Eleições na Ajufe

Entrevista: Fernando Mattos, juiz federal

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16 de abril de 2008, 13h03

Fernando Mattos - por SpaccaSpacca" data-GUID="fernando_mattos.jpeg">Recentemente, a Associação dos Magistrados Brasileiros iniciou uma campanha nacional contra o foro especial por prerrogativa de função que colocou o Supremo Tribunal Federal em maus lençóis. A campanha divulgada pela imprensa ganhou contornos de denúncia: o STF, como alvo, foi visto como um grande poço de impunidade no Brasil. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) pareceu aderir à campanha e engrossar o coro da AMB.

Para o juiz Fernando Mattos, um dos candidatos à presidência da Ajufe nas eleições da próxima sexta-feira (18/4), não foi bem isso o que aconteceu. Ele esclarece que a Ajufe não aderiu a qualquer campanha, mas criou outra contra a ampliação do foro privilegiado, prevista na Proposta de Emenda Constitucional 358, chamada de segunda parte da Reforma do Judiciário.

O que não significa, no entanto, que Mattos não seja adepto da tese da AMB. “Ampliar o foro privilegiado é um retrocesso porque não é da natureza dos tribunais fazer a instrução do processo.” Ele considera que os políticos defendem tanto o foro porque sabem da impunidade que o ronda, gerada pela inabilidade dos tribunais em instruir um processo. “Se o STF começasse a se concentrar no julgamento dessas ações, os próprios políticos iam querer acabar com o foro privilegiado porque não há possibilidade de recursos.”

Fernando Mattos, que tem 34 anos, pretende, na próxima sexta, se tornar o segundo mais jovem presidente da Ajufe (o primeiro, conta ele, foi Flávio Dino, atualmente, deputado federal pelo PC do B). Já tem experiência na associação. Na atual gestão, do juiz Walter Nunes, Mattos é vice-presidente na 2ª Região.

Na vida jurisdicional, ele é titular da 1ª Vara de Execuções Fiscais de Vitória, no Espírito Santo. Formou-se em Direito em 1996 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalhou como assessor jurídico no gabinete civil do governo fluminense de Marcelo Alencar, como procurador da Comissão de Valores Mobiliários e procurador da Fazenda Nacional. A magistratura é resultado do seu terceiro concurso público. Em 2000, tomou posse na Justiça Federal.

Em entrevista ao site Consultor Jurídico, Fernando Mattos reclamou da falta de estrutura da Justiça Federal, problema que pretende enfrentar se for eleito presidente da Ajufe. Falou também da necessidade de proteger o juiz que lida direto com o combate ao crime organizado e de investir numa melhor gestão da Justiça, principalmente, com a implementação da informatização.

Participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso e Rodrigo Haidar.

ConJur — Recentemente, a Ajufe e a AMB patrocinaram uma campanha contra o foro especial que passou para a sociedade a idéia de que o Supremo é um poço de impunidade. O que o senhor achou disso?

Fernando Mattos — Nós não aderimos à campanha da AMB contra o foro especial, mas começamos uma nova campanha contra a sua ampliação.

ConJur — A Ajufe é contra o foro privilegiado. Qual é a sua opinião?

Fernando Mattos — Ampliar o foro privilegiado, como pretende a PEC 358 [chamada de segunda parte da Reforma do Judiciário], é um retrocesso porque não é da natureza dos tribunais fazer a instrução do processo. Quem ouve testemunhas e colhe provas é o juiz de primeiro grau. No caso do mensalão, por exemplo, o STF mandou os juízes de primeiro grau tomarem os depoimentos. Isso não é nenhum demérito para os tribunais, é só uma questão de vocação. Os juízes colhem provas e julgam fatos. Os tribunais julgam teses.

ConJur — Sem o foro especial, como uma autoridade fará para se defender de processos tramitando no país inteiro?

Fernando Mattos — A idéia é definir um foro só para reunir todas as ações. Não podemos ser hipócritas. O STF está assoberbado de processos e, só por isso, os políticos lutam pelo foro especial. Isso dá uma sensação de imunidade. Se o STF começasse a funcionar e se concentrar no julgamento dessas ações, os próprios políticos iam querer acabar com o foro, porque não há a possibilidade de recursos. Mas é claro que isso prejudicaria o funcionamento normal do Supremo.

ConJur — E se o Supremo começasse a fazer como fez no caso do mensalão: designar juízes para ouvir os depoimentos?

Fernando Mattos —Há um problema nisso. O juiz que colhe as provas vai formando as suas impressões, que vão influenciar no julgamento. Ao transmitir as provas para o juiz que vai, de fato, julgar o caso, ele transmite também as suas impressões.

ConJur — O tamanho da Justiça Federal é condizente com a realidade brasileira?

Fernando Mattos — A estrutura da Justiça Federal precisa ser ampliada. Hoje, há cerca de 60 milhões de processos tramitando no país, 10 milhões na Justiça Federal. Em número, a carga de trabalho do juiz federal é maior do que na Justiça Estadual, Trabalhista ou Militar. Um desembargador do Tribunal Regional Federal tem oito vezes mais processos que um desembargador do Tribunal de Justiça. Os Juizados Especiais Federais, por exemplo, já atenderam mais de dois milhões de pessoas. Eles foram criados em 2001 sem nenhuma estrutura e hoje há casos como o Piauí, onde tramitam mais de 70 mil processos. É impossível um juiz dar conta. Em algumas turmas recursais, que são a segunda instância dos juizados, há mais processos do que nos próprios TRFs. Para resolver esse problema, a Ajufe conta com três projetos de lei fundamentais: PL 4.694/04, que reestrutura as turmas recursais; o PL 5.829/05, que prevê a criação de varas federais; e um anteprojeto que aumenta o numero de juízes nos tribunais.


ConJur — Como as turmas recursais são estruturadas hoje?

Fernando Mattos — São formadas por juízes de primeiro grau com mandato de dois anos. A palavra-chave é a criatividade. Os diretores de foro e dos tribunais tiram um juiz daqui, outro dali. Alguns juízes ficam acumulando funções.

ConJur — Os juízes dos Juizados também não são de dedicação exclusiva?

Fernando Mattos — São. E por isso são mais ágeis no primeiro grau, mas os processos ficam parados à espera de julgamento nas turmas recursais. O PL 4.694 trata justamente disso. Ele está parado desde 2004, provavelmente porque prevê uma estrutura muito grande, mais do que necessário, para as turmas. Nos juizados, os processos costumam tramitar muito rápido, mas tenho notícias de audiências marcadas para 2009, tamanha é a sobrecarga.

ConJur — O senhor falou que outro projeto fundamental é o PL 5.829. Ele cria quantas varas? Onde?

Fernando Mattos — São 230 varas num prazo de oito anos. Ou seja, um aumento de 30%, já que a Justiça Federal tem quase 750 varas. O que determina onde tem que ser criada uma vara é o índice de carência de varas. No entanto, em um primeiro projeto, encaminhado ao Congresso em 2003, os deputados colocaram as varas perto de seus redutos eleitorais. Na 1ª Região, por exemplo, que envolve14 estados e o Distrito Federal, estava prevista a criação de 48 varas, algumas em locais onde não há necessidade. Em 2005, veio o PL 5.829 para corrigir isso. Por ele, a localização das novas varas é determinada pelo Conselho da Justiça Federal, com base em critérios técnicos. As varas federais hoje, principalmente por envolverem os Juizados, têm uma função social grande. O Juizado Federal discute, basicamente, conflitos com o INSS e com a Caixa Econômica Federal. É, então, um elemento de distribuição de renda.

ConJur — Esse projeto tem apoio do governo?

Fernando Mattos — O governo tem certa resistência com esse projeto porque, quando são criadas varas federais, é preciso aumentar a estrutura do governo. Essa preocupação é mitigada quando as varas são criadas de acordo com critérios técnicos. Nesses lugares que precisam de varas, em geral, já têm unidades da AGU. O problema é quando são abertas varas em locais onde não precisa, por exemplo, em um local onde não existe INSS e nem AGU.

ConJur — As varas federais hoje são bem distribuídas pelo país?

Fernando Mattos — Sim. Embora haja algumas varas localizadas em locais que não eram prioritários.

ConJur — O senhor falou de uma terceira proposta, um anteprojeto que amplia o número de membros nos tribunais. Que projeto é esse?

Fernando Mattos — Ele aumenta em oito o número de desembargadores nos TRFs da 1ª, 2ª e 4ª regiões, em 20 no TRF da 3ª Região e em 12 no TRF-5. Há quase um milhão de processos pendentes de julgamento nos tribunais, que ainda funcionam com a convocação de juízes de primeiro grau para dar conta do trabalho. Essa convocação atrapalha a primeira instância, porque tira o juiz da sua vara. Com a ampliação do número de desembargadores, esse problema seria mitigado. A Ajufe ainda defende outros projetos, como o que prevê revisão anual de 3,14% do subsídio dos juízes. É importante dizer que a Ajufe não é apenas uma entidade corporativa. Ela também atua em prol da sociedade, por exemplo, quando cobrou a instalação de Defensoria Pública da União, já em funcionamento, ainda que em caráter precário.

ConJur — Além de aumentar a estrutura da Justiça Federal, otimizar a administração também pode aumentar a vazão dos processos?

Fernando Mattos — A gestão é um grande desafio porque o juiz não é um administrador. Há elementos importantes de gestão, como a informatização do processo. Hoje, 60% do tempo de um processo é gasto com atividade burocrática, não jurisdicional. Com o processo virtual, esse tempo desaparece. Há Juizados Especiais Federais que já funcionam sem papel e, por causa disso, conseguiram reduzir drasticamente o número de processos acumulados. A informatização, no entanto, envolve uma mudança de cultura. É mais fácil quando se pensa só nos Juizados. Mas, para processos mais complexos, os juízes resistem mais. Os advogados também estão acostumados a chegar ao balcão e ver o processo. Agora, precisam aprender a manusear o processo virtual. Outro instrumento importante é a simplificação do processo: redução do número de recursos e o julgamento de processos repetidos. Nesses casos repetidos, hoje, se a decisão for pela improcedência, o juiz nem precisa citar a outra parte. O ideal é que esses casos tenham tratamento coletivo, e não individual.

ConJur — O sobrestamento de recursos, já praticado pelo Supremo Tribunal Federal, é eficaz para lidar com os processos repetidos?


Fernando Mattos — É, mas apenas impede que os recursos cheguem ao STF. E, até que cheguem ao Supremo, já há milhões de ações tramitando na Justiça sobre o mesmo assunto. É preciso impedir que casos repetidos fiquem no sistema judiciário. A Súmula Vinculante, Impeditiva de Recursos e o princípio da Repercussão Geral são instrumentos fundamentais para isso.

ConJur — A Ajufe não está tomando a frente de problemas de gestão que deveriam ser resolvidos pelo CNJ?

Fernando Mattos — Não. A única entidade de juízes que defendeu a criação do CNJ foi a Ajufe. Hoje, a pauta do CNJ está carregada e, por isso, o Conselho tem adotado poucas medidas para melhorar a gestão da Justiça. Tomara que em breve espaço de tempo o CNJ possa de dedicar única e exclusivamente à racionalização do Poder Judiciário.

ConJur — O que o senhor acha do projeto que cria a execução fiscal administrativa? Desatolaria os tribunais?

Fernando Mattos — Desatolaria, mas não resolveria o problema. A Procuradoria não tem estrutura para fazer essa cobrança. Além disso, há um problema de vocação. Hoje, o procurador representa o Estado e cobra ainda que saiba que aquilo não é devido. Se, no lugar de representar, ele agisse como se fosse o Estado, poderia deixar de cobrar aquilo que sabe não ser devido.

ConJur — Mas o senhor é a favor da execução fiscal administrativa?

Fernando Mattos — Não. Durante um encontro de juízes federais no Rio de Janeiro, a opinião majoritária, que deve ser expressa em comissão ainda formada pela Ajufe, é de que a lei de execução fiscal judicial deve ser aprimorada, mas sem acabar com a intervenção do Poder Judiciário. Eu sou juiz titular na 1ª Vara de Execuções Fiscais de Vitória e vejo que é o autor do processo, neste caso, a Fazenda, que tem que impulsionar o processo. Ela não pode transferir para o Poder Judiciário o dever de procurar o devedor e localizar os bens. Normalmente, esses processos não andam porque a Receita Federal só manda para a Procuradoria os créditos tributários que não têm mais possibilidade de receber. Quando chega ao Judiciário, é muito difícil. Mesmo assim, as varas de execuções fiscais foram responsáveis pela arrecadação de R$ 9 bilhões em 2006. Vão dizer que é pouco porque só representa 1% dos R$ 700 bilhões da dívida. Eu não concordo porque estamos em um país onde a carga tributária é de quase 40% do PIB.

ConJur — O que o senhor acha da criação de varas especializadas?

Fernando Mattos — A especialização das varas criminais de lavagem de dinheiro, por exemplo, é um processo irreversível. É o crime organizado que exige a especialização do juiz para lidar com ele. Tem que investir nisso sim. O juiz de primeira instância tem que ser valorizado e protegido. É ele quem manda a Polícia Federal prender e, com isso, combate o crime organizado.

ConJur — Como proteger o juiz?

Fernando Mattos — São necessárias medidas legislativas e administrativas. Envolve desde a instalação de detectores de metal e policiamento ostensivo nos fóruns até a criação de um julgamento colegiado, que é a idéia do juiz sem rosto. O Ministério Público já faz isso. Vários procuradores assinam a mesma denúncia. Na Justiça Federal, vários juízes de primeira instância assinariam a mesma decisão. Isso depende de lei. Sobre o assunto, há o PL 2.057/07. Outra medida já em tramitação no Congresso Nacional é aumentar as hipóteses de prisão preventiva. Hoje, o juiz prende e o tribunal manda soltar. Não defendo a ampliação irrestrita da prisão preventiva, mas que, em um caso grave, o juiz possa, depois da sentença de condenação, decretar a prisão preventiva. Isso é importante para lidar com o sentimento de impunidade e não deixar que a decisão do juiz de primeiro grau vire um nada jurídico.

ConJur — Isso não seria o fim da presunção de inocência?

Fernando Mattos — O acusado tem presunção de inocência no início do processo. Depois que o juiz já colheu provas, ouviu depoimentos e condenou, não há mais presunção de inocência. É preciso valorizar a sentença de primeiro grau. Lógico que continuariam havendo os mecanismos de controle, como o Habeas Corpus.

ConJur — Recentemente, um juiz foi algemado e preso no Rio de Janeiro. Como o senhor avalia a atitude dos policiais?

Fernando Mattos — Ainda que o juiz se excedesse, ele tem prerrogativa por ser juiz e não pode ser preso. Essa prerrogativa existe para assegurar a independência do Poder Judiciário, e não do juiz. Os policiais podiam, no máximo, convidar o juiz a comparecer na delegacia. Acredito que, neste caso, houve uma arbitrariedade grande que mostrou um despreparo da Polícia Civil, que não tem função de patrulhamento ostensivo. Podem achar que estou aqui apenas defendendo uma prerrogativa de juiz, mas não é. Prisões arbitrárias fazem parte do cotidiano e aos juízes cabe defender a população do arbítrio do Estado.

ConJur — Há uma juíza federal da 2ª Região que processou a OAB por danos morais e tem nas mãos o pedido de seis bacharéis que contestam a validade do Exame de Ordem. Ela deu liminar no caso, cassada em seguida. Ela é suspeita para decidir essa causa?

Fernando Mattos — Acho completamente inadequado e inaceitável o comportamento da OAB nesse caso e não discuto se a juíza pode julgar ou não. O que é inaceitável é a OAB divulgar em seu site que fulano é inimigo público da Ordem porque deu uma decisão desfavorável aos advogados. A crítica é bem-vinda desde que seja responsável, principalmente quando parte de uma instituição. O ruim é essa cultura de beligerância patrocinada pela instituição.

ConJur — Se o senhor for eleito presidente da Ajufe, onde vai concentrar a sua atuação?

Fernando Mattos — Meu compromisso é com a defesa da magistratura e do Estado Democrático de Direito. É preciso reafirmar cada vez mais a independência do Poder Judiciário. Os problemas para ser enfrentados são a estruturação da Justiça e a ampliação dos rendimentos dos tribunais. É preciso também dar mais atenção para a segurança dos juízes e valorizar as suas decisões. Sociedade e bandidos têm de ter certeza da punição. Enquanto não há isso, combater o crime é o mesmo que enxugar gelo. Acho que a Ajufe tem que continuar participando dos grandes debates nacionais. Para mim, a Ajufe tem que ser uma mistura de defesa dos interesses corporativos com a promoção da cidadania.

ConJur — Juiz tem que ter 60 dias de férias por ano?

Fernando Mattos — Sim. O debate fundamental é saber o que isso importa em produtividade. Outro ponto é que pouca gente conhece a realidade do juiz. Os juízes não trabalham exclusivamente nos fóruns. Eles levam trabalho para casa também. E não existe categoria mais vigiada. Os juízes federais têm três corregedorias: do TRF, do CJF e do CNJ. É um trabalho estressante. Cresce a cada dia o número de juízes afastados por licença médica. Daí ser fundamental esse descanso diferenciado.

ConJur — Trabalhar 30 dias por ano a mais não é um bom começo para tentar colocar o trabalho em dia?

Fernando Mattos — Eu acho que isso não vai resolver o problema.

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