Imunidade limitada

Advogados são condenados a indenizar juízes por ofensas

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22 de abril de 2008, 0h01

O Superior Tribunal de Justiça mandou, novamente, um recado para a advocacia: imunidade profissional não tem caráter absoluto. Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ, por unanimidade, condenou na semana passada um advogado do Rio Grande do Norte a pagar indenização de R$ 50 mil a um juiz federal.

Os ministros entenderam que o advogado ofendeu a honra do juiz, ao ultrapassar a limitada imunidade profissional. Há menos de um mês, o STJ impôs outra condenação no mesmo valor a um advogado do Rio Grande do Sul, acusado de ofender pessoal e profissionalmente um juiz (leia abaixo a decisão).

No caso do Rio Grande do Norte, o juiz afirmou que foi acusado pelo advogado de presidir “audiência por debaixo do pano”, permitir a “instalação de banca de advocacia em sala de audiência” e forjar sentença. Por isso, entrou com ação de indenização por danos morais contra o advogado. Para ele, não se pode tolerar excessos cometidos contra a honra das pessoas.

A primeira e segunda instâncias ressaltaram que o advogado agiu no exercício regular de um direito. Por isso, rejeitaram o pedido de indenização. No recurso ao STJ, o juiz argumentou que não se pode considerar que um advogado esteja agindo no exercício regular de um direito ao ofender um magistrado.

O STJ reformou a decisão e determinou que o advogado indenize o juiz. “O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas”, pontuou a ministra Nancy Andrighi em seu voto.

Segundo Nancy Andrighi, “deve o advogado ater-se ao que é essencial à sua função, garantindo ao seu cliente o acesso a uma ordem jurídica justa, não podendo utilizar-se das oportunidades conferidas pelas supostas absolutas prerrogativas de sua função para tecer acusações de teor malévolo endereçadas ao juiz que preside o julgamento da causa”.

No dia 25 de março deste ano, a 3ª Turma do STJ aplicou o mesmo entendimento e manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Um advogado foi condenado a indenizar um juiz em R$ 50 mil. Ele alegou que, convocado para o exercício de jurisdição eleitoral, julgou um processo relativo a propaganda irregular. Entretanto, o recurso apresentado pelos sentenciados continha ofensas pessoais e profissionais ao juiz.

Resp 1.022.103

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 932.334 – RS (2007/0047387-9)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: Carlos Roberto Lofego Canibal

ADVOGADO: Marco Antônio Birnfeld e outros

RECORRENTE: Cláudio Cardoso da Cunha

ADVOGADO: Herofilo Fernandez Cardoso e outro

RECORRIDO: Os mesmos

RECORRIDO: Luiz Valdir Andrés

ADVOGADO: Elisandro Santos Vieira e outro

RECORRIDO: Gráfica Santo Ângelo

ADVOGADO: Ivogacy Nascimento da Silveira e outro

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADVOGADO. OFENSA A MAGISTRADO. EXCESSO. INAPLICABILIDADE DA IMUNIDADE PROFISSIONAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS CLIENTES REPRESENTADOS. VALOR DOS DANOS MORAIS.

– A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Precedentes.

– O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados, não havendo que se falar em solidariedade de seus clientes, salvo prova expressa da ‘culpa in eligendo’, o que não ocorreu na hipótese.

– O valor dos danos morais não deve ser fixado de forma ínfima, mas em patamar que compense adequadamente o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que apazigúe as dores que lhe foram impingidas.

Recurso Especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial de Cláudio Cardoso da Cunha e dar parcial provimento ao recurso de Carlos Roberto Lofego Canibal, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 25 de março de 2008.(data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recursos especiais interpostos por Carlos Roberto Lofego Canibal, com amparo na alínea “a” do permissivo constitucional, e por Cláudio Cardoso da Cunha, com amparo nas alienas “a” e “c”, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.


Ação: Carlos Roberto Lofego Canibal ajuizou ação indenizatória em face de Luiz Valdir Andrés, Gráfica Santo Ângelo Ltda. e Cláudio Cardoso da Cunha, narrando que é magistrado e, nesta qualidade, foi convocado para o exercício de jurisdição eleitoral. Julgou processo relativo a propaganda irregular no qual os requeridos figuravam como parte. O recuso inominado por eles apresentado conteve, no entanto, ofensas pessoais e profissionais ao autor, com repercussão, de forma a lhe atingir a honra. Requereu a compensação dos danos morais sofridos.

Sentença: Reconheceu a ilegitimidade passiva de Luiz Valdir Andrés e Gráfica Santo Ângelo Ltda., condenando Cláudio Cardoso da Cunha, o advogado signatário do recurso em questão, a compensar danos morais cujo montante fixou em R$6.000,00.

Acórdão: Ambas as partes apelaram, e o Tribunal de origem houve por bem elevar o valor dos danos morais para R$18.000,00, reformando a sentença nos termos da seguinte ementa:

“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL POR DANOS CAUSADOS EM OFENSAS PROFERIDAS PELO ADVOGADO CONTRA O MAGISTRADO EM PROCESSO. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO MANDATÁRIO, POIS AUSENTE COMPROVAÇÃO DE AGIR COLIGADO DO ADVOGADO COM OS MANDANTES A AMPARAR RECONHECIMENTO DE SOLIDARIEDADE. TENDO O ADVOGADO EXCEDIDO OS LIMITES DO SIMPLES EXERCÍCIO DA ADVOCACIA, LANÇANDO NOS AUTOS OFENSAS AO MAGISTRADO, ATACANDO-O PESSOALMENTE, COM EXPRESSÕES DISSOCIADAS DA MATÉRIA CONTROVERTIDA NO FEITO, CONFIGURADO ESTÁ O AGIR ILÍCITO A AMPARAR A INDENIZAÇÃO PELOS DANOS EXPERIMENTADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO QUE DEVE SER ADEQUADO A INDENIZAR QUEM SOFREU O ABALO E DE ACORDO COM A SITUAÇÃO ECONÔMICA DO ADVOGADO, A QUAL SE DESCONHECE, POIS NÃO DEMONSTRADA NO PROCESSO. VERBA INDENIZATÓRIA ELEVADA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS INDENIZATÓRIOS ESTABELECIDOS EM DEMANDAS ANÁLOGAS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO DO AUTOR PROVIDO, EM PARTE. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO”.

Embargos de declaração: Opostos por ambas as partes e rejeitados pelo Tribunal de origem.

Primeiro Recurso Especial: Carlos Roberto Lofego Canibal interpôs o Especial, sustentando haver violação frontal aos seguintes dispositivos da legislação federal: (i) art. 535, II, CPC, pois o Tribunal de origem deixou de sanar as omissões apontadas em embargos de declaração; (ii) arts. 3o e 46, CPC, pois há legitimidade passiva e os co-requeridos Luiz Valdir Andrés e Gráfica Santo Ângelo Ltda. não deveriam ter sido excluídos do feito; (iii) arts. 1288, 1296, 1313, 1518 e 1521, III, CC/1916, pois há solidariedade entre os co-requeridos; (iv) art. 159, CC/1916, pois o valor fixado como compensação dos danos morais é ínfimo.

Segundo Recurso Especial: Por sua vez, Cláudio Cardoso da Cunha interpôs o Especial, sustentando haver violação frontal aos seguintes dispositivos da legislação federal: (i) art. 535, II, CPC, pois o Tribunal de origem deixou de sanar as omissões apontadas em embargos de declaração; (ii) art. 7o, §2o, Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), uma vez que o advogado goza de imunidade em relação à injúria. Sustentou, por fim, que os danos morais foram fixados em valor exorbitante.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

A controvérsia cinge-se aos seguintes pontos: (i) a extensão da imunidade do advogado no exercício profissional; (ii) a existência de responsabilidade solidária do cliente por atos de seu advogado; (ii) razoabilidade do quantum fixado a título de danos morais.

I. Das circunstâncias fáticas.

Para que se tenha um correto entendimento da controvérsia, faz-se necessário, inicialmente, apontar os fatos reconhecidos pelo Tribunal de origem, para, então, limitar o exame às conseqüências jurídicas daí advindas.

O autor, Carlos Roberto Lofego Canibal, narra que é magistrado estadual, tendo sido convocado para o exercício de jurisdição eleitoral. Nessa condição, julgou processo relativo a propaganda irregular, condenando os requeridos.

Ao insurgir-se contra sua sentença em recurso inominado, os requeridos teriam, no entanto, deixado de lado a razoabilidade para ofendê-lo pessoalmente. Sua honra teria sido atingida e daí o pleito de compensação dos danos morais sofridos.

O Tribunal de origem reconheceu o caráter injurioso da peça recursal nos seguintes termos:

“Importa ressaltar as injúrias lançadas contra o Magistrado contidas nas manifestações lançadas na petição, as quais estão relacionadas em fl.12/13 dos autos, e que se mostram suficientes para que se possa ter como efetivamente comprovada a conduta injuriosa de quem as lançou nos autos do processo.

Ao incluir na petição as ofensas que o autor da ação transcreve na inicial, o advogado que elaborou a peça o fez com argumentos totalmente impertinentes à discussão da controvérsia vertida no processo, utilizando-se de linguajar fora dos limites do exercício do seu direito de expressar a contrariedade com os termos da sentença proferida pelo Magistrado.

Os ataques foram dirigidos à pessoa do Juiz, em afronta à honra do Magistrado, em total ofensa ao dever que incumbe ao advogado de manifestar-se livremente no processo, expondo suas razões, mas com respeito à integridade moral de todos os que nele atuam”.


No recurso em questão, os requeridos procuraram demonstrar a parcialidade do juiz, afirmando que teria ele solucionado disputas semelhantes de forma diversa em razão de suas convicções políticas e ideológicas. Confira-se:

“O juiz prolator da sentença é adepto da teoria crítica do direito, vulgo direito alternativo. É público e notório que essa corrente de pensamento é defendida por pessoas de esquerda, especialmente do PT. Ninguém do centro e da direita comunga com este tipo de idéias.

“Por que absurdos jurídicos desta natureza só ocorre com magistrados adeptos do Direito alternativo? É porque essa heresia jurídica contém nas suas entranhas o ranço do marxismo, uma doutrina materialista e totalitária. Por isso, perseguem os que não comungam com estas ‘idéias.

“Sendo o Deputado Valdir Andrés membro de um partido conservador, contrário ao marxismo e das suas formas dissimuladas, como esse tal de Direito Alternativo, é lógico que sofreria retaliação dos seus adversários. Porém, não esperava que fosse numa sentença. Esperava, no mínimo a imparcialidade do Poder Judiciário.

“O Juiz prolator, se deseja expor suas idéias, deve ter a dignidade de renunciar a Magistratura, filiar-se num partido e concorrer a cargo eletivo. É desleal levar para o Judiciário as disputas e ranços políticos” (fls. 6/7)

A fls. 12/13, lê-se a lista de expressões que o Tribunal de origem considerou terem existido. Destaco as seguintes expressões que teriam qualificado o autor: (i) “aplicador de dois pesos e duas medidas”, (ii) “violador do princípio da igualdade”, (iii) “ser membro de juizado ou tribunais de exceção”, (iv) “ser juiz parcial”, (v) “ser juiz benevolente com as candidaturas de Olívio Dutra e Lula”, (v) “ser magistrado de ranço político”, (vi) “ser juiz que não tem dignidade de renunciar à magistratura”, (vii) “ser juiz suspeito de falta de imparcialidade”, (viii) “ser juiz que prolata decisão viciada por abuso de poder e pratica desvio de finalidade”, (ix) “ser juiz que quebra o princípio da igualdade”; (x) “ser juiz que faz negação da própria justiça”, entre outras.

Bem delimitado o quadro fático reconhecido pelo Tribunal de origem, analisarei inicialmente a questão relativa à violação do art. 535, CPC, ponto em comum de ambos os Especiais, para depois tratar dos argumentos específicos de cada recurso. Por fim, tratarei do quantum debeatur dos danos morais.

II. Violação ao art. 535, CPC.

Ambas as partes sustentaram que o acórdão recorrido trouxe omissões e que, ao não saná-las, teria havido violação ao art. 535, CPC.

Ocorre que o acórdão hostilizado se manifestou sobre todos os pontos suscitados nas apelações e respectivas contra-razões, tratando de preliminares e mérito, de forma a alcançar solução que, de acordo com a unanimidade dos votantes, foi tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.

A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser aclarada. O Tribunal a quo pronunciou-se de maneira a abordar a discussão de todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei.

O não acolhimento das teses contidas nos recursos não implica em obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.

Dessa forma, correta a rejeição dos embargos de declaração ante a inexistência de omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada e, por conseguinte, deve se concluir pela ausência de ofensa ao artigo 535 do CPC.

III. O Recurso de Cláudio Cardoso da Cunha.

a) Violação ao art. 7o, §2o, Estatuto da Advocacia.

Cláudio Cardoso da Cunha sustentou em seu Especial que o acórdão hostilizado ignorou a imunidade da qual os advogados gozam em seu exercício profissional, não podendo ser sancionados, na esfera criminal ou cível, por injúria. Afirmou ter havido violação ao art. 7o, §2o, Estatuto da Advocacia.

A imunidade do advogado tem assento Constitucional, estabelecendo o art. 133, CF que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A norma tem clara eficácia contida, podendo a imunidade ser abrandada “nos termos da lei”. É pacífico, assim, que a prerrogativa não é absoluta. O próprio STF se manifestou nesse sentido por diversas vezes, valendo destacar os seguintes precedentes:


“A proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos, pela ordem jurídica, a esse indispensável operador do direito.

A garantia da intangibilidade profissional do Advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídica encontra limites na lei, consoante dispõe o próprio art. 133 da Constituição da República.

A invocação da imunidade constitucional pressupõe, necessariamente, o exercício regular e legítimo da Advocacia. Essa prerrogativa jurídico-constitucional, no entanto, revela-se incompatível com práticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício. Precedentes” (RHC 81.750, Rel. Min. Celso de Melo, julg. em 12.11.02, DJ 10.8.07).

“Pacificou-se também a jurisprudência no sentido de que não é absoluta a inviolabilidade do advogado, por seu atos e manifestações, o que não infirma a abrangência que a Carta de Outubro conferiu ao instituto, de cujo manto protetor somente se excluem atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública (ADI 1.127)” (AO 933, Rel. Min. Carlos Britto, julg. em 25.9.03, DJ 6.2.04). No mesmo sentido, vide AO 1.300, Rel. Min. Carlos Britto, julg. em 7.4.06, DJ 7.4.06; HC 88.164, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 15.8.06, Informativo 436.

Se no panorama constitucional a imunidade já não é absoluta, o artigo 7º, § 2º, Estatuto da Advocacia, que deu concreção ao preceito veiculado pelo artigo 133, CF, também não pode ser tomado em termos inflexíveis. Confira-se o entendimento desta Corte:

“DIREITO CIVIL. DANO MORAL INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. EXCESSO. INAPLICABILIDADE DA “IMUNIDADE” PROFISSIONAL DEFERIDA PELO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB. PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO. I – A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advocacia e da OAB não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. II – Segundo firme jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado no exercício da sua bela e árdua profissão não constitui um ‘bill of indemnity’. III – A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, bastando a aferição da ocorrência do dano pela atuação do réu” (REsp 151.840/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 23.08.1999)

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. EXCESSO. INAPLICABILIDADE DA ‘IMUNIDADE’ PROFISSIONAL. PRECEDENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADVOGADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DOS FATOS DA CAUSA. DANO MORAL. LIQUIDAÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO.

I – Segundo a jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado no exercício da sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia, não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo. II – O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem. III – A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato ilícito praticado (…)” (REsp 163.221/ES, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 08.05.2000) (No mesmo sentido, ExVerd 51/SP, Corte Especial, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 29.06.2007).

Com efeito, a imunidade do advogado não é preceito constitucional superior a todas as garantias individuais asseguradas aos cidadãos brasileiros, entre as quais se incluem a honra e a dignidade, direitos esses dos quais o magistrado não pode ser privado apenas pelo fato de exercer a função jurisdicional. Devem ser harmonizadas, por isso, a imunidade e a honra dos atores que figuram no processo judicial.

Tendo se estabelecido que a imunidade do advogado não é absoluta, respondendo ele pelos excessos na condução da causa, deve-se reconhecer que os fatos apontados pelo Tribunal de origem realmente revelam a falta de urbanidade com a qual o recorrente Cláudio Cardoso da Cunha voltou-se contra o magistrado, ferindo sua honra.

O sistema judicial brasileiro conta com a advocacia para que a prestação jurisdicional seja sempre célere e justa, sendo lhe asseguradas oportunidades recursais, para que se insurja contra atos jurisdicionais, bem como incidentes de suspeição e impedimento, para que se controle a imparcialidade judicial. O sistema lhe faculta até mesmo o manejo de representações administrativas contra o magistrado (conf. art. 103-B, § 4o, III, CF).


De qualquer forma, seja para demonstrar sua inconformidade com os atos jurisdicionais ou para buscar o impedimento do juiz, o advogado deve ater-se ao que é essencial à sua função, isto é, garantir a seu cliente o acesso a uma ordem jurídica justa, não podendo se aproveitar das oportunidades que a lei lhe assegura para vociferar impropérios a ponto de dizer que o magistrado haveria de ter a dignidade de deixar a magistratura.

Como bem asseverou o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, não “é razoável admitir e estimular o uso de expressões ofensivas em nossos tribunais, sobretudo quando dirigidas por um profissional do Direito a um colega de profissão” (REsp 163.221/ES, Quarta Turma, DJ 08.05.2000).

Anoto, por fim, que não se trata aqui de punir os excessos praticados pelo causídico. Punição pode ser aplicada pela Ordem dos Advogados do Brasil e deve ser imposta por Juízo Criminal caso se configure a prática de crime contra a honra. Discute-se nestes autos apenas a compensação dos danos morais causados pelo advogado a terceiro e o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional impede que se relegue à Ordem dos Advogados do Brasil a função de arbitrar a compensação de tais danos.

Não há que se falar, por isso, em violação ao art. 7o, §2o, Estatudo da Advocacia.

IV. O Recurso Especial de Carlos Roberto Lofego Canibal.

a) Solidariedade e Legitimidade Ativa.

Por sua vez, o recorrente Carlos Roberto Lofego Canibal sustentou que o “advogado Cláudio Cunha, ao patrocinar o recurso interposto contra a sentença exarada pelo ora recorrente na esfera da Justiça Eleitoral, evidentemente agiu em nome de Luiz Valdir Andrés e da Gráfica Santo Ângelo Ltda., por força da outorga de mandato mediante procuração” (fls. 554). Os mandantes seriam, portanto, responsáveis pelos atos do mandatário, sobretudo porque os atos deste jamais foram impugnados por aqueles.

Tal pretensão já havia sido formulada em sede de apelação, revelando haver prequestionamento do tema, que assim foi rechaçado pelo Tribunal de origem:

“De fato, apenas o advogado que elaborou a petição onde lançadas as ofensas é legitimado passivamente para responder à ação, não havendo fundamento a estender aos co-demandados a responsabilidade que é única e exclusiva do advogado que elaborou e assinou a peça processual.

O fundamento lançado na apelação pelo autor, para ver reconhecida a legitimidade passiva dos co-demandados, é de que os réus Luiz Valdir Andres e Gráfica Santo Ângelo são responsáveis solidariamente com o mandatário, advogado que firmou a peça processual.

Não vejo a solidariedade, no caso em tela, já que não há comprovação da má-eleição do mandatário, pelos mandantes, a amparar a responsabilidade solidária. Ademais, o artigo 32, e seu parágrafo único, da Lei 8.906/94, dispõe que:

‘Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo e culpa.

Parágrafo único:Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Portanto, pelo só fundamento da solidariedade, a legitimidade passiva dos co-demandados não se sustenta, como quer o autor apelante” (fls.480v/481).

A discussão insere-se, portanto, no seio da responsabilidade do profissional e, diante de sua complexidade, não encontra solução que possa ser reduzida a uma fórmula genérica e simples.

Deve-se observar que o direito pátrio admite inúmeros negócios jurídicos em que o contratado, seja ele dotado de poderes de representação ou não, age em benefício de terceiro. Assim se passa no mandato, na comissão e até mesmo na prestação de serviços. Nesses negócios jurídicos, o mandatário, comissário e prestador de terceiros são contratados para agir em benefício do contratante.

Ocorre que a praxe social exige cada vez mais eficiência e celeridade em tais contratações, fazendo com que o contratado passasse a agir de forma profissional. O profissional oferece seus serviços indistintamente no mercado em troca de certa remuneração. Por dever de ofício, esses contratados atuam de forma independente para atingir os objetivos de interesse de seus clientes.

Assim, não estando subordinados aos desígnios de seus clientes, os profissionais tomam decisões independentes, seguindo preceitos legais, técnicos, e éticos, mesmo que isso implique na perda do serviço e do lucro imediato (Conf. DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Revisão por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 468).

Dessa forma, tem-se que a lesão causada a terceiros decorre, em regra, da ação direta do profissional, pois ele tem a última palavra sobre como proceder e pode, de fato, adotar conduta diversa, de modo a atender as finalidades buscadas por seu cliente.


Por sua vez, o cliente apenas atua no exercício regular de direito quando contrata os préstimos de profissional, não podendo ser responsabilizado por imperícia deste. Somente em casos excepcionais poder-se-ia falar em responsabilidade do cliente-contratante, mas aí haveria de ser demonstrada, de fato, sua culpa in eligendo.

Note-se que tal constatação é especialmente verdadeira no que diz respeito ao exercício das profissões liberais e da advocacia. O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) lembra-nos que “o advogado, no exercício da profissão deve manter independência em qualquer circunstância” (art. 31, §1o), que ele é “responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa” (art. 32).

Essa Corte manifestou-se, em algumas oportunidades, sobre questão semelhante à presente, chegando às mesmas conclusões. Confira-se:

“(…) no concernente ao tema da legitimidade passiva do recorrente, o aresto enfrentado decidiu em consonância com a jurisprudência desta Corte, ao entender que o advogado, e não a parte, é o responsável por palavras ou declarações ofensivas que fizer, a quem quer que seja, no curso do processo. Confira-se a respeito o RHC 4.090-RO(DJ 13.3.95), da Sexta Turma, assim ementado, no que interessa:

‘Não responde a parte pelos eventuais excessos de linguagem cometidos pelo advogado na condução da causa’.

Com efeito, o advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pessoalmente pelos danos que causar no exercício de sua profissão.

Caso contrário, o advogado jamais seria punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que ele representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (…)” (REsp 163.221/ES, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05.08.2002) (No mesmo sentido, vide REsp 357.418/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 10.03.2003).

Dessa forma, se trouxermos tais ponderações para a hipótese em tela, há de se concluir que o Tribunal de origem deu a melhor solução à lide, tomando o profissional, advogado, como legitimado para figurar no pólo passivo, mas excluindo do feito seus clientes. Note-se que a culpa in eligendo não foi ventilada pelo recorrente Carlos Roberto Lofego Canibal e tampouco reconhecida pelo acórdão hostilizado. O magistrado recorrente quer, em verdade, pura e simplesmente extrair do regime jurídico do mandato a solidariedade entre os contratantes para com terceiro, o que, como visto, não encontra amparo em nosso sistema legal.

V. Valor dos Danos Morais.

Ambos os recorrentes insurgem-se contra a quantia fixada a título de compensação dos danos morais (R$18.000,00). Carlos Roberto Lofego Canibal a considera ínfima enquanto Cláudio Cardoso da Cunha a toma por exagerada e desproporcional.

Com efeito, o STJ só tem afastado o óbice da Súmula 7 naquelas hipóteses em que o valor fixado como compensação dos danos morais revela-se irrisório ou exagerado, de forma a não atender os critérios que balizam o seu arbitramento, a saber, assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Verifica-se que o lesado é magistrado, hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual teve sua honra maculada, por força das ofensas lançadas em peça recursal que, embora não tenha a repercussão geral da mídia impressa, certamente chega ao conhecimento das demais partes, de seus procuradores, servidores públicos, representantes do Ministério Público e Desembargadores.

Não se pode deixar de perceber, ademais, que a função do juiz é a de realizar a justiça e, por isso, é forçoso convir que não existe mácula maior para um magistrado do que ser acusado de imparcial e indigno de sua posição, uma vez que a sociedade exige desse profissional, mais do que de qualquer outro, lisura de conduta (Conf. REsp 579157 / MT, Quarta Turma, Rel. Min. Quaglia Barbosa, DJ 11.02.2008).

Essa peculiar condição do lesado é de extrema relevância. Como leciona Carlos Roberto Gonçalves, a “notoriedade e fama deste [lesado] constituem fator relevante na determinação da reparação, em razão da maior repercussão do dano moral, influindo na exacerbação do quantum da condenação” (Responsabilidade Civil. Ed. Saraiva, São Paulo: 9ª Edição, pg. 590).

À luz dessas ponderações e considerando os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, deve-se reconhecer que o valor fixado pelo Tribunal de origem não compensa adequadamente a lesão causada à honra do magistrado recorrente. O valor dos danos morais não deve ser fixado de forma ínfima, mas em patamar que compense adequadamente o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que apazigúe as dores que lhe foram impingidas. Não há, portanto, valor exagerado, como propugnou o recorrente Cláudio Cardoso da Cunha, mas irrisório. Desta forma, considero ser justa a fixação do quantum debeatur dos danos morais em R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), quantia essa acrescida de juros legais desde a data do evento danoso e de correção monetária a partir desta data.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do Recurso Especial interposto por Cláudio Cardoso da Cunha. Por outro lado, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso Especial interposto por Carlos Roberto Lofego Canibal, para condenar Cláudio Cardoso da Cunha a compensar os danos morais causados, fixando-os no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), quantia essa acrescida de correção monetária a partir desta data. Mantenho a distribuição das custas e dos honorários advocatícios.

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