Aula de comunicação

Reflexão sobre imagem e reputação através de Wilson Simonal

Autor

  • Márcia Wirth

    é jornalista especializada no assessoramento de entidades e profissionais da área da saúde. Dirige a Excelência em Comunicação na Saúde.

27 de abril de 2008, 13h32

[Artigo publicado no jornal Saúde & Lazer, desse sábado, 26 de abril]

O “casseta” Cláudio Manoel nos brindou com um instigante documentário: “Simonal-Ninguém Sabe o Duro que Dei”, exibido pela primeira vez durante o festival É Tudo Verdade, em São Paulo. Além de englobar elementos dramatúrgicos como fama, música, ditadura, condenação pela mídia, ostracismo e alcoolismo, o filme, sob o ponto de vista de um profissional da comunicação, é uma aula sobre construção/destruição da imagem e da reputação.

Voltemos a meados dos anos 60, quando Wilson Simonal – negro, pobre, filho de uma empregada doméstica – se converte num dos mais populares cantores do Brasil, ficando apenas atrás do Rei, Roberto Carlos. Por conta de sua genialidade e de seu talento incontestável, ele ocupava quase todos os espaços: de propaganda da Shell à telinha de um programa próprio na TV Record. Lançou sucesso após sucesso. Era amigo de Pelé, chegou até mesmo a acreditar que poderia ser escalado para jogar com a Seleção Canarinho Tri Campeã no México, em 1970.

E então, da noite para o dia, em 1971, tudo ruiu. Seu nome foi envolvido em um complicado e mal explicado caso de agressão a um contador que supostamente o havia roubado, tendo como coadjuvantes agentes dos órgãos de repressão ligados à ditadura, “o pessoal do DOPS”. De mandante de agressão, passou a ser acusado de colaborador do regime e, pior, de delator. Polícia, processos, malho na imprensa, alvo do Pasquim. O astro em ascensão caiu, tornou-se o pior entre seus pares e foi banido da mídia, do meio artístico, da vida em si.

Desde então, ele permaneceu como um fantasma com uma sentença de condenação perpétua. “Chicotes e archotes em cima do ‘malandro’”, como disse Mário Prata. O artista que teve coragem de cantar “sim sou negro de cor” no seu tributo a Martin Luter King sumiu, ninguém sabe, ninguém viu. Até morrer, em 2000, passou anos tentando provar sua inocência, recolhendo documentos e atestados de que não colaborou com o regime, não dedurava e não delatou ninguém. Morreu doente, triste, sua existência e importância artística foram negadas até o fim. Todos foram anistiados e alguns até indenizados: torturadores, guerrilheiros do Araguaia, jornalistas do Pasquim, menos ele.

Imagem em decadência

O comunicador que assiste ao filme sente um frio na barriga incômodo, provocado pela ameaça estampada na tela: de uma hora para outra, tudo pode ruir. Seu trabalho delicado de construção de imagem pode cair como as torres gêmeas, de maneira fulminante. No mundo corporativo foi assim com a Enron, que levou consigo para o buraco a Arthur Andersen. No Brasil, foi assim com a Ortopé, com o Banco Santos, de uma hora para outra, a “casa caiu”. Escaparam, por um triz, Parmalat e Bombril.

Hoje, é preciso ter em mente que dois novos fatos determinam as relações econômicas e sociais: a demanda por produtos éticos e a influência crescente dos stakeholders – grupos de interesse – nos negócios. Estes dois fatores aumentaram a exposição das empresas e, conseqüentemente, os riscos de reputação e imagem. A crescente consciência de sustentabilidade modifica o cenário dos negócios e impõe mais obrigações legais.

Veja um exemplo no Brasil: depois dos escândalos da Enron e da Worldcom, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sugeriu um rodízio de auditorias para evitar fraudes nas empresas brasileiras como as que atingiram as norte-americanas. Falhas de compliance ameaçam a reputação e a imagem de maneiras múltiplas. A inapetência para cumprir obrigações regulatórias e legais é um dos fatores de risco que compromete seriamente a reputação de uma empresa.

É neste contexto que o papel do comunicador se faz determinante. É fundamental estar atento à importância da comunicação para a administração das crises. Empresas dotadas de uma estratégia de comunicação que lhes permite reagir rapidamente e com eficácia a acontecimentos negativos, freqüentemente, emergem de crises de reputação mais fortes. A falta de capacidade de investimento pode derrubar uma empresa, mas a falta de reputação desfere o golpe final.

Trabalhando para o futuro

Todas as organizações têm uma história e uma trajetória. A atividade da comunicação organizacional não pode ignorar estes dois fatos: “de onde vim e para onde quero ir”. A interação com os diferentes públicos de uma organização tem se realizado de maneira cada vez mais acelerada e a distância, de tal modo que os riscos e as vulnerabilidades das organizações, diante de leituras provavelmente equivocadas, são, em geral, maiores do que quando vigoravam apenas as formas tradicionais de comunicação, como na era anterior à internet.

A assessoria de comunicação precisa estar sintonizada com as novas tecnologias porque elas lhes conferem a agilidade de resposta que a comunicação organizacional e corporativa exige. Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que desafiam o profissional de comunicação “que gosta de controlar a informação”, abrem espaço para o comunicador que deseja compartilhar suas informações e não teme em ser transparente. Incorporar as novas ferramentas tecnológicas ao repertório de jornais murais, house organs e folderes institucionais é uma questão de estratégia. O bom comunicador saberá lidar com blogs, fotologs, flickers, moblogs, wikipedias, vlogs, second, e quem sabe, third lifes. Não é possível mais ignorar o poder das redes e de verdadeiras nações na Internet.

Olhar para o passado

Não posso arriscar um palpite se todo o conhecimento que temos acumulado, nos últimos anos, no campo da comunicação, poderia ter influenciado positivamente no desfecho da história de Simonal, pelo menos no que se refere à imagem e reputação deste artista. Arrisco apenas dizer que valeria a pena ter tentado, por tudo o que o filme nos mostra: um dueto fantástico com Sara Vaughan, o lançamento de “patropi”, a celebração da pilantragem e a marcante regência de 30, 40 ou 50 mil pessoas num Maracanãzinho lotado.

Valeria a pena ter tentado… Deixemos que o cinema faça, o que não temos certeza que poderíamos ter feito.

Autores

  • Brave

    é jornalista, especializada no assessoramento de entidades e profissionais da área da saúde. Dirige a Excelência em Comunicação na Saúde.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!