Segurança jurídica

Ato declaratório não pode ser usado para obrigar tributação

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17 de abril de 2008, 0h00

A Receita Federal do Brasil está intensificando o uso de um instrumento normativo chamado “ato declaratório interpretativo”. Nos termos do Regulamento Interno da Receita Federal do Brasil, esse tipo de regramento que, como o próprio nome permite deduzir, serve para expressar a interpretação da Receita Federal do Brasil sobre uma determinada lei, decreto ou instrução normativa.

Em 2006, foram editados 12 atos declaratórios interpretativos. O número subiu para 20 em 2007 e, neste ano (até fevereiro de 2008), foram editados quatro novos atos. Esse é um instrumento que tem sido cada vez mais usado pela Receita Federal do Brasil, e, em alguns casos, os atos vão além das suas atribuições. Deveras, esta normação administrativa tem sido usada para criar regras novas ou, ainda, fazer restrição à aplicação de direitos legalmente previstos e pretéritos.

Um dos últimos atos declaratórios publicados pela Receita Federal do Brasil em 2004, por exemplo, tem gerado polêmica. Pelo Ato Declaratório Interpretativo 27/2004, a Receita Federal do Brasil restringe a aplicação de um tratado internacional assinado entre Brasil e Espanha para evitar dupla tributação. O tratado vem sendo usado como base para as empresas deixarem de reter o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a remessa de royalties por serviços prestados por empresas espanholas a companhias brasileiras.

Com o objetivo de "prevenir a evasão fiscal" de imposto de renda, o ato restringe o artigo sétimo do acordo internacional, exatamente o dispositivo utilizado para se evitar a bitributação da renda em fatos geradores cujos elementos de conexão encontrem a subsunção nos dois ordenamentos jurídicos. O artigo sétimo é o que garante que os lucros de uma empresa só podem ser tributados pelo país em que está sediada a companhia. Os valores remetidos ao exterior como pagamento por serviços prestados, portanto, não poderiam ser tributados pelo imposto de renda porque são receitas que darão origem aos ganhos da empresa estrangeira.

Nesse caso, a Receita Federal do Brasil impôs, aos contribuintes inseridos nesse contexto, a aplicação retroativa do ato declaratório interpretativo. Isso porque, se o ato fosse normativo, criar-se-ia uma nova norma que passaria a vigorar a partir de sua publicação. Como o ato é “interpretativo”, o Fisco Federal sustenta sua aplicação desde a edição do acordo internacional.

Outro exemplo de normação administrativa visando restrição de direitos é o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal do Brasil 02/2007. Com este dispositivo, pretende-se estender a legitimidade passiva tributária dos condôminos para além dos fatos geradores advindos da propriedade ou da posse das suas respectivas "unidades autônomas", e com isto violando-se não apenas a norma, então vigente, contida no art. 11 da Lei 4.591/64, mas também a estatuída no artigo 15 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99).

Em 16 de abril de 2006, foi publicado o Ato Declaratório Interpretativo 5, alterando a abrangência da aplicação do artigo 4o da Instrução Normativa SRF 33/99, do artigo 195, parágrafo 1o do Regulamento do IPI/02 e do artigo 11 da Lei 9.779/99, “revogando-se”, das hipóteses de creditamento de IPI, os produtos não-tributados, aqueles excluídos do conceito de industrialização e alcançados pela imunidade.

Cite-se, ainda, a edição do ADI 19, de 10 de dezembro de 2007, que, a despeito de veicular nova definição de atividade hospitalar, desapegada de toda conceituação anteriormente cristalizada pela própria Receita Federal do Brasil, impediu o enquadramento da grande maioria dos prestadores de serviços hospitalares na tributação presumida da renda sob os percentuais reduzidos (Lei 8.541/92).

Por fim, cite-se a edição do novel Ato Declaratório Interpretativo 20/2007, assinado pelo atual Secretário da Receita Federal, mudando-se a posição fazendária sobre a condição da chamada "industrialização sob encomenda", que passa a ser prestação de serviços se houver a preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo comprador. Isto significa que a alíquota de 8% estabelecida para a indústria que opta pelo lucro presumido passa a ser de 32%, que é o percentual estabelecido para a prestação de serviços.

Nos dois últimos exemplos, a opção pelo lucro presumido era interessante não só pela alíquota de 8% sobre o faturamento como também pelo PIS/Cofins reduzido de 3,65%. Através dessas novéis normações, as empresas são obrigadas a suportarem a aplicação do percentual de presunção de 32% para o IRPJ e CSLL ou a migrarem para o lucro real, passando a pagar 9,25% de PIS/Cofins e, como, em sua maioria, não compram matéria-prima, não conseguem obter créditos na cadeia produtiva para abater esse percentual de PIS e Cofins.


Portanto, tornou-se recorrente a utilização desses atos normativos para restringir direitos ou “majorar” indiretamente a carga tributária. No entanto, tal pretensão é despida de validade jurídica, como será abaixo demonstrado.

Conceito de Ato Declaratório Interpretativo.

Os atos interpretativos visam apenas dirimir dúvidas sobre a aplicação das leis e instruções normativas. Assim, nos termos do inciso III do artigo 229 do Regimento Interno da Receita Federal do Brasil, o Coordenador-Geral da Cosit dirimirá dúvidas quanto à interpretação da legislação tributária através de atos declaratórios interpretativos, sem, obviamente, alterar o conteúdo das normas interpretadas.

Indubitavelmente, o ato declaratório normativo é um instrumento através do qual se veicula a interpretação adotada pela Receita Federal do Brasil no tocante à matéria atinente aos tributos por ela administrados. Por ser de caráter interpretativo, reporta-se a normas integrantes da legislação tributária a ele preexistente, limitando-se a explicitar-lhes o sentido e a fixar, em relação a elas, o entendimento da administração tributária.

Muito embora se inclua entre os atos normativos, o ato declaratório normativo não possui, todavia, natureza de ato constitutivo, uma vez que não se reveste do poder de criar, modificar ou extinguir relações jurídico-tributárias, em razão, precisamente, de seu caráter meramente interpretativo.

O ADI criando, modificando ou extinguindo direitos ou deveres.

Os novéis atos interpretativos, ao contrário de explicitar as normas pretéritas, pretendem “revogar” direito previamente estabelecido aos contribuintes inseridos em regramentos normativos e ratificados pelas jurisprudências anteriormente consolidadas. Não há como se admitir que um ato declaratório meramente interpretativo intente a revogar a própria lei regulamentada.

Sobre essa linha de raciocínio, a edição de ato administrativo ulterior, cujo conteúdo de suas disposições pretende derrogar comandos normativos então vigorantes, o que, ipso facto, não é permitido ao ato declaratório interpretativo (artigos 87, parágrafo único, inciso II, e 150, I, da Constituição Federal c/c artigos 9o, inciso I, e 100 do CTN).

Como visto, a intenção do administrador público é afastar um direito anteriormente previsto e, ao mesmo tempo, retroagir os efeitos desta revogação ex tunc !

Os diplomas infralegais em testilha não dirimiram qualquer dúvida ou incerteza sobre a aplicação das normas pretéritas, mas tão-somente pretendeu derrogar direitos previamente estabelecidos e consolidados. Tal pretensão, data venia, é reservada à lei stricto sensu.

Nos termos da lição de Hugo de Brito Machado[1], os atos complementares apenas regulamentam o texto legal, respeitando seu alcance. Ao usurpar a reserva material da lei, restringindo ou limitando direitos, este ato complementar é ilegal e deverá ser anulado:

“Diz-se que são complementares porque se destinam a completar o texto das leis, dos tratados e convenções internacionais e decretos. Limitam-se a completar. Não podem inovar ou de qualquer forma modificar o texto da norma que complementam. (…) As leis apresentam sempre certa margem para dúvidas razoáveis por parte do interprete, especialmente em razão da inevitável imprecisão, seja pela vaguidade, seja pela ambigüidade dos conceitos utilizados. Por isto as normas complementares são de grande utilidade. Com elas a autoridade administrativa assegura tratamento uniforme aos contribuintes, afastando a possibilidade de interpretação diferentes por parte de seus agentes.”

O art. 100 do CTN, inciso I, condiciona a aplicação e validade da norma regulamentar ao diploma legal regulamentado. A limitação da benesse aos administrados, in casu, não poderá ser revogada por ato declaratório interpretativo, consoante arestos ora colacionados:

“AÇÃO ORDINÁRIA – TRIBUTÁRIO – DEDUÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS A OBSERVAR O ART. 15, DL 1.967/82 – EXCEDIMENTO DA IN SRF 37/83 E DO AD 15/83, CST – PRECEDENTES – DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO – PROCEDÊNCIA AO PEDIDO.

1- Em sede de dedução, em IRPJ, relativa a incentivos fiscais, calcou-se o Auto atacado em entendimento fazendário, de que, seja a Instrução Normativa – IN SRF 37/83, seja o Ato Declaratório – AD 15/83, CST, não inovaram em relação ao disposto pelo art. 15, DL 1.967/82, opostamente a isso é que almejando a parte autora / apelante por sua desconstituição. 2- Dito art. 15 estabeleceu que as deduções do Imposto de Renda – IR, referentes a incentivos fiscais, fossem calculadas segundo o valor da ORTN do mês de entrega da declaração, contrariamente ao quê citada IN ordenou o fosse em cruzeiros. 3- Os incentivos fiscais se submetem à reserva legal, à estrita legalidade tributária, inciso VI, do art. 97, CTN, de tal arte que a inovação promovida por aquelas duas normações administrativas claramente contraria a lei, desborda de seus limites. 4- Acertada a pretensão contribuinte, avultando de rigor o desfazimento da autuação em tela, inobservante a Administração à estrita legalidade tributária. Precedentes. 5- Provimento à apelação”. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO, Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL – 144876, Processo: 93031034325, UF: SP, Órgão Julgador: TURMA SUPLEMENTAR DA SEGUNDA SEÇÃO, Data da decisão: 29/11/2007, Documento: TRF300138117.


“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – REGISTRO NO CGC NEGADO – PENDÊNCIAS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA – INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF nº 27/98 – VIOLAÇÃO AO ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. I- É vedado à Administração impedir o exercício de atividade econômica de empresa, negando-lhe a inscrição no CGC, em virtude de um dos seus sócios figurar no quadro social de pessoa jurídica que se encontra em débito com a Receita Federal. II- A Instrução Normativa SRF nº 27/98 fere o preceito contido no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal, bem como extrapola o seu caráter essencialmente regulamentador oriundo da delegação contida no art. 5o da Lei nº 5.614/70, estabelecendo, por via transversa e ilegítima, sanção ao descumprimento de obrigação tributária principal e/ou acessória, sanção esta que, em face do princípio da reserva legal, mormente por se tratar de questão de natureza tributária, deve ser instituída por lei. III– Sentença confirmada.” TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEGUNDA REGIÃO, Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 27316, Processo: 199902010404913, UF: RJ, Órgão Julgador: SEXTA TURMA, Data da decisão: 06/02/2002, Documento: TRF200080724.

Destarte, a normação administrativa não poderá reduzir a abrangência da norma interpretada, modificando de qualquer forma o seu conteúdo, ou seja, não poderão inovar a ordem jurídica, suprimindo direitos legalmente previstos. Daí sua condição de instrumento secundário de instrução de normas tributárias (artigo 100 do CTN).

Portanto, as pretensas “revogações” em tela condicionam a conclusão irrefutável de infringência ao Princípio da Reserva Legal (artigos 87, parágrafo único, inciso II, e 150, I, da Constituição Federal c/c artigos 9o, inciso I, e 100 do CTN), condicionando a invalidade do ato administrativo e a impossibilidade de sua aplicação.

Vício de iniciativa – Instrução Normativa x Ato Declaratório Interpretativo.

Cabe, nesse momento, esclarecer que as instruções normativas são normas infralegais que contém um comando geral do Executivo visando à correta aplicação da lei. Destarte, as instruções normativas objetivam explicitar a norma legal, impondo encargos específicos aos administrados, sempre observando os ditames legais.

Por outro lado, os atos interpretativos, como dito acima, visam apenas dirimir dúvidas sobre a aplicação das leis e instruções normativas, nos termos do inciso III do artigo 229 do Regimento Interno da Receita Federal do Brasil, pelo Coordenador-Geral da Cosit.

Os atos declaratórios normativos não possuem natureza de ato constitutivo, ante seu caráter meramente interpretativo. Caso pretenda criar, modificar ou extinguir relações jurídico-tributárias, tornar-se-ão despida de validade jurídica.

O vício de iniciativa é evidente, tornando a norma infralegal formalmente ilegal em razão de veicular ato declaratório interpretativo notadamente infringente aos critérios formais constitutivos de direitos e obrigações complementares à lei.

Portanto, a ilegalidade formal afasta a eficácia do ato administrativo viciado ab initio, não produzindo efeitos no mundo fenomênico, nos termos da lição de Hely Lopes Meireles, in “Direito Administrativo Brasileiro”, 32a edição, Malheiros, São Paulo, pg. 197:

“A legitimidade da atividade decorre do respeito à lei e aos referidos princípios. Se, por erro, culpa, dolo ou interesses escusos de seus agentes, a atividade do Poder Público desgarra-se da lei, divorcia-se dos princípios, é dever da Administração invalidar, espontaneamente ou mediante provocação, o próprio ato, contrário à sua finalidade, por inoportuno, inconveniente, imoral ou ilegal. Se o não fizer a tempo, poderá o interessado recorrer às vias judiciárias.”

Como visto, a intenção do administrador público é afastar um direito anteriormente previsto e, ao mesmo tempo, retroagir os efeitos desta revogação ex tunc !

Em razão do vício formal incorrido, nos termos do artigo 87, parágrafo único, II, da Constituição Federal c/c Portaria MF 030, de 25 de fevereiro de 2005, mister se faz à declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade de Ato Declaratório Interpretativo constitutivo de direitos e deveres.

Da impossibilidade de aplicação retroativa de ato declaratório interpretativo nesse particular.


Como se sabe, os atos constitutivos produzem efeitos ex nunc, daí por que o Código Tributário Nacional estatui, em seu art. 105, que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, numa reafirmação do princípio de que a regra, no tocante a atos de natureza constitutiva, é a irretroatividade.

O Código Tributário Nacional, entretanto, em seu artigo 106, inciso I, contém norma excepcionante a esse respeito, por força da qual a lei, quando expressamente interpretativa, deve aplicar-se a ato ou fato pretérito em qualquer caso. Deveras, a publicação de um Ato Declaratório implicaria, em tese, em interpretar a legislação vigente.

O ato interpretativo, tido como meramente declarativo, não se trata de uma inovação de deveres ou direitos, mas um entendimento sobre a lei tributária, sendo seus efeitos aplicados desde a vigência da norma interpretada.

As normações em testilha não possuem conteúdo interpretativo, mas revestem-se em conteúdo constitutivo e implica em “revogação” de textos legais e infralegais.

Assim, admitindo-se válida sua aplicação, a referida “interpretação” não terá eficácia desde a vigência da norma “interpretada”, na medida em que possui natureza de “norma constitutiva” e não declarativa interpretativa.

Ressalte-se, outrossim, que o parágrafo único do artigo 100 c/c o artigo 146 do CTN determinam que a norma complementar representa simples mudança de critério jurídico, valendo apenas para o futuro.

A revogação da antiga sistemática de tributação e retroatividade descrita no citado artigo 106, I, do CTN, o Ato Declaratório Interpretativo impõe, aos contribuintes inseridos no âmbito deste contexto, o suposto dever de repor, ao erário, o que resultou benéfico para eles.

A revogação da instrução normativa opera efeitos ex nunc. Nesse caso, a edição deste ato declaratório não atingirá fatos pretéritos, porquanto perfeitos, acabados e abarcados pelo instituto do ato jurídico perfeito. Ora, o ato definitivo, revestido de todos os requisitos legais, não poderá ser-lhe negado efeito.

A segurança jurídica é um princípio geral de Direito, próprio do regime democrático. O princípio da segurança jurídica requer dos agentes públicos, inclusive do juiz, respeito aos atos realizados por particulares, quando estes estejam de boa-fé. Anular determinados atos jurídicos, já praticados por particulares, os quais teriam apenas cumprido os desideratos (supostamente errôneos) de autoridades públicas, pode levar a prejuízos acima do necessário.

Em face do princípio da segurança jurídica e do princípio da proporcionalidade e razoabilidade, sem prejuízo do principio da indisponibilidade do interesse público, devem-se respeitar as relações jurídicas antecessoras dos combatidos atos administrativos, isto é, reconhecer como legítimos, perante o ordenamento nacional, as situações, os atos, as relações anteriores à eficácia dos atos declaratórios em testilha.

A boa fé na relação jurídica Estado X particular é um princípio que rege toda a atividade administrativa. A presunção de legitimidade, que se revestem os atos administrativos pretéritos impõe, ao menos em princípio, à consolidação de atos e fatos realizados por particulares, quando estejam de boa-fé, segundo os padrões do homem comum.

Sob a ótica de infração administrativa, o “erro de direito” exclui o ilícito administrativo, em virtude da boa-fé do particular. O Direito prestigia a segurança jurídica, a boa-fé nas relações travadas entre o Estado o particular, em prol da estabilidade das relações sociais.

No caso, a partir dos atos declaratórios interpretativos revogadores, os atos jurídicos anteriores deverão ser declarados legítimos, sob a ótica do ordenamento jurídico vigente à época, isto é, seguiram a “interpretação” dada pela norma jurídica a textos regulamentares na época do evento, os quais foram editados ao longo do tempo. Há a presunção de boa-fé dos contribuintes, que passaram a seguir as normas dos atos revogados.

Atento a tudo isso, deve-se reconhecer como válidos as situações e os atos dos particulares anteriores aos atos declaratórios interpretativos.

Ressalte-se, outrossim, que o parágrafo único do artigo 100 c/c o artigo 146 do CTN determinam que a norma complementar representa simples mudança de critério jurídico, valendo apenas para o futuro. Não se presta como fundamento para a revisão de lançamento.

O artigo 146 do Código Tributário Nacional dispõe que “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.


Cite-se, ilustrando, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça impondo a impossibilidade de retroação de ato normativo em desfavor de pretérito ato normativo vigente à época dos fatos geradores, in verbis:

“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA – IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA. 1. A sistemática de recolhimento do Imposto de Renda não pode ser exigida nos termos da Instrução Normativa 20/90, para os fatos geradores ocorridos antecedentemente à sua vigência – precedente desta Turma. 2. Irretroatividade da norma que majora a arrecadação. 3. Recurso provido.“ REsp 315457 / BA DJ 18.11.2002 p. 177

Em seu voto, a i. ministra Eliana Calmon delimitou a eficácia da novel normação com efeitos ex nunc, veja-se:

“A Instrução Normativa 20, de 21 de fevereiro de 1990, ao revogar a Instrução Normativa antecedente, determinou sua aplicação a partir do exercício financeiro de 1990. Poderia faze- lo? A resposta é negativa, porque, se o fato gerador ocorreu em 1989, não poderia nova legislação disciplinar fato pretérito. Mesmo sendo norma secundária, não poderia a mesma incidir para prejudicar a situação do contribuinte, que está garantido com a disposição do art. 105 do CTN, o qual estabelece ser aplicável a legislação anterior à ocorrência do fato gerador, seja para lançar, seja para modificar o lançamento (art. 144 e 146 do CTN).”(g.n.)

Ao que parece, o Superior Tribunal de Justiça não admite ato administrativo que qualifique disciplina distinta, retroagindo e estabelecendo novos critérios, em desfavor do contribuinte. De igual modo, o mesmo Sodalício, em tema que guarda semelhanças conceituais, assentou que “(…) o reenquadramento de contribuinte pelo Fisco de autarquia para empresa pública, em decorrência de decisão do Supremo, que examinou a natureza jurídica da entidade, não autoriza a cobrança das diferenças tributárias porventura existentes antes dessa alteração. Incidência do artigo 146 do CTN”.[2]

Assim, é vetada a Administração Pública a aplicação retroativa da nova “interpretação” veiculada pelas normações comentadas. Deveras, tornar-se-á arbitrário o afastamento do direito previamente estabelecido, reconhecido, inclusive, por decisões administrativas e judiciais em favor do contribuinte, sob pena de desferir tratamento antijurídico e arbitrário.

Conclusão

É defeso à autoridade fiscal editar ato administrativo subalterno e, baseado em seu escuso interesse de aumentar indiretamente a carga tributária e frear pedidos de repetição de indébito, impor a retroatividade destes atos ilegais.

Deveras, pretendeu-se, com a edição destes textos, a “majoração” da carga tributária suportada pelos contribuintes e, em alguns casos, o respectivo “estancamento” de pedidos de repetição de indébito. Tais atos são ilegais e inconstitucionais, consoante alhures indicado.

A edição de ato declaratório interpretativo, pretendendo alterar conteúdo de disposições ulteriores, não é permitida em nosso ordenamento jurídico, nos termos dos artigos 87, parágrafo único, inciso II, e 150, I, da Constituição Federal c/c artigos 9º, inciso I, e 100 do CTN.

Não obstante, o ato declaratório, notadamente afeto a constitui direitos ou deveres, possui vicio formal, a teor da Portaria MF 030, de 25 de fevereiro de 2005, sendo mister sua declaração de ilegalidade formal pelo vício de iniciativa.

Por outro lado, a edição dos atos declaratórios interpretativos em comento impõe, aos contribuintes, o risco de injustas autuações pela exegese supostamente aplicável retroativamente, em que pese, em alguns casos, os contribuintes estarem amparados por interpretações fazendárias favoráveis ao enquadramento legal no período de competência.

No entanto, o parágrafo único do artigo 100 c/c o artigo 146 do CTN impõe que, uma simples mudança de critério jurídico, valerá apenas para o futuro, razão pela qual não se presta como fundamento para a revisão de lançamento. Por fim, o princípio da segurança jurídica impõe ao Administrador Público o dever de respeitar as relações jurídicas antecessoras aos novéis atos administrativos, reconhecendo como legítimas as relações anteriores à eficácia dos atos declaratórios em testilha.


[1] in “Curso de Direito Tributário”, 25 ed., Malheiros, São Paulo, pg. 66.

[2] STJ, Resp 881804/RS, Relator Ministro Castro Meira, julgamento em 12 de fevereiro de 2007. DJ de 2 de março de 2007.

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