Lar da criança

Justiça do Rio decidirá sobre guarda da filha de Brichta

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17 de abril de 2008, 15h58

Conflito de competência em processo sobre guarda de menores não é matéria constitucional e não cabe recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Com esse entendimento, a ministra Cármen Lúcia, do STF, negou Agravo de Instrumento em que Maria Eugênia da Silva Ribeiro pediu ao tribunal analisar conflito de competência na causa que trava com o ator global Vladimir Brichta pela guarda da filha dele e neta dela.

Brichta e Maria Eugênia brigam pela guarda da menina desde que sua mãe morreu. Desde outubro passado, a criança mora com o pai, no Rio de Janeiro. A avó, que mora em Sergipe, pediu para que a disputa da guarda fosse decidida em Sergipe.

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, entendeu que, neste caso, prevalece o interesse da criança. O juízo competente é, portanto, o local onde ela mora atualmente.

Maria Eugênia tentou levar o caso ao Supremo, mas o STJ negou a subida do Recurso Extraordinário com o argumento de que não há matéria constitucional discutida. A avó apresentou o Agravo de Instrumento, então. A ministra Cármen Lúcia negou com o mesmo argumento do STJ: não há matéria constitucional discutida.

“Quer se cuide da matéria processual, quer do tema embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há cuidado direto da matéria constitucional no debate e decisão judicial em pauta. Assim, se tivesse havido a alegada desobediência à Constituição, tal inobservância seria indireta, o que não viabiliza o processamento válido do recurso extraordinário”, explicou Cármen Lúcia.

Leia o voto

AGRAVO DE INSTRUMENTO 588.373-1 SERGIPE

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

AGRAVANTE(S): MARIA EUGÊNIA DA SILVA RIBEIRO

ADVOGADO(A/S): SÉRGIO FERRAZ E OUTRO(A/S)

AGRAVADO(A/S): PAULO VLADIMIR BRICHTA

ADVOGADO(A/S): SUZANA ANGÉLICA PAIM FIGUÊREDO E OUTRO(A/S)

DECISÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA DE MENOR. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS: SÚMULA 279. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório

1. Agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República.

2. O recurso inadmitido tem como objeto o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“Processual Civil. Conflito positivo de competência. Ação de guarda. Interesse do menor.

– Compete ao juízo do local em que reside atualmente a criança, pelas particularidades do caso concreto, processar e julgar pedido de modificação de guarda de menor.

– A fixação da competência, nas ações que versam sobre guarda de menor, deve atender de maneira ótima aos interesses deste” (fl. 1.129).

3. A decisão agravada adotou como fundamentos para a inadmissibilidade do extraordinário a ausência do necessário prequestionamento da matéria constitucional suscitada no recurso e a circunstância de que a pretensa ofensa à Constituição, se tivesse ocorrido, seria indireta (fl. 1383/4).

4. A Agravante, à sua vez, alega que a decisão recorrida teria contrariado o art. 5º, inc. II, XXXV, LIII e LIV, da Constituição da República.

Assevera que a ofensa à Constituição que alega teria surgido no julgamento do conflito de competência pelo Superior Tribunal de Justiça e, tendo sido opostos embargos de declaração, estaria atendido o requisito do prequestionamento.

Afirma também que “o Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o Conflito, fez tabula rasa de imperativo categórico-jurídico primário: em Conflito de Competência, o Tribunal aprecia questões processuais, SENDO-LHE VEDADO INVADIR O CAMPO DO MÉRITO DOS LITÍGIOS que estão na base do contencioso competencial” (fl. 11 – grifos no original).

Observa que incumbiria ao Superior Tribunal de Justiça “aplicar os ditames pertinentes, do diploma processual civil (notadamente, o artigo 219 do C.P.C., o que apontaria para a competência do Juízo sergipano, que efetivou a primeira citação válida)”, mas que aquele Tribunal “sem colocar, em momento algum do acórdão, em dúvida a competência do Juízo de Aracaju, optou por deslocar a causa para o Rio de Janeiro, sob os argumentos de que a criança estaria melhor com o pai e de que o Rio de Janeiro propiciaria melhores meios de assistência que Aracaju” (fl. 12 – grifos no original).

Analisada a matéria posta à apreciação, DECIDO.

5. Preliminarmente, cumpre analisar se teria sido atendida, ou não, a exigência do prequestionamento da matéria constitucional, o que constituiu um dos fundamentos da decisão agravada.


6. Anota a Agravante que a pretensa afronta aos dispositivos constitucionais por ela apontados teria surgido no julgamento do Conflito de Competência n. 36.933 e, tendo sido suscitada em embargos de declaração opostos, teria sido atendido o requisito do prequestionamento.

O cumprimento desse requisito se dá quando oportunamente suscitada a matéria, o que ocorre em momento processualmente adequado, nos termos da legislação vigente.

Como acentuei em outra ocasião, “a doutrina considera prequestionada quando uma das partes tenha argüido a matéria e sobre ela tenha se manifestado o Tribunal em sua decisão sobre a qual verse o recurso extraordinário apresentado.

Isto porque o objetivo específico do prequestionamento é que os Tribunais superiores debrucem-se e decidam matéria posta e apreciada no Tribunal a quo. Tanto advém, em parte, do princípio da eventualidade ou da defesa concentrada, que no processo civil exige que as partes, autor e réu, proponham todos os meios de defesa e ataque de uma só vez, ainda que contrários, sob pena de não poderem fazê-lo mais tarde, por força da preclusão.

Entretanto, não é suficiente que as questões sejam suscitadas pelas partes para que se tenha por cumprida a exigência, embora o termo, tomado em sua literalidade, pudesse fazer supor o inverso. Sobre este tema, o eminente ex-Ministro Eduardo Ribeiro, em artigo sobre o tema, ensina que: ‘Não se colocará em dúvida que o conteúdo dos julgamentos se encontra em grande parte delimitado pela atividade das partes. O juiz, adstrito ao pedido e à causa de pedir – princípio da demanda – não conhecerá de questões não apresentadas, se requerida a iniciativa das partes. Tratando-se de recurso, o que há de ser examinado estará condicionado à impugnação formulada. Isso entretanto nada tem a ver com os pressupostos específicos do extraordinário e especial. Constitui restrição ao julgamento de qualquer processo e dos recursos em geral…O que se terá como indispensável é o exame da questão pela decisão recorrida, pois isso, sim, deflui da natureza do especial e do extraordinário e resulta do texto constitucional…Destinando-se o extraordinário, como salientado, a garantir a exata aplicação da Constituição, falta razão para ele, se da norma constitucional não se tratou na decisão impugnada. O mesmo se diga do especial, pois não há como fazer-se controle, quanto à correta interpretação do tratado ou da lei federal, em relação a matéria que não se cogitou. Não pode o julgado havê-las contrariado, ou a elas negado vigência, se não versada a questão que regulam.’

E a decisão – é certo – versa e decide questão federal ou constitucional na medida em que forem elas suscitadas pelas partes no primeiro momento em que lhes surja a oportunidade processual. Pode decorrer não só da postulação de um dos legitimados processuais, mas também quando o órgão judicial aplica a norma de ofício nos casos legalmente previstos (matérias de ordem pública). O prequestionamento é o questionamento prévio da questão jurídica invocada nos recursos especial e/ou extraordinário, no acórdão recorrido, de tal modo que se tenha decidida a matéria posta a exame pelo veio da questão constitucional ou federal apresentada” (voto vista no agravo regimental no agravo de instrumento n. 682.486-1).

Nesse sentido é que se sedimentou a jurisprudência deste Supremo Tribunal, segundo a qual, surgida a alegada ofensa constitucional no acórdão recorrido, há de serem opostos embargos de declaração, se não tiver se obtido a sua análise e conclusão pelo órgão judicante:

“EMENTA: Agravo regimental.

– Esta Corte já firmou o entendimento de que, se a questão constitucional surge originária e implicitamente num acórdão, ainda que prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça com relação a recurso especial, é indispensável para o seu prequestionamento que seja ela levantada em embargos de declaração para propiciar ao Tribunal que a prolatou a possibilidade de examiná-la, sendo certo, também, que se ele se recusar a fazê-lo, ainda assim a questão constitucional está prequestionada para a interposição do recurso extraordinário. No caso, isso não ocorreu, estando correto o despacho agravado que deu pela falta de prequestionamento das questões constitucionais que só foram invocadas no recurso extraordinário.

Agravo a que se nega provimento” (AI 331.366-AgR-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.6.2002).

7. Na espécie vertente, a matéria constitucional sobre a qual pretende a Agravante penda questão a ser solucionada teria surgido no julgamento do conflito de competência submetido ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Demonstra, ainda, terem sido opostos embargos de declaração, tempestivamente, exatamente para caracterizar a pendência do questionamento e o embasamento constitucional.


Tem-se, pois, nos termos da legislação vigente e da pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal atendido o requisito do prequestionamento, razão pela qual é de se afastar esse fundamento da decisão agravada.

8. Todavia, a superação desse entrave processual relevado na decisão agravada não é bastante para dotar de razão jurídica a Agravante e permitir o prosseguimento válido, menos ainda o êxito do pleito trazido no Agravo agora examinado.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu a controvérsia nos termos seguintes:

“A controvérsia posta a desate neste Conflito de Competência é a fixação do juízo competente para decidir acerca de guarda de menor, estando em discussão o estatuído no art. 147 do ECA, cujo inciso I determina que a competência deve ser o domicílio dos pais ou do responsável legal, e cujo inciso II dispõe que somente na falta destes, será escolhido o foro pelo lugar onde se encontre a criança ou o adolescente.

O juízo suscitante da 5ª Vara Cível de Aracaju/SE e o juízo suscitado da 7ª Vara de Família do Rio de Janeiro disputam a competência para processar e julgar ação de guarda de menor que ora se encontra na companhia do pai na comarca do Rio de Janeiro.

A disputa pela guarda de criança sempre vem envolta em muitas e múltiplas emoções e, por isso, nem sempre a aplicação pura e simples da lei, na hipótese o art. 147 do ECA, garante solução adequada ao conflito, isto porque, na aplicação literal pode-se triscar no princípio da proteção do interesse do menor, cuja intangibilidade deve ser preservada com todo o rigor.

A salvaguarda do referido princípio e a interpretação do art. 147 do ECA foram objeto de julgamento nesta Corte, como mostram diversos precedentes, que fixou entendimento no sentido de que a determinação da competência, em casos de disputa judicial sobre a guarda — ou mesmo a adoção — de menor, deve garantir primazia ao princípio da proteção ao interesse do menor, mesmo que isto implique em flexibilização do contido no artigo indicado.

(…)

Note-se que a ação de guarda da menor foi ajuizada pela avó materna em Aracaju/SE, na época em que o pai residia com a menor em Salvador/BA. De acordo com o estatuído no art. 147 do ECA, inc. I, o juízo da comarca de Salvador/BA era então competente para processar e julgar a ação de guarda da menor. No entanto, atualmente nem as partes e nem a menor residem em Salvador.

Outro elemento que deve ser considerado para se decidir o presente Conflito é o fato de que a avó materna da menor, por ocasião do ajuizamento da ação de guarda na comarca de Aracajú/SE, não detinha sequer a guarda de fato da neta, para justificar o ajuizamento da ação no seu domicílio e, então, poder invocar o precedente da relatoria do Min. Nilson Naves – CC 20.765/MS. Contudo, está reconhecido no processo que a avó jamais possuiu a guarda de fato da neta, e que a criança só estava passando férias em Aracajú quando foi proposta a ação de guarda.

Por esses motivos, faz-se necessário solucionar o Conflito de Competência em atenção às particularidades do caso concreto, para que se garanta a eficácia do princípio da proteção ao interesse do menor.

Narram os autos que a guarda da menor A.C.B foi modificada por meio de antecipação de tutela, deferida pela 5ª Vara Cível de Aracajú/SE, sem a oitiva do pai e sem o prévio e indispensável parecer do Ministério Público, conforme exige o art. 82, inc. I do Código de Processo Civil, não obstante ter reconhecido, a juíza prolatora do despacho com conteúdo decisório, que a menor estava sendo bem tratada.

Urge registrar que a ação de modificação da guarda foi ajuizada pela avó materna em fevereiro de 2001 e, decorridos mais de um ano e meio após a concessão da tutela antecipada, o mérito não foi apreciado, sendo que neste período a criança ficou residindo com a avó, visitando o pai nas férias escolares.

Atualmente, e desde outubro do ano passado, a menor está em companhia do pai, e, segundo o estudo psicossocial constante à fl. 621, eles mantém relação de ‘afetividade e intimidade, tendo a criança demonstrado afeto e tranqüilidade ao lado do pai, e o genitor demonstrado afeto, cuidado e empenho em gerar o bem estar para a criança’.

O Ministério Público do Rio de Janeiro opinou pelo deferimento do pedido de guarda feito pelo pai da menor…

Dessume-se do percuciente estudo psicossocial que as necessidades da menor estão sendo adeqüadamente atendidas no Rio de Janeiro, local em que reside com o pai, salientando-se que permanece hígido o direito do pai da menor de tê-la sob sua guarda.

Por outro lado, a criança é portadora de sérios problemas de saúde, já sofreu muito com duas alterações de guarda e muito com a perda prematura da mãe.

Dessa forma, os interesses da menor, os quais devem ser resguardados acima de tudo e de todos, serão melhor atendidos se o processo de modificação de guarda tramitar na comarca de seu domicílio, evitando-se, ainda, que a criança padeça com mais intranqüilidade e aflição.

Forte em tais razões, conheço do Conflito e declaro competente o Juízo de Direito da 7ª Vara de Família do Rio de Janeiro-RJ, ora suscitado” (fls. 1.124-1.126, grifos nossos).

9. Indubitável é, pois, que a controvérsia foi decidida e a competência para julgar a ação de guarda foi fixada com base na interpretação e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – art. 147, observados os interesses da menor, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Não versou aquele julgamento, nem se contém no acórdão elaborado sobre o que nele concluído qualquer matéria constitucional a ensejar a interposição, nem o seguimento válido do recurso extraordinário, como pretendido pela Agravante.

Concluir de forma diversa do que resolvido pelo Superior Tribunal demandaria, necessariamente, a análise da legislação infraconstitucional, situação que não pode ser apreciada e acolhida em recurso extraordinário.

Tem razão o eminente Vice-Presidente daquele Egrégio Superior Tribunal ao assinalar que “Ademais, cumpre observar que o Acórdão reclamado encontra-se alicerçado em matéria de índole eminentemente infraconstitucional, relativa à competência para julgamento de ação de guarda de menor. Destarte, eventual violação à norma constitucional, só poderia ser constatada de forma reflexa, o que não autoriza a abertura da via extraordinária” (fl. 1384).

Quer se cuide da matéria processual, quer do tema embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há cuidado direto da matéria constitucional no debate e decisão judicial em pauta. Assim, se tivesse havido a alegada desobediência à Constituição, tal inobservância seria indireta, o que não viabiliza o processamento válido do recurso extraordinário.

10. Anote-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça analisou também as provas contidas nos autos para fundamentar a fixação da competência do Juízo de Direito da 7ª Vara de Família do Rio de Janeiro, as quais demonstravam tomarem-se em conta os interesses da menor. E como é plenamente sabido, não se admite reexame de provas na via extraordinária, nos expressos termos da Súmula 279 deste Supremo Tribunal (“para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”).

Não assistem, pois, razão jurídica a fundamentar as alegações da Agravante, pelo que nada há a prover.

11. Pelo exposto, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, abril de 2008.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora

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