paciente, determinando-se a imediata expedição de contra-mandado de prisão em seu favor e, no mérito, aguarda-se seja reconhecida a ilegalidade do decreto de prisão preventiva, como medida de


J U S T I Ç A !

São Paulo, 17 de maio de 2007.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP nº 65.371

CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO

O.A.B./SP nº 146.100

Leia a decisão

Proc.: 2008.03.00.014602-7 HC 32007

Orig.: 200861810055120 6P Vr São Paulo/SP

Impte: Alberto Zacharias Toron

Impte: Carla Vanessa Tiozzi Huybi de Domenico

Pacte: Christin Peter Weiss réu presso

Adv: Alberto Zacharias Toron

Impdo: Juízo Federal da 6ª Vara Criminal São Paulo/SP

Relator: Juiz conv. Márcio Mesquita / Primeira Turma

Decisão

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por Alberto Zacharias Toron e Carla Vanessa Tiozzi Huybi de Domenico em favor de CHRISTIAN PETER WEISS, cidadão suíço, contra ato de Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, que decretou a prisão preventiva do paciente nos autos nº 2008.61.81.005512-0.

Consta da inicial que o paciente funcionário do Banco Credit Suisse na Suíça, veio ao Brasil como representante desta instituição financeira para divulgá-la e manter contatos que pudessem interessar a ela, e que foi monitorado durante toda a estadia no país, com interceptação telefônica e recolhimento de documentos no quarto de hotel que ocupou.

Afirmam os impetrantes que os papeis picados recolhidos do quarto do hotel onde esteve hospedado o paciente foram apresentados à investigada Claudine Spiero que disse serem “ordens de compra e venda de posições de investimento e retratam a ordem do cliente subscritor para a compra e venda de posições de investimentos”.

Argumentam os impetrantes que tais documentos não denotam qualquer atividade ilícita, demonstrando apenas a atividade profissional do paciente, ligada ao mercado financeiro.

Aduzem os impetrantes que o paciente tem vinculo no país, já que é casado com brasileira e a família de sua esposa reside em Belo Horizonte/MG, localidade onde poderia ficar para prestar os esclarecimentos necessários para a elucidação dos fatos.

Refutam a idéia de prisão cautelar automática para estrangeiro, com apoio em jurisprudência que colacionam.

Sustentam a desnecessidade da prisão preventiva, pois não evidenciada a medida acautelatória para a garantia da ordem pública, da ordem econômica para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Argumentam os impetrantes ser incabível a invocação de “reiteração de suposta ilicitude em nome da Instituição financeira recalcitrante” posto que se alguém reiterou alguma conduta, lícita ou não, certamente não foi o paciente, que nunca foi investigado ou processado.

Argumentam também ser incabível a invocação de que o paciente poderia frustrar a instrução criminal por destruição de documentos, dado que são papéis picados e jogados no lixo do hotel, e que se intenção houvesse de destruição de documentos, estes poderiam sem queimados, ou jogados no vaso sanitário e não deixado no lixo em pedaços grandes.

Sustentam ainda os impetrantes a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei 9.034/95, invocado pela autoridade impetrada para vedar a liberdade provisória, bem assim a inexistência de demonstração de que o paciente tenha tido intensa e efetiva participação na organização criminosa aventada pela autoridade impetrada.


Requerem os impetrantes, liminarmente, a revogação da prisão preventiva imposta ao paciente, que se compromete a entregar seu passaporte e permanecer à disposição do juízo. Ao final, pretendem a confirmação da liminar.

É o breve relatório.

Decido.

À luz das alegações argumentações expedidas e dos documentos anexados, vislumbro constrangimento ilegal imposto ao paciente.

A representação pela prisão preventiva formulada pela DD. Autoridade Policial (fls. 29/34) narra a conduta imputada ao paciente, nos seguinte termos:

“Como é de conhecimento de Vossa Excelência, está em curso investigação acerca de supostas condutas delitivas praticadas por um representante do banco suíço CREDIT SUISSE, o Sr. CHRISTIAN P. WEISS.

Segundo apurado até o presente momento. CHRISTIAN tem encontrado clientes brasileiros no banco suíço, com a intenção de receber ordens de movimentação de suas contas correntes, tais como aplicações em diferentes aplicações (produtos) existentes naquela instituição financeira. Esclarece-se que o Banco CREDIT SUISSE não possui autorização do Banco Central para operar no Brasil, ou oferecer seus serviços prestados na Suíça, através de qualquer representante seu.

Assim a conduta adotada por CHRISTIAN subsume-se ao delito tipificado no art. 16 da Lei 7492/86, qual seja “Fazer operar sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração (vetado) falsa instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio”.

(…)

As conclusões acima esposadas encontram balizamento no resultado de outra diligencia levada a efeito pelos Agentes de Polícia Federal lotados desta UADIP. Após a devida autorização judicial (Ofício nº 174/2008-GAB), foi encetada medida denominada EXPLORAÇÃO DE LOCAL, realizada no quarto de hotel freqüentado por CHRISTIAN PETER WEISS.

Nesta diligência foi colhido certo material no lixo de seu quarto. Os documentos encontrados estavam manualmente picados e foram reconstituídos pelo setor de Perícias desta Polícia Federal, sendo retratados nas fotos anexas. No cofre do quarto também foram fotografados outros documentos que fazem alusão a operação financeiras junto ao CREDIT SUISSE. Estas fotos também seguem anexas a esta REPRESENTAÇÃO.

Segundo CLAUDINE SPIERO, ouvida em declarações e cujo Termo segue anexo, os documentos mencionados são “ordens de compra e venda de posições de investimentos” e retratam “a ordem do cliente subscritor para a compra e venda de posições de investimento”.

Ela aduz ainda “QUE os investimentos que aparecem nos documentos mencionados somente poderiam ser oferecidos para um cliente com conta no exterior, uma vez que estes investimentos são ofertados em moeda estrangeira por um gerente estrangeiro”.

Sobre o motivo da existência física destes papéis, mesmo com todo o receio de sem flagrados pela policia brasileira, CLAUDINE explica que os mesmos são essenciais. In verbis: “os bancos estrangeiros não aceitam ordens verbais de seus clientes, especialmente daqueles residentes no exterior razão pela qual seus funcionários que viajam para encontrar os clientes estrangeiros têm de preencher um tipo de “ordem” para que o banco aceite as instruções de compra e venda das posições de investimento”.

A fim de dirimir qualquer dúvida quanto à proveniência do documento, CLAUDINE SPIERO afirmou o seguinte: “QUE tem certeza que os documentos apresentados são exatamente este tipo de ordem dirigida à matriz suíça do CREDIT SUISSE”.

Além desta documentação, ainda foram encontrados manuscritos cujo teor faz menção às OPERAÇÕES SUIÇA E KASPAR II, sendo que a primeira refere-se ao próprio CREDIT SUISSE (que figurou como investigado) e a segunda aos Bancos UBS, CLARIDEN e AIG, e ocasião em que a própria CLAUDINE SPIERO foi pressa, tendo que gerado grande receio nas Instituições Financeiras estrangeiras que operam ilegalmente no Brasil. Nele constam notas sobre como proceder em caso de ser abordado pela Polícia Federal, como responder a eventuais perguntas feitas pelos policiais. Segue foto abaixo.


(…)

Com isso acreditamos estar cabalmente comprovado que CHRISTIAN PETER WEISS é funcionários do banco CREDIT SUISSE, que se encontra no Brasil a trabalho, representado os interesses daquela Instituição Financeira, tendo como rotina realizar reuniões com clientes do banco a fim de movimentar suas contas correntes, comprando e vendendo posições de investimento”

(…)

O Ministério Público Federal, que em manifestação aderiu ao requerimento de prisão preventiva, expressamente endossou a capitulação legal feita pela DD. Autoridade Policial (fls. 54);

“Representa a d. Autoridade policial pela PRISÃO PREVENTIVA de CHRISTIAN PETER WEISS, em razão de ações delitivas que este, em favor do banco CREDIT SUISSE na Suíça, vem praticando no Brasil, como adiante sintetizado.

Referido individuo funcionário do banco CREDIT SUISSE na Suíça e ora em “vista” ao Brasil, nos últimos dias, tem agendado, em São Paulo, encontros com clientes brasileiros, para o fim de por ordem destes, efetuar movimentações e aplicações financeiras junto às diversas agências do mesmo banco naquele país.

Com bem frisou a d. Autoridade policial requerente, o banco CREDIT SUISSE não possui autorização para operar no Brasil, através de representante seu, oferecendo, por meio deste, a cliente aqui residentes, serviços prestados pelo mesmo banco na Suíça. Por esta razão, está o investigado a incidir na norma penal do artigo 16 da Lei 7.492/86 que veda a operação de instituição financeira sem a devida autorização.

Na extensa decisão que decretou a prisão preventiva do paciente (fls. 61/78), não há referência expressa ao tipo penal apontado pela DD. Autoridade Policial e pelo Ministério Público Federal com relação ao paciente, mas tão somente menção à acusação formulada nos autos da ação penal nº 2005.61.81.007578-6 (fls. 63 e 65).

Com relação ao paciente, a decisão que decretou a prisão preventiva faz menção genérica aos “delitos previstos nas Leis nºs 7.492, de 16.06.1986, e 9.513 de 03.03.1998” (fls. 69 e 76).

Penso, no entanto, que ao menos implicitamente, o DD. Juízo impetrado também endossou a capitulação legal já feita pela DD. Autoridade Policial e pela DD. Procuradora da República, aduzindo:

“(.) O CREDIT SUISSE, por meio de seus prepositos, continuaria, em tese, a empreender supostas atividades ilícitas no país com a captação de clientes eventualmente interessados em remeter ou manter recursos investidos naquela instituição, tudo à revelia da fiscalização das autoridades monetárias, porquanto o banco não possuiria autorização para atuar no Brasil como instituição financeira (…) (fls. 67).

Penso que as condutas imputadas ao paciente não configuram o crime do artigo 16 da Lei nº 7.492/86, não havendo, portanto, prova da materialidade a justificar a prisão preventiva.

O paciente é funcionário do Banco Credit Suisse na Suíça e, segundo relatório policial veio a serviço deste para tratar de contas de brasileiros, mantidas no banco-sede na Suíça.

A movimentação de contas de brasileiros, segundo os relatos, dar-se-la na Suíça, conforme as declarações de co-investigada, Claudine Spiero, que esclareceu que os bancos estrangeiros não aceitam ordens verbais de seus clientes especialmente daqueles residentes no exterior, razão pela qual seus funcionários viajam para encontrar clientes estrangeiros.

Dos relatos e das conclusões da DD. Autoridade Policial e do Ministério Público Federal, não há qualquer referência à “captação” de clientes no Brasil, mas tão somente a movimentação de contas já existentes.

Essa circunstância é expressa tanto pela DD. Autoridade Policial, ao mencionar depoimento de Spiero no sentido de que “os investimentos que aparecem nos documentos mencionados somente poderiam ser oferecidos para um cliente com conta no exterior”, como pela DD. Procuradora da República, ao aduzir que o paciente estava a fazer “encontros com clientes brasileiros, para o fim de, por ordem destes, efetuar movimentações e aplicações financeiras junto às diversas agências do mesmo banco naquele país”.


A simples manutenção de conta bancária em instituição financeira no exterior não constitui conduta ilícita, tanto que encontra previsão expressa no Regulamento do Imposto de Renda (artigo 804 do Decreto nº 3.000/1999) e na Resolução nº 3.540/2008 do Banco Central do Brasil.

Desta forma, não me parece que o paciente, ao contatar clientes residentes do Brasil, que possuem conta no exterior, para tratar de investimentos que ali estão sendo feitos, tenha feito operar instituição financeira sem autorização legal. Tais contatos poderiam ter sido feitos, e certamente são também feitos, por telefone, internet e outros meios.

Se a legislação brasileira expressamente permite que os aqui residentes mantenham contas em bancos sediados no exterior, por cento tem que admitir alguma forma de contato do cliente com o banco, pois “quem dá os fins dá os meios”.

Acrescento aqui — por ser fundamental — que, diversamente dos outros casos, oriundos da denominada “Operação Kaspar II”, também submetidos a este Relator, não se está sequer cogitando da remessa ilegal dos recursos para essas contas no exterior. Não há uma palavra no relatório da DD. Autoridade policial sobre tal questão.

Para chegar-se à conclusão de que houve a operação de instituição financeira, necessário seria, ao menos a indicação de que a remessa de valores, de forma camuflada, ocorreu neste país, dirigida à conta na Suíça. No entanto, o que se tem são anotações do paciente de clientes brasileiros, autorizando operações financeiras que, aparentemente, ocorreriam na Suíça, no banco-sede Credit Suisse.

Dessa forma, os elementos fáticos fornecidos pela DD. Autoridade Policial, e que embasaram a decisão atacada, não permitem, ao menos por ora e ao meu ver, e com a devida vênia das doutas opiniões contrários, concluir pelo enquadramento da conduta do paciente no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.

Por estas razões, defiro o pedido de liminar para revogar a prisão preventiva do paciente.

Comunique-se, para cumprimento. Requisitem-se informações da autoridade impetrada.

Após, remetam-se ao autos ao eminente Ministério Público Federal.

Intimem-se.

São Paulo, 25 de abril de 2006.

MÁRCIO MESQUITA

Juiz Federal Convocado

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