Juiz responsável

Estado deve indenizar por erro judiciário ou prisão além do tempo

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15 de abril de 2008, 11h01

Durante séculos, o Estado foi considerado irresponsável. Exatamente isto. A partir do princípio da irresponsabilidade do Estado, os agentes públicos não respondiam pelos atos praticados no exercício de suas atividades funcionais.

A teoria da irresponsabilidade do Estado confundia-se com o princípio do direito divino dos reis, próprio dos regimes absolutistas, estampado em múltiplas constituições, inclusive na brasileira de 1824.

A Constituição do Império declarava ser a figura do Imperador inviolável e sagrada. Se tanto não bastasse, registrava, ainda, que sua pessoa se encontrava livre de qualquer responsabilidade.

Este princípio — sonho de muitos republicanos de plantão — estendeu-se para as várias áreas do corpo burocrático, gerando duas categorias de pessoas: as isentas de responsabilidade e os súditos titulares de todos os deveres.

Com as revoluções burguesas e a concepção do moderno Estado de Direito, o princípio da irresponsabilidade do Estado paulatinamente sofreu enfraquecimento. Manteve-se, no entanto, em algumas áreas diferenciadas das atividades públicas.

Foi assim com as decisões judiciais. A irresponsabilidade do Estado pelos atos de sua função jurisdicional restou preservada até há pouco. Afastou-a definitivamente a Constituição vigente de 1988.

Hoje, aqui e por toda a parte, o Estado responde pelas lesões produzidas por seus agentes no exercício da atividade jurisdicional. O Estado, pois, é responsabilizado pelos erros de seus magistrados, cabendo-lhe ressarcir os prejuízos causados por eventual imperícia ou desídia.

O tema se encontra pouco examinado pela doutrina e menos ainda pelos tribunais. Parece existir uma névoa encobrindo o inciso LXXV do artigo 5º da Constituição de 1988.

Este dispositivo, no entanto, é preciso em determinar ao Estado o dever de indenizar por erro judiciário ou prisão além do tempo fixado na sentença. Temas sensíveis.

Acabam, agora, de ser examinados na Espanha. Com rigor foram determinadas duras sanções a uma juíza. Segundo decisão do Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia, a magistrada feriu o direito à liberdade de um detento.

Uma pessoa permaneceu encarcerada indevidamente por 455 dias. A juíza do feito deixou de expedir o devido mandado liberatório. Simplesmente por desídia pessoal ou da máquina forense.

Conseqüência: por violação ao direito à liberdade individual, a magistrada andaluz foi colocada em disponibilidade por um ano. Não bastou. Respondeu pessoalmente pela indenização no valor de 103 mil euros, cerca de R$ 285 mil.

Dura lição. Perigosa lição originária de uma sociedade que conheceu violências contra a liberdade no decorrer da Guerra Civil. Os espanhóis não esqueceram. Aprenderam a importância da liberdade.

Aqui, no Brasil, continua pouco fervorosa a prática de defesa da liberdade. Uma sociedade escravocrata confere reduzida relevância a este valor essencial da pessoa. Particularmente, quando a pessoa não pertence aos estratos economicamente superiores da sociedade. Para os deserdados das benesses do sistema, cadeia é pouco.

Uma visão que se vai esmaecendo, mas ainda marcante por todo o país. Mentalidade a ser alterada. Já não se admitem cidadãos de primeira e segunda classe. Livres ou cerceados em seu direito de locomoção.

Dentro de poucos dias, a data de 13 de maio será recordada. Cento e vinte anos se passaram, desde o gesto da Princesa. Mero gesto. Ainda há grilhões a serem rompidos.

A liberdade ainda não é um valor marcante na nossa sociedade. O trabalho subalterno se estende pelos sertões. Nossas prisões registram inúmeras pessoas com suas penas cumpridas.

A máquina estatal é lenta. Burocratizada. Perde a liberdade e perde o cidadão, titular da mesma liberdade. A sentença espanhola — extremamente dura — necessita reflexão por todo o espaço desta América meridional.

Este espaço geográfico conheceu todas as formas de violação da liberdade. Não pode permitir que a máquina do Estado de Direito continue com as mesmas práticas utilizadas por caudilhos de todos os tempos.

Estas práticas encontram-se latentes. Basta recordar as ditaduras espalhadas por todos os países latino-americanos, em pleno Século XX. Mais acentuadamente no Cone Sul. Um pesadelo.

Artigo originalmente publicado no site Terra Magazine, na terça-feira (15/4).

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