Pena alternativa

Juiz manda réus lerem Guimarães Rosa e Graciliano Ramos

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22 de abril de 2008, 16h37

Acusados de praticar crimes pela internet, Paulo Henrique da Cunha Vieira, Ruan Tales Silva de Oliveira e Raul Bezerra de Arruda Júnior terão que estudar para continuar em liberdade provisória. A decisão é do juiz Mário Jambo, da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio Grande do Norte.

O juiz obrigou os três a ler livros de literatura. A cada três meses, eles terão que entregar um resumo de dez laudas dos livros indicados pelo juiz. As primeiras obras a serem lidas são A hora e a vez de Augusto Matraga, último conto do livro Sagarana, de Guimarães Rosa, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Os réus também terão que freqüentar a escola. O juiz avaliará pessoalmente o boletim deles. Eles não poderão freqüentar lan houses nem ter cadastro em sites de relacionamentos como Orkut.

A cada quinze dias, eles devem se apresentar à Justiça para relatar suas atividades. Além disso, os réus estão obrigados a atender aos chamados judiciais e não poderão sair da cidade onde moram por mais de 24 horas. Às 20h, o grupo deve estar em casa.

“Vislumbra-se que a ordem pública, in casu, pode ser garantida pela imposição de condições obrigatórias a serem atendidas pelos acusados, que ficarão sujeitos a uma nova decretação de prisão preventiva em caso de inobservância de alguma das condições estabelecidas, providência que terá o condão de sanar a preocupação com a reiteração delitiva”, escreveu o juiz.

Jambo observou, ainda, que a imposição das condições afasta o “perigo social que justifique a segregação cautelar dos mencionados denunciados”.

Eles foram presos durante a Operação Colossus. Em agosto de 2007, a Polícia Federal prendeu 18 pessoas acusadas de integrar uma quadrilha especializada em roubar senhas de correntistas de bancos pela internet e falsificar cartões de crédito.

Leia a decisão

Ação Penal Pública – Classe 31

Processo nº 2007.84.00.007969-5

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Procª. Drª. Cibele Benevides Guedes da Fonseca)

Réu: PATRICK ALLAN LOBATO DIAS e outros (Adv. Dr. Alexandre Oliveira Milen e outros)

D E C I S Ã O

Vistos etc.

Trata-se de requerimentos formulados por PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA e RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR, deduzidos oralmente ao final da audiência de inquirição de testemunhas, com o fito de obter a revogação da prisão preventiva decretada pelo Juízo desta Segunda Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte, nos autos do processo nº 2007.84.00.007040-0.

Na audiência ocorrida às 14:00h do dia 01 de abril de 2008, a defesa do acusado PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA consignou à fl. 368: “MM Juiz, face ao encerramento da instrução e não se cogitando, nessa fase, qualquer interferência do acusado no julgamento da lide, a defesa reitera o pedido de REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA ou seu relaxamento por excesso de prazo. Espera deferimento.”

O denunciado RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR, por seu advogado, assinalou (fl. 368): “MM. Juiz, considerando o encerramento da instrução processual, o que torna desnecessária qualquer medida de cautela em relação à produção de provas, tornando, por sua vez, desmotivada a manutenção da prisão do acusado; considerando, ainda, o reconhecimento, pelo próprio MPF, de que o senhor RAUL não possui qualquer ligação ou vínculo com os demais réus; considerando, também, a inexistência de qualquer fato que descreva uma conduta típica em data concreta e a juntada do comprovante de residência e convite para emprego, requer, reiterativamente, de Vossa Excelência, que conceda a LIBERDADE PROVISÓRIA do senhor RAUL, sob o compromisso de atender qualquer determinação da Justiça.”.

O defensor do acusado RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA assim requereu: “MM. Juiz, tendo em vista o término da instrução criminal e tendo o acusado participado dela em sua totalidade, não havendo mais prova a produzir, requer a REVOGAÇÃO DE SUA PRISÃO PREVENTIVA por não estarem presentes os pressupostos que a subsistiram. Nestes termos, pede deferimento.” (fl. 368)

A representante do Ministério Público Federal, em parecer às fls. 375/382, manifestou-se pelo indeferimento dos pedidos de revogação de prisão preventiva formulados.

É o que se elege de essencial para ser relatado.

Em 20 de agosto de 2007, ao examinar representação ofertada pelo Departamento de Polícia Federal no Estado do Rio Grande do Norte, o Juízo desta Segunda Vara Federal decretou a prisão preventiva de PATRICK ALLAN LOBATO DIAS, PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RYLLEN THIAGO SILVA DE OLIVEIRA, RAFAEL GÓES VIEIRA SANTOS, RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, JAMES DEAN DE LIMA ASSUNÇÃO, CARLOS ALBERTO GOMES DOS SANTOS e RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR (fls. 57/97 dos autos do processo nº 2007.84.00.007040-0), como medida de garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

Em decisão proferida em 11 de outubro de 2007 (fls. 124/131), este Juízo indeferiu os pedidos de liberdade provisória deduzidos pelos acusados RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR e JOÃO PAULO DA CUNHA VIEIRA; concedeu a liberdade provisória aos acusados PATRICK ALLAN LOBATO DIAS, RYLLEN THIAGO SILVA DE OLIVEIRA, RAFAEL GÓES VIEIRA SANTOS, JAMES DEAN DE LIMA ASSUNÇÃO e CARLOS ALBERTO GOMES DOS SANTOS, com imposição de condições; e converteu o julgamento em diligência em relação aos acusados PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA e RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, culminando com o indeferimento dos seus pedidos de liberdade provisória em decisão datada de 07 de novembro de 2007 (fls. 228/232).

Dos autos, vê-se que a prisão preventiva dos acusados PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR e RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, embora decretada em 20 de agosto de 2007 como garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, subsistiu, nas decisões ulteriores, pelo primeiro fundamento.

Todavia, no momento presente, ao reapreciar a necessidade de manutenção da prisão cautelar, observa-se, à luz da atual situação fática, que o fundamento da proteção à ordem pública sofreu, ao nosso sentir, nítida mitigação, porquanto, ultimada a instrução criminal, verifica-se que os citados réus, durante o trâmite do processo-crime, permaneceram segregados do seio social, considerada a prisão dos acusados PAULO HENRIQUE, RUAN TALES e RAUL BEZERRA em 21 de agosto de 2007 (fls. 51, 95 e 112 dos autos do IPL – Processo nº 2007.337-0).

Decorrido tal interregno, vislumbra-se que a ordem pública, in casu, pode ser garantida pela imposição de condições obrigatórias a serem atendidas pelos acusados, que ficarão sujeitos a uma nova decretação de prisão preventiva em caso de inobservância de alguma das condições estabelecidas, providência que terá o condão de sanar a preocupação com a reiteração delitiva.

Cumpre dizer, então, que a imposição de severas condições de observância obrigatória faz esmaecer o receio de perigo social que justifique a segregação cautelar dos mencionados denunciados, o que afasta o fundamento da ameaça à ordem pública.

Logo, mesmo que a prisão tenha sido decretada com estrita observância ao art. 312 do Código de Processo Penal, constata-se atualmente não mais subsistir, atinente aos pleiteantes em riste, fundamento razoável a ensejar o periculum libertatis, devendo-lhes ser reconhecido o direito subjetivo de permanecerem em liberdade durante o prosseguimento do processo criminal.

Com efeito, manifesta-se a hipótese estabelecida no art. 316 do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem, daí por que não se afigura menosprezo aos fundamentos que ensejaram a prisão preventiva a concessão da liberdade provisória aos agentes, máxime ao se considerar a imposição de rígidas regras para o seu deferimento e, sobretudo, para a sua manutenção.

Destarte, por vislumbrar razões aptas a justificar a cessação da custódia provisória, entendo adequada a concessão da liberdade provisória aos acusados PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR e RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA.

DIANTE DO EXPOSTO, por considerar que não mais subsistem os fundamentos para a manutenção da prisão preventiva, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA aos acusados PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR e RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, impondo, porém, A CADA UM DOS RÉUS, o compromisso de cumprimento das seguintes condições:

a) acompanhar todos os atos processuais e atender aos chamamentos judiciais;

b) não se ausentar da comarca onde reside por mais de 24 (vinte e quatro) horas, sem prévia autorização deste Juízo;

c) recolher-se à sua residência no horário máximo das 20:00h, ficando proibido de se ausentar de sua residência nos finais de semana e feriados;

d) ocupar-se licitamente;

e) não freqüentar locais suspeitos, tais como casas de prostituição e de tavolagem;

f) comparecer quinzenalmente em Juízo, na 1ª (primeira) e na 3ª (terceira) semana de cada mês, para informar e justificar suas atividades, ressaltando que o acusado residente em outro Estado da Federação (PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA) deverá comparecer no Juízo Federal com jurisdição em matéria penal sobre a cidade onde reside;

g) não freqüentar “lan houses”;

h) não manter cadastro ou tela na rede de relacionamento “orkut” ou similar;

i) não freqüentar salas de “bate-papo” virtual ou de MSN e assemelhados;

j) matricular-se e freqüentar imediatamente instituição de ensino que dê continuidade ao seu grau regular de estudo, comprovando em Juízo, trimestralmente, a assiduidade e aproveitamento em tal curso;

l) não fazer uso de substâncias entorpecentes, inclusive o álcool; e

m) realizar a leitura de obras literárias a serem indicadas trimestralmente por este Juízo, devendo cada réu apresentar relatório, produzido de próprio punho, com o mínimo de 10 (dez) laudas, revelando suas impressões sobre os temas principais de cada livro, iniciando-se pelas obras (a) “A hora e a vez de Augusto Matraga”, último conto do livro “Sagarana”, do escritor Guimarães Rosa, e (b) “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, trabalhos literários que se encontram disponíveis em bibliotecas públicas desta cidade de Natal/RN.

Determino, especificamente ao réu RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, que se submeta a tratamento de desintoxicação contra o uso de drogas, a ser indicado por este Juízo em 10 (dias) dias, e que apresente trimestralmente relatório de aproveitamento terapêutico subscrito pelo profissional responsável.

Alerte-se que a violação de quaisquer das obrigações e limitações ora impostas aos acusados recrudesce o risco ponderável de repetição dos atos ilícitos que lhes são imputados, o que poderá acarretar a reconsideração da liberdade provisória.

Expeça-se o Alvará de Soltura em favor de PAULO HENRIQUE DA CUNHA VIEIRA, RAUL BEZERRA DE ARRUDA JÚNIOR e RUAN TALES SILVA DE OLIVEIRA, se por motivo outro não devam permanecer presos.

Determino aos réus o comparecimento a esta Segunda Vara Federal, no dia 17 de abril de 2008, às 17:00h, para audiência de advertência das condições.

Cumpra-se.

Comunique-se à Superintendência da Polícia Federal neste Estado.

Intimem-se, inclusive o Ministério Público Federal.

Natal-RN, 17 de abril de 2008.

MÁRIO AZEVEDO JAMBO

Juiz Federal Substituto da 2ª Vara

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