Mal a evitar

Leia a decisão que deu liberdade para pai e madrasta de Isabella

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12 de abril de 2008, 0h01

“A prisão é um mal que deve ser evitado a todo custo.” O entendimento é do desembargador Caio Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que concedeu liminar em Habeas Corpus para dar liberdade ao casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina Isabella Oliveira Nardoni, morta no sábado (29/3). O casal foi solto na sexta-feira (11/4).

“Não há poder que aja e incida tão diretamente sobre o cidadão, alcançando-o em sua honra e bom nome, que o Poder Judiciário. Por isso, qualquer decisão que se profira, não pode vir fundada em simples e falíveis suspeitas, em desconfianças ou deduções cerebrinas, ditadas pela gravidade e clamor decorrente de um crime”, afirmou o desembargador.

A defesa entrou com pedido de liminar em Habeas Corpus, acolhido na sexta-feira. O argumento foi o de que em nenhum momento os acusados criaram obstáculos para a produção das provas, nem coagiram testemunhas e muito menos deixaram de comparecer diante das autoridades policiais quando convocados. Isso afastaria todos os requisitos para a decretação da prisão temporária, de acordo com a Lei 7.960/89.

Canguçu de Almeida acolheu a alegação. “A prisão temporária é medida excepcional, de exceção, tolerada apenas nas hipóteses precisamente fixadas em lei. Por sua condição de antecipado comprometimento do ‘jus libertatis’ e do ‘jus dignitatis’ do cidadão, não pode merecer aplicação senão quando absolutamente indispensável, quando indubitavelmente imperiosa à apuração da autoria do fato criminoso e à produção de provas”, afirmou. Para o desembargador, nem mesmo a gravidade da infração justifica custodiar um acusado.

De acordo com o desembargador, “a prisão temporária somente comporta legitimidade a partir do instante em que, para elucidação do fato e da autoria, faça-se ela indispensável, inafastável, única providência apta a evitar que, solto, aquele a quem se investiga, possa frustrar, dificultar ou impedir a colheita de provas”.

Canguçu explicou que a prisão temporária só pode ser decretada se ficar comprovado risco real para a colheita de provas. Tudo evidenciado por fatos concretos, palpáveis, como perspectiva de fuga, coação de testemunhas, ou destruição de documentos. “Não bastam ao prematuro comprometimento do direito constitucional à liberdade e à presunção de inocência, fatos ou procedimentos meramente possíveis, nem singelas conjecturas”, afirmou.

“No caso presente, os pacientes, ao menos até aqui, não deram prova alguma de deliberado propósito de comprometer, dificultar ou impedir a apuração dos fatos. Ao contrário, segundo se sabe na falta de desmentidos, quando convocados não se furtaram a prestar declarações à autoridade policial; não trataram, ao menos segundo é dado conhecer, de destruir provas ou induzir testemunhas. Tanto que nem a autoridade policial nem o magistrado apontado como coator, indicam fatos que caracterizassem quaisquer daquelas condutas”, reconheceu o desembargador. “A liberdade dos pacientes não representa, até aqui, risco para a colheita de provas e nem justifica a excepcional afronta ao princípio constitucional da liberdade e da presunção de inocência”, concluiu.

No voto, Canguçu ainda demonstrou preocupação quanto ao caso. “Os autos retratam uma grande tragédia”, considerou. “Será que o desamor exagerado desses estranhos tempos que correm terá chegado a um extremo tal que pudesse levar um pai, ou sua companheira, a tão cruelmente eliminar uma graciosa filha de apenas cinco anos e que, certamente, muito os terá amado? Ou será que o estrepitoso evento terá levado às agruras da suspeita e da investigação alguém que as coincidências, algumas vezes imprevisíveis e inevitáveis, do destino, fizeram, em algum momento parecer autor de crime que, quiçá, não deva ser levado à sua conta?”, indagou.

“Queira Deus não venham aumentar a estatística dos feitos onde a Justiça concreta não pôde ser feita e onde o mal terá prevalecido sobre o bem. Mas, de qualquer forma, pelo que puderam oferecer até aqui, não ensejam a preservação da prisão temporária inadequadamente proclamada. Resta-me, porém, e tão somente, o consolo e a esperança de que algum dia a verdade sobreleve. Ou para apontar o real culpado por tão doloroso procedimento ou para afastar, definitivamente, suspeitas que recaiam sobre quem não as mereça”, decidiu.

O caso

Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá são apontados pela Polícia, Ministério Público e população como suspeitos pela morte de Isabella. Segundo o relato do pai e da madrasta da menina, o crime aconteceu na noite de 29 de março, no momento em que a família voltou de uma ida ao supermercado. O pai contou que subiu ao apartamento com Isabella já adormecida nos braços, colocou-a na cama, trancou a porta do apartamento e retornou a garagem a fim de ajudar a mulher a subir com os dois filhos do casal, meio-irmãos da garota.


Quando os dois voltaram com as crianças ao apartamento, no sexto andar do edifício, a porta estava aberta, a luz do quarto dos irmãos de Isabella acesa, a rede de proteção cortada e a menina não mais estava no local. Seu corpo foi encontrado, mais tarde, numa área externa do prédio abaixo da janela do apartamento. Laudos da perícia constataram que a menina foi fortemente agredida antes de ser arremessada pela janela.

Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá estavam detidos desde a quinta-feira (3/4), por decisão do juiz Maurício Fossen, da 2º Tribunal do Júri, do Fórum de Santana, na zona norte da capital. Fossen atendeu pedido do delegado responsável pelo inquérito policial que apura as circunstâncias da morte da menina e determinou a prisão temporária de Alexandre e Anna Carolina pelo prazo de 30 dias.

Presunção de inocência

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal começou a discutir se é possível a execução de sentença condenatória enquanto ainda estiver pendente de julgamento recursos que não têm efeito suspensivo. São cinco Habeas Corpus sobre o tema. Todos deveriam ser analisados na quarta-feira (9/4) pelo Plenário do STF.

Eros Grau foi o primeiro e único ministro a se pronunciar sobre o tema. Depois do voto de Eros Grau, Menezes Direito pediu vista dos autos por afirmar que há precedentes da 1ª Turma do STF contrários ao entendimento de Eros Grau (HC 90.645). Isso acabou fazendo com que as outras quatro ações também tivessem seus julgamentos adiados.

O ministro Eros Grau afirmou, enfaticamente, que é proibida a execução da pena antes do fim do processo. “Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º”, afirmou.

Para Eros Grau, nem lei, nem qualquer decisão judicial, podem impor ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A não ser que o julgador seja um desafeto da Constituição Federal. Caso contrário, não se admite qualquer entendimento contrário ao inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece o princípio da presunção de inocência.

Neste contexto, ele criticou a atitude da imprensa, “que lincha e considera culpados a todos, até prova em contrário”, numa inversão de princípios. “É preciso cuidado nos momentos de desvario, sob pena de retornarmos ao ‘olho por olho, dente por dente’”, advertiu.

Para Eros Grau, se não for respeitado o princípio da presunção prescrito pela Constituição, “é melhor sairmos com um porrete na mão, a arrebentar a espinha de quem nos contrariar”. Para Eros Grau, “a prisão só pode ser decretada a título cautelar, nos casos de prisão em flagrante, prisão temporária ou preventiva”.

Habeas Corpus 1.210.432-3/0

Leia a liminar que concedeu liberdade ao casal

Vistos.

Cuida-se, na hipótese, de ‘habeas corpus’ impetrado pelos bacharéis Marco Pólo Levorin, Rogério Neres de Souza e Ricardo Martins de São José Júnior em favor de Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá (a cujos autos se apensaram os de nº 1.211.044-3/7-00), por meio do qual buscam eles fazer cessar constrangimento ilegal imposto aos pacientes pelo Meritíssimo Juiz de Direito da Segunda Vara do Tribunal do Júri da Capital, que, no curso de investigação policial a propósito de possível homicídio que vitimou a menor Isabella de Oliveira Nardoni, acolhendo representação formulada pelo Delegado de Polícia do Nono Distrito Policial, decretou-lhes a prisão temporária. Sustentam os impetrante, em suma, que não se justifica a custódia provisória dos pacientes, por isso que, no seu dizer, não se fazem presentes as circunstâncias a que alude a lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Postulam o deferimento da medida liminar para que se faça cessar o constrangimento ilegal denunciado e que, ao final, concedida que deverá ser a ordem impetrada, imponha-se à autoridade judiciária a proibição da medida cautelar ora atacada.

E, na análise da pretensão deduzida, pesem, não obstante, as argumentações da digna autoridade judiciária, cumpre reconhecer que, na verdade, impõe-se a concessão da medida liminar, uma vez reconhecida a presença dos pressupostos que a disciplinam.

A prisão temporária, medida acautelatória que é, como ato de coerção que antecede mais do que a decisão condenatória, a própria instauração da ação penal, é medida excepcional, de exceção, tolerada apenas nas hipóteses precisamente fixadas em lei. Por sua condição de antecipado comprometimento do ‘jus libertatis’ e do ‘jus dignitatis’ do cidadão, não pode merecer aplicação senão quando absolutamente indispensável, quando indubitavelmente imperiosa à apuração da autoria do fato criminoso e à produção de provas que se tornariam inviáveis uma vez em liberdade aquele a quem intimamente se confere a responsabilidade pelo acontecimento a ser investigado. Não decorre da singela gravidade da infração, se isso não implicar, também, em qualquer uma daquelas circunstâncias a que, de forma exaustiva, alude o art. 1º, em seus três incisos, da lei nº 7.960, de 23 de dezembro de 1989.


Bem por isso a advertência de Jayme Walmer de Freitas (Prisão Temporária, pág. 100, Ed. Saraiva) no sentido de que ‘a prisão é um mal que deve ser evitado a todo custo. No caso de prisão cautelar – com destaque para a prisão temporária – recrudesce a responsabilidade, haja vista a reduzida carga probante à disposição do magistrado, de sorte que somente quando claros os requisitos cautelares expressos no texto legal é que se cogitará da segregação pessoal. A absoluta necessidade da prisão cautelar é medido em decorrência do periculum libertatis… Não basta que a custódia cautelar se justifique em face da presença de fundadas razões de autoria ou participação em crime grave’.

E desse magistério não se aparta a unanimidade da doutrina aqui evidenciada pela advertência da professora Ada Pellegrini Grinover, que ressalta que “uma coisa é certa… a prisão cautelar deve obedecer a rigorosas exigências, diante do preceito constitucional segundo o qual ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII, CF): em face do estado de inocência do acusado, a antecipação do resultado do processo representa providência excepcional, que não pode ser confundida com punição, somente justificada em casos de extrema necessidade” (Limites Constitucionais à Prisão Temporária, in Revista Jurídica 207/209, págs. 35 e 36). Daí porque “antes de mais nada, a restrição antecipada do direito de liberdade do acusado deve obedecer aos requisitos necessários para a decretação de qualquer provimento cautelar: o fumus boni iuris, entendido como a plausibilidade do direito invocado pelos interessados na medida cautelar; e o periculum in mora que, no caso de prisão cautelar, se configura como periculum libertatis, ou seja, a demonstração de que a liberdade do acusado pode pôr em risco os resultados do processo, quer em relação ao seu desenvolvimento regular, quer quanto à concreta efetivação da sanção penal que venha afinal a ser imposta” (idem).

De tudo isso resulta, então, a certeza de que, como medida excepcional, de exceção, como inevitável e tolerável desconsideração para o principio constitucional da presunção de inocência, a prisão temporária somente comporta legitimidade a partir do instante em que, para elucidação do fato e da autoria, faça-se ela indispensável, inafastável, única providência apta a evitar que, solto, aquele a quem se investiga, possa frustrar, dificultar ou impedir a colheita de provas. Provas que apenas serão possíveis produzir e amealhar estando ele preso e por isso afastado do cenário investigatório, o qual, uma vez em liberdade o agente investigado, poderia vir a ser por ele inutilizado ou comprometido em sua eficácia e utilidade.

Em suam, pois, é indispensável pré-requisito para decretação da prisão temporária, antecedentemente à instauração da ação penal, o risco concreto, real que, para a colheita de provas, represente a conduta do investigado em liberdade. Tudo isso evidenciado por fatos concretos, palpáveis, seguramente sugeridos como, por exemplo, perspectiva de fuga, coação de testemunhas ou destruição de documentos. Não bastam ao prematuro comprometimento do direito constitucional à liberdade e à presunção de inocência, fatos ou procedimentos meramente possíveis, nem singelas conjecturas. Reclama-se mais do que isso para a legitimação da custódia cautelar; que sejam, tais fatos ou procedimentos, ao menos revestidos de intensa carga de probabilidade. É o que se conclui da literal interpretação do art. 1º da lei nº 7.960/89, para o qual a prisão temporária, que não deve ser confundida com a prisão preventiva, medida igualmente cautelar, mas de pressupostos diferentes, para o qual a prisão temporária, repita-se, na fase investigatória apenas há de ser tolerada na medida em que ‘imprescindível para as investigações do inquérito policial’ (inciso I), ‘quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade’ (inciso II) ou quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação nos crimes que elenca (inciso III).

Os tribunais de todo o país, sensíveis a tal entendimento, não se furtam à proclamação de que, “quando o réu é primário, tem bons antecedentes, não apresenta periculosidade para a sociedade e comparece normalmente ao ser convocado pela autoridade policial, fica evidente a carência de justificativa para a manutenção de sua prisão temporária” (STJ – 6ª Turma – HC 6610/PA, rel. min. Anselmo Santiago); ou de que “não se prende somente pelo fato de o caso ser de difícil elucidação ou apenas para a facilitação do trabalho policial. Prende-se, excepcionalmente, apenas quando o indiciado, solto, dificultar ou frustrar a produção de provas, hipótese não demonstrada nestes autos” (TRF 1a Reg. – 4a Turma – Rel. João V. Fagundes); ou, ainda, de que “a prisão provisória, de natureza processual, medida que implica o sacrifício à liberdade individual, deve ser concebida com cautela, em face do princípio constitucional da inocência presumida, impondo-se, por isso, que a medida tenha por base motivos concretos…” (STJ – 6a Turma – HC 7655/GO, rel. Min. Vicente Leal), ou, também, de que “a prisão temporária de indiciados em inquérito policiai, instrumento legal de repressão à criminalidade instituído pela Lei 7.960/89, é cabível tão-somente se presentes algumas das. hipóteses inscritas no art. 1o do citado diploma legal… Ausentes as circunstâncias mencionadas na Lei regente, impõe-se a revogação da prisão temporária” (TRF 1a Reg. – 3a Turma -HC 92.01.060130/DF, rel. Min. Vicente Leal), ou, finalmente, e para não ser enfadonho na enumeração de uma tendência jurisprudencial que não traz divergências, de que “a prisão temporária, para ser decretada, deve, cumpridamente, mostrar-se indispensável para o êxito das investigações… não bastando a existência de indícios de autoria” (TACRIM-SP – 7ª Câmara – HC 278.522 – Rel. Juiz Carmo Elias).


No caso presente, os pacientes, ao menos até aqui, não deram prova alguma de deliberado propósito de comprometer, dificultar ou impedir a apuração dos fatos. Ao contrário, segundo se sabe na falta de desmentidos, quando convocados não se furtaram a prestar declarações à autoridade policial; não trataram, ao menos segundo é dado conhecer, de destruir provas ou induzir testemunhas. Tanto que nem a autoridade policial nem o magistrado apontado como coator, indicam fatos que caracterizassem quaisquer daquelas condutas. Limitaram-se ambos a informar a necessidade de colheita de outras provas, o que, sobre traduzir o óbvio, não sugere, necessariamente, especialmente em face do comportamento até aqui preservado pelos pacientes, que cogitem, um ou outro, a seu favor, no âmbito do comportamento em face do processo investigatório, a espontânea apresentação à autoridade policial, poucas horas depois de decretada a prisão temporária, gesto que, ninguém haverá de negá-lo, em princípio mostra-se incompatível com o propósito de tumultuar, dificultar ou comprometer a. elucidação dos fatos, a realização de diligências ou a colheita de provas em geral. Daí porque já se ter decidido, da mesma forma, que “é impossível a decretação da prisão temporária do acusado devidamente identificado que tem residência fixa e comparece espontaneamente na Delegacia de Polícia para prestar declarações a respeito, pois não se encontram preenchidos os requisitos da Lei 7.960/89” (TACRIM – 15a Câmara – HC 333.414/4 – rel. Juiz Vidal de Castro), e que “existiam razões para a decretação da prisão temporária do paciente, as quais cessaram, data venia, quando ele compareceu perante a autoridade apontada como coatora e declinou estar à disposição da Justiça e da autoridade policial para a apuração do fato criminoso…Comprometendo-se o paciente a não interferir na investigação policial e a cooperar com a autoridade policial, não vislumbramos razões, data vénia, para a subsistência da prisão temporária. O objetivo colimado pela autoridade policiai ao representar para a adoção da prisão temporária do paciente poderá ser alcançado sem que se tome necessário seu recolhimento à prisão” (TACRIM-SP – 3a Câmara, HC 319.660/4 – rel. Juiz Carlos Bueno). E confiram-se a propósito, e sempre no mesmo sentido, os julgados do Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte no HC 00.000450-2, e da 2a Turma do TJDF, no HC 1998.00.2.002758.

Por tais razões, de ordem fática, doutrinária e jurisprudencial, não representando a liberdade dos pacientes, até aqui, risco para a colheita de provas, não se justifica a excepcional afronta ao princípio constitucional da liberdade e da presunção de inocência. Afronta que, obviamente, não se caracterizará, legitimando futura imposição da prisão, na medida em que fatos supervenientes possam recomendar a custódia cautelar, seja a de natureza provisória, seja a preventiva.

Não me poupo, porém, nesta hora, à lembrança de que não há poder que aja e incida tão diretamente sobre o cidadão, alcançando-o em sua honra, dignidade e bom nome, que o Poder Judiciário. Por isso, qualquer decisão que se profira, não pode vir fundada em simples e falíveis suspeitas, em desconfianças ou deduções cerebrinas, ditadas pela gravidade e clamor decorrentes de um crime.

Os presentes autos retratam uma grande tragédia. Uma tragedia que, talvez, não seja maior do que aquelas outras com que, a cada dia, nos defrontamos, no exercício dessa fascinante tarefa de julgar a que nos propusemos há já tantos anos, mas que prossegue, até aqui, sem esmorecimento e com muito amor. Mas uma tragédia que, como poucas, nos questiona e inquieta a propósito da verdade de tudo aquilo que efetivamente se passou naquela trágica noite dos tatos. Será que o desamor exagerado desses estranhos tempos que correm terá chegado a um extremo tal que pudesse levar um pai, ou sua companheira, a tão cruelmente eliminar uma graciosa filha de apenas cinco anos e que, certamente, muito os terá amado? Ou será que o estrepitoso evento terá levado às agruras da suspeita e da investigação alguém que as coincidências, algumas vezes imprevisíveis e inevitáveis, do destino, fizeram, em algum momento parecer autor de crime que, quiçá, não deva ser levado à sua conta?

A argúcia e a ciência dos homens, ao menos até o momento em que redigido o presente despacho, não se fizeram capazes de responder a tais e tão inquietantes indagações. Bem por isso, ao juiz, que tem por ideai defender a verdade que conhece e lutar pela Justiça que ama, repugna a idéia de fazer submeter alguém às agruras do cárcere, impondo-lhe o desmoralizador constrangimento de um aprisionamento que, por ora, não atende aos pressupostos que o legitimariam.

Estes autos, por ora, talvez retratem mais uma história daquelas onde quem pudesse merecer reprimenda, acaba favorecido por uma incontrolável e desastrosa vocação do homem para a insinceridade, para a inverdade, para a dissimulação. Queira Deus não venham aumentar a estatística dos feitos onde a Justiça concreta não pôde ser feita e onde o mal terá prevalecido sobre o bem. Mas, de qualquer forma, pelo que puderam oferecer até aqui, não ensejam a preservação da prisão temporária inadequadamente proclamada.

Resta-me, porém, e tão somente, o consolo e a esperança de que algum dia a verdade sobreleve. Ou para apontar o real culpado por tão doloroso procedimento ou para afastar, definitivamente, suspeitas que recaiam sobre quem não as mereça. Diante de todo o exposto, defiro a medida liminar, a fim de revogar, si et in quantum, a prisão temporária dos pacientes, expedindo-se em favor deles os competentes alvarás de soltura clausulados.

Requisitem-se informações à autoridade coatora e, a seguir, dê-se vista à Procuradoria Geral da Justiça.

Int.

Des. Canguçu de Almeida Relator

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