Diversidade falha

Não há nenhum ministro do norte na composição do STJ

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de abril de 2008, 0h01

O Superior Tribunal de Justiça foi criado na Constituição Federal de 1988 e, na sua composição, foram aproveitados os ministros do Tribunal Federal de Recursos, tribunal este que foi extinto e deu lugar a cinco Tribunais Regionais Federais. Ao STJ deu-se, como competência principal, a de última instância no exame da lei federal. Sua formação procurou diversificar a origem de seus membros, atribuindo-se dois terços à magistratura (11 dos Tribunais de Justiça e 11 dos Tribunais Regionais Federais) e um terço dividido entre pessoas oriundas do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.

No entanto, apesar de ser um tribunal superior da federação, a origem de seus integrantes ― por região e não por profissão ― não tem sido objeto de pesquisa. Com efeito, basta fazer-se um comparativo para chegar-se a tal conclusão. Assim, examinando-se o rol de seus ministros e atribuindo-se dois pontos a cada um, divididos em local de origem (um ponto) e local da profissão (um ponto, dividido no caso de haver mais de um), chegaremos ao seguinte resultado:

Nome Estado Locao de atividade profissional Pontos
Aldir G. Passarinho Júnior RJ DF RJ 1,0; DF 1,0
Arnaldo Lima MG MG-RJ MG 1,5; RJ 0,5
Ari Pargendler RS RS RS: 2,0
Castro Meira BA SE-PE BA 1,0; SE 0,5; PE 0,5
César Rocha CE CE CE: 2,0
Denise Martins Arruda PR PR PR 2,0
Eliana Calmon BA BA-DF BA: 1,5; DF 0,5
Fátima Andrighi RS RS-DF RS 1,0; DF: 1,0
Felix Fischer RJ-PR PR:1,0
Fernando Gonçalves MG MG-DF MG1,0, DF 1,0
Francisco Falcão PE PE PE 2,0
Gilson Dipp RS RS RS 2,0
Hamilton Carvalhido RJ RJ RJ 2,0
Herman Benjamin PB SP PB 1,0; SP 1,0
Humberto G. Barros AL DF AL:1,0;DF 1,0
Humberto Martins AL AL AL 2,0
João Noronha MG MG MG 2,0
Jorge Mussi SC SC SC 2,0
José Delgado RN RN-PE RN 1,5; PE 0,5
Laurita Vaz GO GO-DF GO 1,5; DF 0,5
Luiz Fux RJ RJ RJ 2,0
Maria A. Moura SP SP SP 2,0
Massami Uyeda SP SP SP: 2
Napoleão Maia Fº CE CE-PE CE 1,5; PE 0,5
Nilson Naves MG SP-DF MG,1,0, SP 0,5. DF 0,5
Paulo Gallotti SC SC SC: 1,0
Paulo Medina MG MG MG: 2,0
Sidnei Beneti SP SP SP 2,00
Teori Zavaski SC SC-RS SC 1,0 RS 1,0

Nota: O Ministro Felix Fischer é naturalizado.

O exame da pontuação revela que os estados estão representados da seguinte forma: Acre, 0; Alagoas, 3,0; Amazonas, 0; Amapá, 0; Bahia, 2,0, Ceará, 2; Distrito Federal, 5,5; Espírito Santo; 0; Goiás, 1,5; Maranhão, 0; Mato Grosso, 0; Mato Grosso do Sul, 0; Minas Gerais, 7,5; Pará, 0; Paraíba, 1,0; Paraná, 3; Pernambuco, 3,5; Piauí, 0; Rio de Janeiro, 5,5; Rio Grande do Norte, 1,5; Rio Grande do Sul, 6,0; Rondônia, 0; Roraima, 0; Santa Catarina, 4; São Paulo, 7,5; Sergipe, 0,5; Tocantins, 0.

E nas regiões, colocando-se o Distrito Federal no centro-oeste, da seguinte maneira:

Norte 0
Nordeste 13,5
Sudeste 20,5
Sul 13
Centro-Oeste 7

Mas, indagará o leitor, qual o interesse em se fazer tal tipo de análise? É simples. A composição diversificada em carreiras diversas busca trazer ao tribunal nacional o maior número de experiências. Do mesmo modo, a origem por regiões daria uma visão mais brasileira à corte. E não apenas regional. Evidentemente, a estes dados deverão sempre estar agregados outros, como a sólida formação jurídica e moral ilibada.

Pois bem, a pontuação levada a efeito registra que a região Norte do Brasil não tem um ponto sequer. Com efeito, nenhum de seus estados possui um só ministro no STJ. Aliás, dá-se o mesmo no STF, onde apenas o ministro Carlos Alberto Menezes Direito nasceu na região Norte (Belém, PA), mas cuja formação e carreira foram feitas no Rio de Janeiro. Não será demais lembrar que a região Norte não dispõe, sequer, de Tribunal Regional Federal.

No entanto, o Norte do país ocupa uma extensão de terras imensa, onde se encontram conflitos complexos e que atraem a atenção do mundo inteiro. Por exemplo, a questão do desmatamento da Amazônia, os litígios de origem indígena e a guarda das fronteiras. Todos são aspectos de interesse máximo para a nacionalidade. Não sendo nenhum dos ministros da corte originário daquela região, evidentemente a experiência vivida não pode ser aproveitada nos julgamentos.

É fora de dúvida que um ministro nascido em qualquer ponto do país poderá julgar bem todas as ações oriundas da região Norte. Mas verdade é, também, que seus julgamentos serão sempre mais técnicos e sem o componente do conhecimento da realidade local.

Um ministro do local poderia transmitir realidades diferentes, como a forma de vida da população que habita o interior da Amazônia, como se dá o transporte por rios entre a capital e o distante interior, qual a relevância dos conhecimentos tradicionais dos povos da floresta, como o Código de Processo Civil deve ser interpretado em locais distantes e que rodovias não existem ou quais são as práticas seculares de determinadas tribos indígenas, a refletir nos seus hábitos, por vezes totalmente diferentes dos habitantes das grandes cidades.

A questão está lançada e, aos que se interessam pelos estudos de política judiciária e administração da Justiça, aí está um tema a merecer comentários. E solução também.

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