Culpa da vítima

Defesa de Farah tenta convencer júri da tese de legítima defesa

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17 de abril de 2008, 20h43

Convencer o Júri Popular de que nem tudo o que sai publicado no jornal é verdade parece não ser tarefa fácil. E foi por esse desafio que teve de passar o advogado criminalista Roberto Podval nesta quinta-feira (17/4) durante o julgamento do médico Farah Jorge Farah, acusado de homicídio duplamente qualificado, ocultação e vilipêndio de cadáver. Este foi o terceiro e último dia do júri.

Farah Jorge Farah foi denunciado pelo Ministério Público por matar e esquartejar a dona de casa Maria do Carmo Alves, sua amante, na noite de 24 de janeiro de 2003. Podval é o advogado de defesa do ex-cirurgião.

O terceiro dia de Júri foi destinado aos debates da acusação e da defesa. O promotor de Justiça Alexandre Marcos Pereira expôs para os jurados por que é que Farah merece ser condenado. Sua tese, mais baseada no senso comum, mostrou o ex-cirurgião como um “médico-monstro”, que se aproveitava da ignorância das pacientes e que cometeu o crime para se vingar de Maria do Carmo, que teria denunciado sua clínica para a vigilância sanitária.

Segundo o promotor, o que Farah não contava é que a denúncia partiu de outra paciente e não de Maria do Carmo. A clínica ficou fechada de abril de 2002 a dezembro do mesmo ano. Isso teria resultado na queda do padrão de vida do médico, que seria muito interessado em dinheiro. Ele, então, para se vingar da ex-amante, armou uma emboscada e a matou.

A seu favor, Alexandre Pereira ainda tem as notícias que saíram nos jornais na época do crime, que corroboram para a tese da acusação. A esperança do promotor é a de que o Júri, contaminado por essas informações, se incline aos seus argumentos e condene Farah.

Podval e sua equipe ousaram na tese apresentada para o Júri. O advogado já começou o debate afirmando que entrou no jogo perdendo para a acusação. “Vocês [se dirigindo aos jurados] passaram cinco anos ouvindo a mesma história sobre o crime. Agora, está na hora de começar do zero”, propôs. O júri chegou a se inclinar na cadeira para ouvir a versão da defesa sobre os fatos.

A tese da defesa foi de que o médico agiu em legítima defesa. De acordo com os relatórios, Maria do Carmo ligou para Farah 988 vezes em janeiro de 2002 e fez 1.352 ligações em fevereiro. Calhamaços com as ligações foram distribuídos para os jurados.

A freqüência de telefonemas, de acordo com as listas apresentadas pela defesa, era maior durante a semana. Aos finais de semana Maria do Carmo fazia entre duas e dez ligações para o ex-médico. Mas, durante a semana, os relatórios apontam que ela telefonava até 200 vezes.

Roberto Podval sustentou no plenário que qualquer um, diante de uma situação dessas, mataria a pessoa que o perseguisse. No dia do crime, Maria do Carmo teria chegado armada com uma faca na clínica depois de Farah a ter ignorado durante todo o dia. Podval descreve que ali Farah desarmou a mulher e a golpeou com a mesma faca na região do pescoço — corte este que a matou, segundo a perícia. Ele afirma que peritos constataram que a mulher ainda estava viva quando recebeu um sonífero. Farah a teria medicado, segundo o advogado, “porque ficou com pena da mulher, que agonizava”. “Se ele tivesse dado um tiro nessa mulher e chamado a polícia o julgamento seria outro”, segundo Podval, insistindo na tese de legítima defesa.

Para Farah, se os jurados não quiserem acreditar na possibilidade de legítima defesa, que então que acreditem na tese de homicídio privilegiado. Isso porque ele cometeu o crime sob forte emoção. A terceira tese é a da semi-imputabilidade (o réu é condenado, mas com a pena atenuada, de um a dois terços), já que Farah não estava em estado normal quando cometeu o crime. O argumento é comprovado por meio de laudos emitidos por psiquiatras. Para a defesa, o médico foi levado ao descontrole emocional pela vítima.

A segunda atenuante é a confissão do crime à autoridade policial. A defesa também pediu que não fosse condenado por ocultação de cadáver, mas sim por vilipêndio. Segundo a defesa, Farah contou onde tinha colocado o corpo. A defesa ainda tem a seu favor o arquivamento das ações administrativas contra Farah no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, por falta de provas.

Avaliação de uma mente

Outro ponto que conta para a defesa é o laudo e depoimento da psiquiatra Hilda Morana. Ela foi ouvida como testemunha para explicar o suposto surto do médico. Ela disse que aplicou o teste de Rorchach (usado para identificar traços de personalidade) no médico Farah Jorge Farah. Ela foi categórica ao defini-lo. “Não é um psicopata, não é um perverso, não reincidiria no crime, nem nada. Ele é um descontroladinho para questões emocionais.” A psiquiatra afirmou que, pelo teste, foi possível determinar que o réu pudesse cometer o crime sobre forte pressão emocional.

Já o psicanalista e perito judiciário Carlos Alberto de Souza Coelho, chamado pela acusação, acredita que Farah tentou fazer uma desconstrução da figura feminina com o esquartejamento. “Enxergo uma relação com a mãe, que o dominava. Posso entender, quando ele comete um crime dessa maneira, que ele desconstrói a figura feminina, visando se libertar do domínio materno”, diz o perito.

Segundo ele, Farah sabia que cometia um crime, mas não foi capaz de segurar seu impulso. Quanto ao esquartejamento, afirma que o réu não estava consciente no momento em que o praticava. Ambos os especialistas concordam que é possível que Farah seja semi-inimputável, ou seja, que não estava no comando pleno de suas faculdades mentais quando cometeu o crime e o posterior esquartejamento de Maria do Carmo.

Primeira absolvição

Entre as acusações havia, ainda, a de fraude processual porque o acusado limpou sua clínica para se livrar dos vestígios de sangue no local. Mas o Supremo Tribunal Federal determinou que fosse retirada da pronúncia a última acusação.

O entendimento da maioria dos ministros da 2ª Turma do STF foi o de que “é impróprio atribuir ao paciente em concurso a prática dos delitos de ocultação de cadáver e de fraude processual penal sob pena de risco de bis in idem (duas vezes a mesma coisa)”. Como o julgamento desta questão terminou empatado, o resultado favoreceu o cirurgião plástico.

Desde 31 de maio do ano passado, Farah está em liberdade também por decisão da 2ª Turma do STF. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que não estavam mais presentes os fundamentos que justificaram sua prisão cautelar, como garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.

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