Mero B.O

Alegação de furto não livra depositário infiel da prisão

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9 de abril de 2008, 17h43

A alegação de furto, ainda que acompanhada de Boletim de Ocorrência, não tira do depositário fiel a obrigação de guarda dos bens e nem é justificativa para livrá-lo da prisão. Quem entende dessa forma é a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região (Minas Gerais).

Para juiz convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires, o B.O é documento unilateral, já que contém apenas as alegações daquele que o registra. “O que comprovaria o crime alegado seria a instauração de ação penal com a inequívoca prova do furto, hipótese inexistente no remédio instaurado”, destaca o relator.

No caso, Izac Lages Duarte é sócio da empresa reclamada e depositário dos bens penhorados na ação trabalhista. Intimado a entregar os bens ou o dinheiro, sob pena de prisão, alegou o furto do material no galpão da empresa, em 2006. Duarte apresentou cópia do B.O como prova.

Os juízes, no entanto, entenderam que não há ilegalidade na ordem de prisão, já que foram dadas a ele oportunidades para que cumprisse a obrigação. Mas, há anos, ele se esquivava. Ribeiro Pires chamou a atenção para o fato de que o BO foi lavrado 22 dias depois da suposta ocorrência, afastando a credibilidade do documento.

“Ora, tratando-se de bens apreendidos judicialmente, cuja localização já vinha sendo obstada pelo depositário, causa no mínimo estranheza o Boletim de Ocorrência Policial apresentado pelo depositário, inclusive, registrando o fato alegado com 22 dias de atraso”, destacou o relator.

Segundo o juiz, não foi comprovada qualquer circunstância que caracterizasse caso fortuito ou de força maior de justificar a não entrega dos bens pelo depositário fiel, nos termos do artigo 642 do Código Civil. “O que se verifica, portanto, é a resistência do paciente em obedecer ao comando judicial, e não a impossibilidade de cumprimento da ordem”, conclui Ribeiro Pires.

Como Duarte insistiu no expediente para atrasar a execução, revela-se descaso pelo encargo assumido, argumentou o juiz. Dessa forma, a turma manteve a sua prisão.

Leia decisão

Habeas Corpus 00240-2008-000-03-00-3

IMPETRANTE: IZAC LAGES DUARTE

IMPETRADO: JUIZ DA 1ª VARA DO TRABALHO DE CORONEL FABRICIANO

Relator: Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires

EMENTA: HABEAS CORPUS – ALEGAÇÃO DE FURTO – BOLETIM DE OCORRÊNCIA – IMPRESTABILIDADE- A despeito das alegações do impetrante, não restou comprovado o alegado furto, pois limitou-se a trazer aos autos tão-só o Boletim de Ocorrência, o qual, obviamente, não se presta ao fim pretendido, porque se cuida de documento unilateral, sendo notório que qualquer cidadão pode alegar o que lá consta, e na forma que melhor aprouver. O que comprovaria o crime alegado seria a instauração de ação penal com a inequívoca prova do furto, hipótese inexistente no remédio instaurado. Afasta-se qualquer credibilidade ao documento apresentado como prova e denega-se a ordem de habeas corpus pretendida.

Vistos e relatados os presentes autos de Habeas Corpus do paciente IZAC LAGES DUARTE contra decreto de prisão proferido pelo Exmo. JUIZ DA 1ª VARA DO TRABALHO DE CORONEL FABRICIANO.

RELATÓRIO

O impetrante narra que é depositário fiel dos materiais esportivos penhorados na ação trabalhista proposta em 2001 por Clésia Júlia dos Anjos contra Só Esportes e Colegial LTDA., os quais foram transferidos da loja para o galpão da empresa, de onde foram furtados em 2006, segundo boletim de ocorrência que apresenta.

Sustenta que informou o “caso fortuito e de força maior” ao juízo da execução, que há procedimento de inquérito policial acerca do crime e sustenta que o Superior Tribunal de Justiça tem demonstrado entendimento jurisprudencial no sentido de que, em casos como tais, o princípio in dubio pro reo socorre ao depositário. Requereu liminarmente a restituição da liberdade. Juntou procuração, fl. 07 e documentos, fls. 08/21.

A liminar foi indeferida por inexistência de fumus boni iuris, fls. 22/27, em 07.03.08, enviando-se cópia via “fac simille” do despacho à autoridade coatora.

Informações do Exmo. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano à fl. 30, em 10.03.08.

Em regime de urgência, à luz do disposto nos artigos 161, parágrafo 2º, c/c 99, parágrafo 1º, do R.I., o processo foi incluído em pauta.

Parecer oral do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Admito o processamento da medida, preenchidos os pressupostos de que trata o artigo 654 do Código de Processo Penal.

JUÍZO DE MÉRITO

DEPOSITÁRIO INFIEL – INSISTÊNCIA REITERADA EM

EXPEDIENTE PROCRASTINATÓRIO – ORDEM DENEGADA

O caso sob análise já é de meu conhecimento, desde 2006, não se alterando a situação analisada.

O impetrante é sócio da reclamada e depositário dos bens objetos da constrição operada nos autos da reclamatória trabalhista, e tenta a qualquer esforço esquivar-se.

A determinação do juízo originário bem elucida a situação em exame.

O Sr. Izac Lages Duarte foi nomeado fiel depositário dos bens penhorados, questão que o paciente não discute.

Foi o depositário intimado a proceder à entrega dos bens, nas condições descritas no Auto de Penhora, ou o equivalente em dinheiro, sob pena de ser decretada a prisão.

Várias oportunidades não faltaram ao paciente para que procedesse ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. Frustradas todas as tentativas de satisfação da execução o impetrante insiste com a alegação não provada de furto.

A cópia de Boletim de Ocorrência Policial – BOP, base de seu pedido de reconsideração da ordem de prisão decretada, somada ao argumento de que inexiste nos autos qualquer indício de que tivesse agido de má-fé ou obstado a ação da justiça, é imprestável como prova hábil de furto.

Analisando o referido BOP, não há nenhuma referência em relação ao paciente, e citada ocorrência, se é que realmente existiu, teria sido efetivada em 02/07/2006, com comunicação ao órgão policial somente em 24/07/2006 . Ora, tratando-se de bens apreendidos judicialmente, cuja localização já vinha sendo obstada pelo depositário, causa no mínimo estranheza o Boletim de Ocorrência Policial apresentado pelo depositário, inclusive, registrando o fato alegado com 22 dias de “atraso”. Veja-se ainda, que o BO e documentos oriundos da delegacia de polícia fazem referência a um Senhor de nome Manoel de Jesus Lages Duarte, conforme documentos de fls.8 e 9.

Não há portanto, da análise dos autos, que se falar em ilegalidade da ordem de prisão.

Por outro lado, não comprova o impetrante qualquer circunstância, capaz de caracterizar caso fortuito ou força maior (artigo 642 do Código Civil), capaz de justificar a escusa, como depositário nomeado, quanto ao ônus da entrega dos bens, sendo esclarecedor o verbete legal citado no sentido de que “o depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová -los”. Com efeito, a despeito das alegações da impetrante, não restou comprovado o alegado furto – única prova capaz de elidir a penalidade aqui imposta. Limitou-se o impetrante a trazer aos autos tão-só o Boletim de Ocorrência e expedientes da delegacia de polícia, os quais, obviamente, não se prestam ao fim pretendido, porque se cuida de documento unilateral, sendo notório que qualquer cidadão pode alegar o que lá consta, e na forma que melhor aprouver. O que comprovaria o crime alegado seria a instauração de ação penal com a inequívoca prova do furto, hipótese inexistente no remédio instaurado. Aliás, como visto, a demora de mais de vinte dias entre o suposto furto e a ocorrência policial afasta qualquer credibilidade que se pudesse atribuir ao documento, como prova.

O que se verifica, portanto, é a resistência do paciente em obedecer ao comando judicial, e não a impossibilidade de cumprimento da ordem. Em conseqüência, para a legalidade da prisão decretada, caracterizada está a infidelidade do depositário. Com mais razão ainda se atentarmos para o fato de que é legítima a intenção da autoridade coatora de obter do paciente os bens deixados sob a guarda do próprio sócio da empresa executada, constatando-se o descumprimento dos deveres assumidos na condição de depositário. Ainda mais quando “o encargo do depositário de bens pode ser expressamente recusado” conforme entendimento sedimentado pelo verbete jurisprudencial no. 319, também do C. STJ, faculdade não utilizada pelo impetrante que, segundo se depreende dos autos, não recusou o mister que lhe fora conferido.

Manifesta é a infidelidade, sobretudo diante da oportunidade concedida de substituir os bens constritos por dinheiro, esquivando-se o depositário e insistindo em expediente procrastinatório, o que serve apenas para revelar a completa negligência e descaso para com o encargo assumido.

Razões pelas quais, denego a ordem de habeas corpus determinando seja a i. autoridade judicial imediatamente oficiada acerca da presente decisão.

CONCLUSÃO

Admito o habeas corpus e denego a ordem requerida, determinando cientifique-se, desta decisão, através de ofício, a Autoridade impetrada.

Inexistem custas – art. 5º, LXVIII, da CR/88.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária da sua Egrégia Quinta Turma, hoje realizada, julgou o presente processo e, à unanimidade, admitiu o “habeas corpus” e denegou a ordem requerida, determinando cientifique-se, desta decisão, através de ofício, a Autoridade impetrada. Inexistem custas – art. 5o., LXVIII, da CR/88.

Belo Horizonte, 11 de março de 2008.

PAULO MAURÍCIO RIBEIRO PIRES

Juiz Convocado Relator

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