Mero intermediador

Site Mercado Livre se livra de indenizar consumidor enganado

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26 de abril de 2008, 0h00

O site de compras Mercado Livre não é obrigado a pagar danos morais e materiais a um cliente que foi enganado por um vendedor. O serviço oferecido pelo site é disponibilizar um espaço de anúncio para negócios. O entendimento é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que tomou a decisão sobre o assunto no dia 9 de abril. Cabe recurso.

A desembargadora Maria Inês da Penha Gaspar, relatora do caso, entendeu que não ficou provado o nexo de causalidade entre o dano sofrido e o trabalho do site. “Da análise do conjunto probatório, vislumbra-se que em nenhum momento logrou o autor-apelante apontar qualquer falha na prestação do serviço pela empresa-ré, o que seria essencial para caracterizar a relação de causalidade entre o dano sofrido e a conduta da apelada”, afirmou a desembargadora. A juíza Fernanda Carravetta Vilande, 13ª Vara Cível de Porto Alegre, também tomou decisão no mesmo sentido neste mês.

Anderson Kiffer Bena entrou com a ação porque comprou um equipamento de som anunciado nos classificados do site. No entanto, não o recebeu. Como não conseguiu localizar o vendedor, ele queria que o Mercado Livre o indenizasse por danos morais e materiais como dispõem o Código do Consumidor.

Ele sustentou que fez o negócio baseado na segurança e credibilidade do site. Para o internauta, ficou demonstrada a >culpa in vigilando (falta de vigilância) e a culpa in eligendo (culpa na escolha). Ele afirmou, ainda, que o Mercado Livre não ofereceu informações suficientes sobre as garantias de segurança.

Segundo a desembargadora, o Mercado Livre “apenas oferece ao usuário um espaço para que anuncie a venda de produtos e serviços dos quais tenha a faculdade de vender e/ou adquirir de outros usuários bens ou serviços por ela anunciados, deixando bem claro apenas visar mediar as relações por meio da aproximação destes, os quais devem negociar diretamente, não sendo sua função intervir na finalização dos negócios”.

Maria Inês lembrou que, pelos documentos, percebe-se que o cliente não observou os procedimentos de segurança oferecidos pelo site. O Mercado Livre tem um mecanismo chamado Mercado Pago. Cobrando uma pequena taxa, ele faz a garantia do negócio. Pela ferramenta, o cliente paga diretamente ao site, que negociará a entrega.

“Não há como responsabilizar a empresa-ré, pois entender de forma contrária seria o mesmo que adotar a teoria do risco integral, que, em situações como a narrada nos autos, não foi acolhida pelo nosso direito”, anotou a desembargadora. Com a decisão, o cliente teve o pedido de justiça gratuita negado e foi condenado a pagar as custas processuais.

Leia a decisão:

Décima Sétima Câmara Cível

Apelação Cível N° 2008.001.16030

Relatora: Des. Maria Inês da Penha Gaspar Classificação Regimental:

“Responsabilidade Civil. Ação de reparação por danos morais e materiais decorrentes de fraude perpetrada por terceiro, envolvendo a negociação de um equipamento de som oferecido pelo autor em site de classificados virtuais e intermediação de compra e venda de produtos, disponibilizado pela empresa-ré. Obrigação de indenizar não reconhecida. Conjunto probatório dos autos que aponta ter havido culpa exclusiva da vítima, ao não observar os procedimentos de segurança oferecidos no site da empresa-ré, no intuito de garantir a entrega da mercadoria pelo vendedor e o pagamento do valor pelo comprador, tendo optado por transacionar diretamente com o pretenso comprador e confiar no e-mail fraudulento enviado por este, desconsiderando por completo o aviso remetido pela apelada, bem como a precaução de conferir a real efetivação do depósito do valor do produto em sua conta, antes de remeter a mercadoria ao pretenso comprador. Verba honorária. Súmula n° 41 desta E. Corte. Sentença mantida. Desprovimento do recurso.”

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível n° 16030/08, em que é apelante ANDERSON KIFFER BENA e apelado MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES DE INTERNET LTDA, acordam os Desembargadores da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO E VOTO.

Trata-se de recurso de apelação interposto de sentença proferida em ação de indenização movida por ANDERSON KIFFER BENA em face de MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES DE INTERNET LTDA, em que foram julgados improcedentes os pedidos, condenado o autor nas despesas do processo e honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada a regra da gratuidade de justiça (fls. 136/139).

Inconformado, recorre o autor (fls. 141/144) aduzindo, em síntese, estar a empresa-ré enquadrada no artigo 3° da Lei n° 8.078/90, de modo a atrair a aplicação da responsabilidade objetiva, prevista no caput do artigo 14 do mesmo diploma legal.


Sustenta ter realizado o negócio através da intermediação da ré, baseado principalmente na segurança e credibilidade que a mesma sempre demonstrou, restando demonstrada a culpa in vigilando e também a culpa in eligendo desta, ao ser ludibriado pelo comprador de seu produto disponibilizado no site da referida empresa.

Salienta não ter a apelada oferecido informações suficientes ou adequadas sobre a fruição e riscos do negócio, devendo, assim, responder pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais que causou ao autor.

Pede, por fim, o provimento do recurso, com o total provimento da apelação, além do deferimento da gratuidade de justiça, e sua exoneração de quaisquer despesas do processo e honorários advocatícios.

Contra-razões a fls. 148/175, prestigiando o Julgado, sendo o recurso tempestivo (fls. 140 e 141), não se encontrando preparado face à gratuidade de justiça deferida (fls. 47).

É O RELATÓRIO.

VOTO.

Versa a hipótese ação de reparação por danos morais e materiais decorrentes de fraude perpetrada por terceiro, envolvendo a negociação de um equipamento de som oferecido pelo autor em site de classificados virtuais e intermediação de compra e venda de produtos, disponibilizado pela empresa-ré.

A sentença guerreada julgou improcedentes os pedidos, condenado o autor nas despesas do processo e honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada a regra da gratuidade de justiça (fls. 136/139), e daí o presente inconformismo, em que persegue o autor a reforma do julgado.

Todavia, tenho que a sentença atacada deu adequada solução à controvérsia.

Inicialmente cumpre esclarecer já ter sido deferido a fls. 47 destes autos, o beneficio da gratuidade de justiça à autora, que se estende até a decisão final do litígio, em todas as instâncias, a teor do artigo 9°, da Lei n° 1060/50.

No mais, não há como negar cuidar-se aqui de relação de consumo, a atrair a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o qual instituiu uma disciplina jurídica única e uniforme destinada a tutelar os direitos materiais ou morais de todos os consumidores em nosso país.

Contudo, muito embora tenha acolhido os postulados da responsabilidade objetiva, que desconsideram os aspectos subjetivos da conduta do fornecedor, o CDC exige para a configuração da responsabilidade civil a análise do dano e do nexo causal, além de estabelecer um elenco de hipóteses que mitigam aquela responsabilidade, denominadas “causas excludentes”.

O nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver responsabilidade sem culpa, como ocorre na responsabilidade objetiva, mas não pode haver responsabilidade sem nexo causal.

Assim, a responsabilidade do fornecedor do serviço advém de danos decorrentes de sua atividade, quando houver relação de causa e efeito entre a sua atividade e o resultado. Sem essa relação de causalidade não há como responsabilizá-lo.

Ora, da análise do conjunto probatório, vislumbra-se que em nenhum momento logrou o autor-apelante apontar qualquer falha na prestação do serviço pela empresa-ré, o que seria essencial para caracterizar a relação de causalidade entre o dano sofrido e a conduta da apelada, ou seja, o nexo causal, e, assim, incidir o dever de indenizar pela ocorrência do dano.

Com efeito, consoante se vê do contrato celebrado entre as partes (fls. 87/92), a ré apenas oferece ao usuário um espaço para que anuncie a venda de produtos e serviços dos quais tenha a faculdade de vender e/ou adquirir de outros usuários bens ou serviços por ela anunciados, deixando bem claro apenas visar mediar as relações por meio da aproximação destes, os quais devem negociar diretamente, não sendo sua função intervir na finalização dos negócios (cláusula 01 — fls. 87), salientando, ainda, na cláusula 11, não deter responsabilidade pelos produtos oferecidos e nem intervir em sua entrega, recomendando, outrossim, que os usuários ajam com cautela e bom senso (fls. 90) em todas as suas transações.

De seu turno, igualmente se extrai documentos anexados a fls. 17/23, não ter o autor observado os procedimentos de segurança oferecidos no site da empresa-ré (fls. 93), no intuito de garantir a entrega da mercadoria pelo vendedor e o pagamento do valor pelo comprador (“mercado pago”), tendo optado por transacionar diretamente com o pretenso comprador e confiar no e-mail fraudulento enviado por este (fls. 22), desconsiderando por completo o aviso remetido pela empresa-ré a fls. 23, bem como a precaução de conferir a real efetivação do depósito do valor do produto em sua conta, antes de remeter a mercadoria ao pretenso comprador, a caracterizar culpa exclusiva da vítima e não falha na prestação do serviço, como sustenta o apelante.


Dessa forma, não há como responsabilizar a empresa-ré, pois entender de forma contrária seria o mesmo que adotar a teoria do risco integral, que, em situações como a narrada nos autos, não foi acolhida pelo nosso direito.

Como bem assinalou o decisum a fls. 138, “quando da realização do cadastro, para alienação do produto de sua propriedade, o autor obrigatoriamente teve que aceitar os termos e condições constantes do site da ré, cuja regra primeira é clara no sentido de informar os serviços prestados pela ré, que consistem em ofertar ao usuário um espaço para que anuncie à venda produtos ou serviços dos quais tenha a faculdade de vender e/ou adquirir de outros usuários bens ou serviços por eles anunciados.

A ré tem o propósito único de mediadora, aproximando vendedor e comprador, para que realizem a transação, não se responsabilizando por eventuais ilegalidades cometidas no ato da negociação entre as partes negociantes envolvidas, tais como não entrega do produto ou do preço. Isto implica no fato de que, não há responsabilidade em caso de não pagamento pelo comprador da mercadoria, ainda mais quando tinha o vendedor, ora autor, o dever de verificar se o comprador, de fato, havia promovido o pagamento da mercadoria, antes de enviar o produto.

Pelo que consta dos termos e condições de utilização dos serviços de anúncio do site da ré, estava o autor ciente de todo o procedimento necessário à realização de negociação segura, além do que foi o comprador quem inadimpliu a obrigação de pagar e o autor não verificou a existência do depósito antes de remeter a mercadoria, em sua conta própria.

No site há o campo descritivo relacionado ao envio da mercadoria, onde consta a informação de que cabe ao autor a verificação do pagamento, para que após possa enviar a mercadoria. Neste caso, mesmo que por hipótese recebesse o autor qualquer e-mail da ré ou outra pessoa qualquer em nome da ré, pelo procedimento de segurança alertado no site, deveria o autor constatar o pagamento na conta que lhe fora destinada, antes de enviar a mercadoria. “

Por outro lado, no que tange aos ônus sucumbênciais, o autor decaiu por completo de todos os pedidos, pelo que deve responder pelas custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do artigo 21, parágrafo único, da Lei de Ritos, observado o disposto no artigo 12 da Lei n° 1060/50.

Constitui entendimento nesta Corte que a garantia do art. 5°, inciso LXXIV, da Constituição Federal, referente à assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recurso, não colide com a assistência judiciária gratuita da Lei n° 1.060/50 aos necessitados, sendo certo que a parte beneficiária da Justiça Gratuita, quando vencida, sujeita-se ao princípio da sucumbência, não se furtando ao pagamento dos consectários dela decorrentes.

Para tanto, a condenação respectiva deve constar da sentença, ficando, entretanto, sobrestada até cinco anos, sob a condição de, após esse interregno, a parte vencedora comprovar não mais subsistir o estado de miserabilidade da parte vencida, caso em que suportará esta aquele encargo, desde que a execução não esteja prescrita.

Assim, se o beneficiário da gratuidade de justiça estiver em situação de arcar com as custas e honorários, em sendo vencido, não há razão para que não o faça, pois a lei faz referência somente aos necessitados, abrindo a exceção prevista no art. 12, caso se modifique o estado financeiro daquele beneficiário.

Nesse diapasão, o entendimento sumulado deste E. Tribunal de Justiça, consubstanciado no Enunciado n° 41, segundo o qual: “Quando vencido, o beneficiário da Justiça gratuita deve ser condenado nos encargos sucumbênciais, conforme dispõe a Lei n° 1.060/50”.

Igual orientação se encontra em acórdão oriundo do E. Supremo Tribunal Federal:

“O beneficiário da justiça gratuita que sucumbe é condenado ao pagamento das custas que, entretanto, só serão devidas se, até cinco anos contados da decisão final puder satisfazê-las, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Incidência do artigo 12 da Lei 1.060/50, que não é incompatível com o artigo 5° LXXIV da Constituição”.

(STF, 1a Turma, RE 184841-3 DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 08.09.95).

Correta, portanto, a sentença recorrida, que não merece qualquer retoque.

POR TAIS RAZÕES, o meu voto é no sentido de negar provimento ao recurso.

MARIA INÊS DA PENHA GASPAR

DESEMBARGADORA RELATORA

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