Ação trabalhista

Justiça do Trabalho nega sigilo para acordo comercial

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8 de abril de 2008, 13h25

Transação empresarial, por mais expressiva que seja, não tem o requisito do interesse público para ser mantida em sigilo pela Justiça do Trabalho, até porque negócios privados não envolvem a preservação dos direitos da personalidade. O entendimento é do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, da 19ª Vara do Trabalho de Brasília. O juiz negou o pedido de preliminar da Ambev para que fosse decretado segredo de justiça na ação trabalhista movida por um ex.empregado da empresa.

O processo foi movido por ex-motorista de uma concessionária da Ambev, comprada por ela posteriormente. As duas foram acionadas após a demissão do empregado que tinha estabilidade por pertencer ao Conselho Fiscal do sindicato. Ao pedir o segredo de Justiça na ação, a Ambev alegou que existia cláusula de confidencialidade no contrato de compra da concessionária, que teve detalhes citados nos autos.

Apesar de o pedido de sigilo se referir aos termos do acordo comercial entre a Ambev e a concessionária, que não estava em discussão na ação, o juiz Grijalbo Fernandes Coutinho rejeitou a preliminar. Grijalbo considerou que só deve existir segredo de justiça nos processos sobre separação, divórcio, pensão alimentícia e guarda de menores. “Não me convenço do segredo de justiça nem mesmo na hipótese de a questão estar relacionada ao mercado financeiro e aos investidores”, considerou.

Para Coutinho, deixar o processo correr em segredo de Justiça “esvaziaria o conceito de Estado Democrático de Direito”. “Não me convenço do segredo de justiça nem mesmo na hipótese de a questão estar relacionada ao mercado financeiro e aos investidores”, afirmou.

O juiz chamou o segredo de Justiça de “cadeado” e afirmou que a ferramenta serve “para aniquilar o interesse público, os desejos e aspirações da sociedade, preponderando, de maneira absolutamente inqüestionável, os conchavos construídos por empresários, banqueiros e agentes políticos.”

“A censura, com aval do Poder Judiciário, pode proteger os mais diversos interesses, menos o do conjunto da sociedade”, disse o juiz na sentença. Como a preliminar foi rejeitada, o juiz pôde analisar o processo. Ele reconheceu que houve sucessão trabalhista, o que justifica obrigar a Ambev a arcar com a condenação trabalhista e entendeu que o empregado, como fiscal de sindicato, tinha direito a estabilidade, portanto à reintegração ao emprego.

“Em nome da liberdade sindical contemplada na garantia de emprego aos líderes de classe, tenho que o membro do Conselho Fiscal deve usufruir das mesmas garantias conferidas aos seus colegas de Diretoria, não só porque Diretoria e Conselho formam um corpo único na defesa das bandeiras sociais de maior envergadura, sujeitos, assim, a idênticas pressões e retaliações, como também ocupam as lideranças dos trabalhadores posições cercadas de legitimidade e representatividade”, afirmou o juiz.

A Ambev ainda pode recorrer da decisão.

Leia a sentença

ATA DE AUDIÊNCIA-

PROCESSOS: 01278—2007-019-10-00-9 (RECLAMAÇÃO TRABALHISTA) e 01208-2007-019-10-00-0(AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO)

RECLAMANTE/CONSIGNADO: JULIANO GOMES DA SILVA

RECLAMADA/CONSIGNANTE: SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA LTDA

RECLAMADA (Segunda): AMBEV-COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

JULIANO GOMES DA SILVA ajuizou ação trabalhista em desfavor das empresas SOBEBE-SOCIEDADE DE BEBIDAS BRASILIENSE LTDA, cuja denominação foi alterada para SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA LTDA (fls. 49 e 54), e AMBEV-CIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS, alegando, em síntese,que foi contratado pela primeira reclamada para exercer a função de Ajudante em 06 de julho de 1998, tendo sido promovido à função de Motorista no dia 1º de abril de 2000, cuja última remuneração importou em R$ 943,00( novecentos e quarenta e três reais).

Aduz o obreiro que a primeira reclamada era concessionária da segunda demandada (AMBEV)no Distrito Federal,comercializando e distribuindo os seus produtos de modo exclusivo, até o mês de outubro de 2007, quando os ativos da SOBEBE foram adquiridos pela AMBEV, daí resultando no aproveitamento do “ponto” comercial e de 80%(oitenta por cento) do pessoal da primeira reclamada, quadro a configurar, no entendimento do reclamante, a sucessão trabalhista prevista nos artigos 10 e 448, da Consolidação das Leis do Trabalho, o que pretende seja declarado no presente provimento judicial.

Assevera o obreiro que em 09 de janeiro de 2007 foi eleito Presidente do Conselho Fiscal do seu Sindicato de Classe para cumprir mandato de 03(três) anos, prorrogável por mais 01( um) ano, cuja posse se deu em 26 de fevereiro de 2007.

Diz o reclamante que foi imotivadamente dispensado em 10 de outubro de 2007, mediante cumprimento do aviso prévio até o dia 1º de novembro de 2007, embora fosse detentor de estabilidade no provisória no emprego, na forma artigo 8º, VIII, da Constituição Federal, e do artigo 543, parágrafos 3º e 5º, da CLT.


Finalmente, denuncia o autor outras irregularidades praticadas pela empregadora durante o contrato de trabalho.

Além da concessão de liminar, requereu o autor o deferimento do pleito de reintegração aos quadros da AMBEV, apontada como sucessora trabalhista, com a manutenção de todas as cláusulas e demais vantagens do contrato de trabalho, incluindo salários, cesta básica e auxílio alimentação, tudo a partir de 1º de novembro de 2007.

Sucessivamente, postula o pagamento de indenização substitutiva da estabilidade provisória no emprego, verbas rescisórias, multas, devolução de descontos, FGTS, seguro desemprego e restituição de descontos indevidos, tudo nos termos da petição inicial (fls. 02/09), que veio acompanhada dos documentos de fls. 10/37.

À causa foi atribuído o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Por meio da interlocutória de fls. 39/41, deferi, de maneira parcial, o pedido de antecipação da tutela para determinar a reintegração do reclamante aos quadros funcionais da segunda reclamada.

Em audiência realizada no dia 18 de dezembro de 2007 (fls. 49/52), determinei a reunião dos autos da ação de consignação em pagamento movida pela primeira reclamada em desfavor do empregado (processo 1208/07) aos presentes, considerando a conexão existente entre as referidas ações.

Naquela mesma oportunidade, o empregado recebeu o valor depositado pela primeira reclamada nos autos da ação de consignação em pagamento, registrando, porém, que a sua iniciativa não prejudica o pleito de reintegração aos quadros da empresa, mas se recusou a receber o FGTS e o seguro desemprego (fls. 49/50).

Ainda em audiência, o procurador das reclamadas aduziu fatos que afastariam a estabilidade no emprego perseguida pelo reclamante, requerendo, por conseguinte, a revogação da medida antecipatória concedida ao empregado.

A antecipação dos efeitos da tutela foi mantida.

Em sua defesa (fls. 53/70), a primeira reclamada, SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSITICA – LTDA-, declara que o autor, na qualidade de membro do Conselho Fiscal, não é detentor de estabilidade no emprego, valendo-se, para tanto, de interpretação jurisprudencial transcrita na peça contestatória. Noticia o fim se suas atividades ( extinção), mas nega a existência de sucessão trabalhista, impugnando, ainda, os pedidos de restituição de valores e de honorários assistenciais. Por derradeiro, requer a primeira reclamada, em caso de eventual condenação, seja determinada a compensação das parcelas pagas, além das retenções previdenciárias e fiscais. A defesa empresarial veio acompanhada de documentos (fls. 71/97).

Defendendo-se (fls. 98/116), a segunda reclamada, COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS-AMBEV- requer a decretação do segredo de justiça e argüi preliminar de ilegitimidade passiva “ad causam”. No mérito, impugna os pleitos de declaração de estabilidade provisória no emprego e de sucessão trabalhista mediante utilização dos mesmos argumentos aduzidos pela outra demandada, como também o faz no que pertine aos descontos previdenciários e fiscais. Protesta pela improcedência das postulações obreiras. Colacionados os documentos de fls.117/182.

Na ação de consignação em pagamento antes noticiada ( processo nº 1208/07), promovida pela primeira reclamada, SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA LTDA, contra o reclamante, JULIANO GOMES DA SILVA, fls. 183/187,pretende a empresa efetuar o pagamento das verbas rescisórias discriminadas às fls. 194( TRCT), no valor líquido de R$ 2.855,18(dois mil, oitocentos e cinqüenta e cinco reais e dezoito centavos), além de liberar o FGTS e o seguro desemprego. Foram exibidos documentos com a petição inicial (fls. 188/208).

O autor apresentou réplica às defesas empresariais (fls.230/234).

Informações foram prestadas ao Juiz Relator do Mandado de Segurança impetrado pela AMBEV, segunda reclamada, contra a decisão que antecipou os efeitos para determinar a reintegração do empregado-MS 553-2007-TRT 10 (fls.235/238).

O consignado contestou, em peça própria (fls.244/248), a tentativa da empresa SOBEBE em rescindir o contrato de trabalho.

Após a coleta da prova oral (depoimentos pessoais e testemunhais) e sem outros elementos, a instrução processual foi encerrada( fls. 241/243).

Razões finais orais.

Infrutíferas as tentativas conciliatórias.

É o Relatório.

II – FUNDAMENTOS

1- SEGREDO DE JUSTIÇA

A segunda reclamada, AMBEV, requer a tramitação do processo em segredo de justiça, sob o argumento de que “existe Cláusula de Confidencialidade no Distrato havido entre as empresas envolvidas, justificando-se ainda, o pedido, em face dos valores envolvidos na negociação comercial o qual, pode ser de significativa monta, poderia gerar insegurança inclusive para as pessoas físicas envolvidas” (fls. 99).


A Constituição Federal, em atenção aos princípios que regem o processo e o seu caráter público, como regra geral, assegura a publicidade dos atos processuais, sendo certo que eventual sigilo ou segredo de justiça a ser decretado pelo juiz, nos autos, está condicionado à preservação da intimidade ou ao interesse público (CF, artigo 5º,LX).

Em harmonia com tal preceito, o Código de Processo Civil (artigos 155 e 444) estabelece que correm em segredo de justiça tão-somente os feitos “em que o exigir o interesse público” e naqueles “que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores”.

Ora, uma transação empresarial, por mais expressiva que seja, não tem o requisito do interesse público para ser mantida em sigilo pela Justiça do Trabalho, muito menos esses negócios privados envolvem a preservação dos direitos de personalidade.

A insegurança de terceiros, pessoas físicas, espécie de sentimento, devo dizer, não provada nos autos, está longe de autorizar a conclusão empresarial. A prevalência do raciocínio exposto na defesa, sem nenhuma dúvida, não só militaria contra uma garantia do cidadão brasileiro,como também esvaziaria o conceito de Estado Democrático de Direito anunciado como Princípio Fundamental pelo artigo 1º, da Carta Política.

Definitivamente, respeitando posição em sentido contrário, registro que a tese da AMBEV está dotada de notória fragilidade, ao perseguir o segredo de justiça na tramitação de processo apenas pelo fato de existir nos autos documentos envolvendo um contrato particular celebrado com a outra reclamada, de valor supostamente elevado.

Não me convenço do segredo de justiça nem mesmo na hipótese de a questão estar relacionada ao mercado financeiro e aos investidores, considerando que em tais circunstâncias, normalmente, os “cadeados” lançados sobre os processos, via de regra,servem exatamente para aniquilar o interesse público, os desejos e aspirações da sociedade, preponderando, de maneira absolutamente inqüestionável, os conchavos construídos por empresários, banqueiros e agentes políticos.

A defesa do interesse público não se confunde com a ânsia do investimento e da incessante busca pela alta lucratividade auferida por algumas pessoas físicas nas sociedades comerciais, risco o qual integra a própria natureza de tal opção de destino das riquezas adquiridas por uma parcela muito pequena da sociedade brasileira.

Os negócios das reclamadas, ainda que divulgados pelos mais diversos meios de comunicação, não afetam a vida da maior parte da população brasileira, composta de trabalhadores, muitos vivendo na informalidade e sem a proteção do Estado.

A reclamada AMBEV, de maneira surpreendente, tendo em vista o escancarado apreço pela divulgação ostensiva de seus produtos na mídia e também de seu porte insuperável no âmbito da América Latina, no ramo econômico que explora, pretende aqui manter em sigilo ou segredo de justiça,com uma tarja a ser lançada na capa dos autos, própria das épocas autoritárias, algo apontado como regular negócio celebrado com a empresa que divulgava e comercializava os seus produtos.

A censura, com aval do Poder Judiciário, pode proteger os mais diversos interesses, menos o do conjunto da sociedade.

Rejeito o requerimento de decretação do segredo de justiça, deduzido pela reclamada AMBEV.

2- PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA SEGUNDA RECLAMADA

Sustenta a AMBEV, segunda reclamada, ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da relação jurídica em análise. É que o autor jamais lhe prestou qualquer serviço, sendo pessoa jurídica distinta da primeira reclamada, SOBEBE, empregadora real. Desta forma, pede a extinção do processo, sem julgamento, do mérito, nos termos do artigo 267, VI, e 295, II, do CPC.

Não é esse o tema que se discute nos autos. O reclamante busca o reconhecimento da sucessão trabalhista.

De qualquer modo, seja qual for o ângulo, a matéria não guarda nenhuma relação com a preliminar de ilegitimidade de parte, nem com qualquer outra condição da ação.

Apenas destaco que a referida condição da ação está umbilicalmente vinculada à pertinência subjetiva. Ora, ao escolher as reclamadas para figurarem no pólo passivo da relação jurídica, na qualidade de empregadora e de sucessora trabalhista, respectivamente, mesmo que não logre êxito quanto ao reconhecimento do quadro previsto nos artigos 10 e 448, da CLT, o autor arca com as conseqüências do seu ato. E o resultado, caso prevaleça a tese empresarial, jamais será o da extinção do processo, sem apreciação do mérito, por falta de condição da ação, mas o da improcedência( mérito) do pleito.

As condições da ação devem ser consideradas em abstrato, vinculadas tão-somente à pertinência entre os fatos deduzidos na petição inicial e os fundamentos jurídicos das pretensões deduzidas pelo obreiro.


É evidente que estão presentes as condições da ação, eis que a pretensão deduzida pelo autor, em tese, encontra agasalhamento legal. Na precisa definição do processualista Moacyr Amaral Santos, “Possibilidade jurídica do pedido é a condição que diz respeito à pretensão. Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão, em abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo. Ou seja, mais precisamente, o pedido deverá consistir numa pretensão que, em abstrato, seja regulada pelo direito objetivo, isto é, admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor.” (In, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, página 166, 1º volume, Editora Saraiva, 14ª Edição, São Paulo-SP).

Eventual indeferimento do pleito de reconhecimento da sucessão trabalhista, reitero, pode determinar a sua improcedência, jamais a extinção do feito sem resolução de mérito.

Rejeito a prefacial.

3- SUCESSÃO DE EMPREGADORES – ELEMENTOS – CONFIGURAÇÃO

Afirma o obreiro que a primeira reclamada (SOBEBE) era concessionária da segunda demandada (AMBEV) no Distrito Federal, comercializando e distribuindo os seus produtos de modo exclusivo, até o mês de outubro de 2007, quando os ativos da SOBEBE foram adquiridos pela AMBEV, daí resultando no aproveitamento do “ponto” comercial e de 80%(oitenta por cento) do pessoal da primeira reclamada, quadro a configurar, no entendimento do reclamante, a sucessão trabalhista prevista nos artigos 10 e 448, da Consolidação das Leis do Trabalho, o que pretende seja declarado no presente provimento judicial.

As reclamadas negam a sucessão trabalhista.

Da defesa da primeira demandada destaco o seguinte:

“Como bem informou o Reclamante na exordial, a 1ª Reclamada deixou de existir enquanto empresa de distribuição de bebidas, ou seja, não atua mais no ramo de atividade do Sindicato representante do Autor. Assim, a estabilidade daquele, decorrente da eleição sindical, não mais persiste”. Acrescenta, ainda, que “A 1ª reclamada não era concessionária da 2ª como afirmado na exordial, ao contrário, era pessoa jurídica independente que não se confunde com 2ª Reclamada, possuindo, reitere-se, objetivos sociais e áreas de atuação diversas, pelo que não há se falar em grupo econômico entre as empresas trazidas no pólo passivo nem em sucessão trabalhista” (fls. 62/63 e 66).

De maneira mais contundente, a segunda reclamada aduziu que:

“No caso em apreço, a pactuação não provocou nenhuma alteração na estrutura jurídica da SOBEBE, 1ª Reclamada, tampouco uma mudança na propriedade desta empresa, de forma a induzir à caracterização de sucessão trabalhista, na acepção dos artigos 10 e 448, da CLT, o que houve, Excelência é que a referida empresa encerrou suas atividades, desligou seus empregados e teve seus ativos financeiros comprados pela 2ª Reclamada. Assim, duas empresas que em hipótese alguma podem ser consideradas integrantes do mesmo grupo econômico, realizaram negócio de natureza civil/comercial, segundo o qual, a 2ª Reclamada adquiriu os ativos financeiros da 1ª Reclamada, inclusive no que toca a sua estrutura física, tudo após a extinção desta última. Acrescente-se, por oportuno, que os empregados da 1ª Reclamada tiveram seus contratos rescindidos e aqueles que atendiam às necessidades da 2ª Reclamada, foram por essa contratados, até porque já trabalhavam em área similar o que é razoável, lógico e legal. Não bastasse, os objetos de uma e de outra empresa não se confundem haja vista que a primeira Reclamada era distribuidora de alimentos de produtos enquanto a segunda comercializa os seus próprios produtos, não havendo, também sob este aspecto, confusão entre as empresas Reclamadas a justificar o pedido de sucessão formulado”( fls. 109/110).

Os artigos 10 e 448, da CLT, visam dar eficácia ao princípio da continuidade das relações de emprego e assegurar aos trabalhadores, por outro lado, o respeito aos seus direitos sociais conquistados, independentemente de alterações na estrutura jurídica da empregadora. Nesse sentido, os comandos legais antes identificados encontram-se em perfeita harmonia com a indispensável intervenção estatal nas relações entre o capital e o trabalho, numa perspectiva de concretude da imperatividade das normas protetoras do direito laboral.

Essa alteração de estrutura jurídica da empresa não está restrita aos casos de mudança do seu quadro societário ou de sua denominação, para fins de sucessão trabalhista. Desde que o negócio antes empreendido seja assumido por outra pessoa, pelos mais diversos modos de aquisição de patrimônio, haverá sucessão trabalhista. Para ilustrar, destaco a hipótese do fundo de comércio da empregadora transferido como legítima sucessão de empregadores.

Maurício Godinho Delgado, na clássica obra “Curso de Direito do Trabalho”, consigna que “o sentido e objetivos do instituto sucessório trabalhista residem na garantia de que qualquer mudança intra ou interempresarial não poderá afetar os contratos de trabalho (arts. 10 e 448, CLT). O ponto central do instituto passa a ser qualquer mudança intra ou interempresarial significativa que possa afetar os contratos empregatícios. Verificada a mudança, opera-se-ia a sucessão trabalhista-independentemente da continuidade efetiva da prestação laborativa. À luz dessa vertente interpretativa, também configura situação própria à sucessão de empregadores a alienação ou transferência de parte significativa do(s) estabelecimento(s) ou da empresa de modo a afetar a alterar significativamente os contratos de trabalho. Ou seja, a mudança na empresa que afete a garantia original dos contratos empregatícios provoca a incidência legal dos arts. 10 e 448 da CLT”( LTr, 6ª Edição, 2007, São Paulo, páginas 411/412).


Observando os termos das contestações, forçoso concluir que a sucessão de empregadores restou confessada, especialmente quando a segunda reclamada, AMBEV, admite que adquiriu ativos financeiros da primeira reclamada, “no que toca a sua estrutura física, tudo após a extinção desta última” (fls.109), ou seja, adquiriu o fundo de comércio, além de ter contratado alguns empregados da referida empresa.

Para configurar a sucessão, ao contrário da tese exposta pela segunda reclamada, é irrelevante o fato de o empregado não ter permanecido no exercício de suas atividades perante o novo empreendimento. Ao contrário, em tal contexto, a sucessão, na qualidade de regra protetora trabalhista, se mostra ainda mais evidente. A sucessão trabalhista existe também para impedir o rompimento dos contratos de trabalho pela simples aquisição do fundo de comércio, em sua universalidade ou na fração mais expressiva, por outra empresa.

A aquisição do empreendimento comercial da primeira reclamada, pela segunda demandada, está exposta no contrato particular entre elas celebrado e trazido aos autos (fls. 160/170),de modo a não remanescer dúvida alguma acerca do seu enquadramento nos dispositivos da CLT( 10 e 448).

Por conseguinte, acolho o pleito para declarar que houve sucessão trabalhista.

É a segunda reclamada, AMBEV, sucessora trabalhista, para todos os fins.

4- ESTABILIDADE NO EMPREGO – MEMBRO DO CONSELHO FISCAL DO SINDICATO – REPRESENTAÇÃO SINDICAL – REINTEGRAÇÃO E DEMAIS CONSECTÁRIOS

O reclamante alega que foi contratado pela primeira reclamada para exercer a função de Ajudante em 06 de julho de 1998, tendo sido promovido à função de Motorista no dia 1º de abril de 2000, cuja última remuneração importou em R$ 943,00( novecentos e quarenta e três reais).

Assevera o obreiro que em 09 de janeiro de 2007 foi eleito Presidente do Conselho Fiscal do seu Sindicato de Classe para cumprir mandato de 03(três) anos, prorrogável par mais 01( um) ano, cuja posse se deu em 26 de fevereiro de 2007. Diz o reclamante que foi imotivadamente dispensado em 10 de outubro de 2007, mediante cumprimento do aviso prévio até o dia 1º de novembro de 2007, embora fosse detentor de estabilidade provisória no emprego, na forma artigo 8º, VIII, da Constituição Federal, e do artigo 543, parágrafos 3º e 5º, da CLT, motivo pelo qual pretende ser reintegrado aos quadros da segunda reclamada.

Em absoluta harmonia, as reclamadas declaram que o autor, na qualidade de membro do Conselho Fiscal, não é detentor de estabilidade no emprego (artigo 522, da CLT). E ainda que o fosse, dizem as empresas, o empregado teria perdido a garantia em face da extinção da primeira reclamada, no ramo da atividade para o qual o empregado desenvolveu suas funções e foi eleito para ocupar cargo sindical.

Penso de forma diferente sobre o assunto. E algumas das minhas razões para assim concluir foram reveladas em audiência, quando mantive a decisão que antecipou os efeitos da tutela, cujos termos são reiterados:

“Observando a ata de eleição de fls 35/36, constato que o reclamante foi eleito para exercer o cargo de Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Distribuidoras de Bebidas no Distrito Federal.

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, ao longo de mais de 60 anos de vigência, tem recebido acusações das mais diversas ordens por parte de empregadores e, algumas vezes, pelas próprias lideranças dos trabalhadores. É certo que o diploma legal referido representa uma conquista civilizatória da classe trabalhadora brasileira, a ponto de, 60 anos após a sua edição, o parlamento brasileiro não ter conseguido aprovar medidas de maior relevância, no campo trabalhista. Portanto, do ponto de vista do direito individual do trabalho, a velha CLT é um marco para os trabalhadores brasileiros.

Por outro lado, no que se refere ao direito coletivo e à liberdade sindical, algumas críticas feitas à CLT são justas, especialmente quanto ao capítulo que trata da organização sindical, demasiadamente estatal num campo em que as disputas devem ser resolvidas a partir da efetiva correlação de forças na relação entre o capital e o trabalho. Dentro de tal contexto, registro que o número de diretores, inicialmente fixado pela CLT, para fins de estabilidade sindical, sem nenhuma dúvida, ofende o princípio da liberdade que deve ser conferida às entidades de caráter coletivo.

Em certa medida, a Constituição Federal de 1998 rompeu com alguns paradigmas equivocados da organização sindical brasileira, embora não tenha eliminado resquícios de períodos ditatoriais do Estado brasileiro, citando-se, como exemplo, a manutenção do imposto sindical e da unicidade compulsória.

O mais relevante, no entanto, foi a liberdade sindical ali anunciada como princípio, posicionamento em perfeita sintonia com as normas internacionais do trabalho editadas pela OIT.


É por essa razão, em rápidas palavras, que devo concluir que o empregado eleito para o exercício do cargo de Presidente do Conselho Fiscal de determinada entidade é representante sindical e, nessa qualidade, usufrui das mesmas garantias conferidas aos demais dirigentes. É o inciso VIII, do art. 8º, da CF, que assegura tal estabilidade aos empregados ocupantes de cargos de direção ou de representação sindical.

Como posso concluir que alguém legitimamente eleito pela categoria, ainda que para cargo do Conselho Fiscal, não é representante sindical?

É o princípio da absoluta liberdade sindical, que apenas sofre eventual restrição em caso de abusos, que assegura ao membro do Conselho Fiscal estabilidade no emprego para que possa exercer as suas relevantes funções sem qualquer tipo de ingerência patronal. Com todo respeito, ainda que ao membro do Conselho Fiscal seja atribuída como função precípua a verificação da regularidade ou não das contas do sindicato, o fato é que ele integra uma entidade para examinar tal regularidade, sem prejuízo da efetiva participação em outras tarefas próprias do sindicato, sem desprezar o fato de que na ausência da estabilidade, também não teria a liberdade para sequer emitir parecer sobre as contas de sua entidade, sem qualquer pressão, oriunda do empregador ou mesmo dos demais dirigentes.

Respeitando eventual posicionamento em sentido contrário do col. TST, em nome do princípio da livre convicção e da independência jurisdicional, considero que o membro do Conselho Fiscal é, no mínimo, representante sindical. Aliás, na verdade, o considero dirigente sindical. Mas aqui, devo registrar, limito-me a observar a garantia conferida aos representantes sindicais pelo inciso VIII, do art. 8º, da CF.

Mantenho, o despacho de fls 39/41, porque, num juízo preliminar, típico desse tipo de avaliação, tenho o reclamante como representante sindical regularmente eleito pela categoria profissional, sendo assim detentor da estabilidade conferida pela representação do povo na constituinte de 1986/88″( decisão proferida em audiência, fls. 49/52).

A Constituição Federal explicitou que a estabilidade provisória no emprego é assegurada ao ocupante do cargo de direção ou de representação sindical (CF, artigo 8º, VIII). Mesmo numa interpretação restritiva de que é dirigente sindical apenas o empregado eleito para o exercício do cargo na Diretoria, desprezando, portanto, a feição política das entidades criadas por trabalhadores para a defesa de seus interesses de classe, não consigo conceber a idéia de que o membro do Conselho Fiscal sequer é representante sindical

Representa alguém ou determinado conjunto de pessoas toda e qualquer pessoa investida de mandato para tanto. O reclamante, Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato de sua classe profissional, foi eleito para, em tal instância, representá-la, ainda que a sua missão precípua, do ponto de vista formal, esteja vinculada ao exame da regularidade das contas administradas pelos seus colegas de profissão e de sindicato.

Ora, exerce o reclamante cargo de representação sindical, na condição de representante de todos os trabalhadores perante o Conselho Fiscal, merecendo ele a proteção da garantia de emprego contra todas e quaisquer ingerências no desempenho do seu mister, muitas vezes oriundas do próprio empregador no embate natural travado reiteradamente com o sindicato obreiro.

Sem essa garantia própria de qualquer relação minimamente democrática entre o capital e o trabalho, estou certo de que haveria uma vulnerabilidade capaz de afetar o princípio da liberdade sindical.

A interpretação teleológica da norma constitucional recepcionadora deste princípio resulta no oferecimento daquela proteção aos trabalhadores eleitos para gerir o Sindicato obreiro, sejam eles diretores ou membros do Conselho Fiscal, além dos representantes em CIPAS e outras comissões.

Não deve ser relegado o papel ativo dos membros do Conselho Fiscal nas mais variadas tarefas sindicais, sujeitos, assim como os demais colegas eleitos para dirigir as entidades de trabalhadores, às represálias patronais e às ameaças relacionadas ao rompimento dos contratos de trabalho.

A estabilidade no emprego conferida aos dirigentes e representantes sindicais tem natureza de garantia coletiva, possibilitando o exercício, pelos líderes sindicais assim reconhecidos, de relevantes funções sem as constantes ameaças patronais.

No panorama das Normas Internacionais do Trabalho, a Convenção nº 98 da OIT, declarada como Fundamental e ratificada pelo Brasil, anuncia que “os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego” (artigo 1) e que “as organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra todos e quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração”, tudo no contexto do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva.


As balizas limitadoras da CLT previstas na Seção “Da Administração do Sindicato” encontram-se em descompasso com a liberdade e autonomia sindicais consagradas no artigo 8º, da Constituição Federal, sendo certo que não cabe ao poder público, nem mesmo pela ação do legislador ordinário, interferir na organização sindical para delimitar o número de dirigentes ou estabelecer condutas de administração. Por outro lado, a questão do número de diretores, com o propósito de assegurar a estabilidade no emprego, tem que ser vista a partir da efetiva necessidade dos referidos entes, evitando-se, assim, a figura do abuso de direito.

Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato de sua classe profissional, eleito para representá-la após processo democrático e regular, o reclamante não é apenas o fiscal dos atos financeiros de seus companheiros de Diretoria. A dimensão desse tipo de representatividade política transcende ao conceito meramente burocrático imaginado pelos atores distantes da realidade sindical do país.

Em nome da liberdade sindical contemplada na garantia de emprego aos líderes de classe, tenho que o membro do Conselho Fiscal deve usufruir das mesmas garantias conferidas aos seus colegas de Diretoria, não só porque Diretoria e Conselho formam um corpo único na defesa das bandeiras sociais de maior envergadura, sujeitos, assim, a idênticas pressões e retaliações, como também ocupam as lideranças dos trabalhadores posições cercadas de legitimidade e representatividade.

Detentor de estabilidade no emprego (CF, artigo 8º, VIII), o reclamante não pode ser dispensado antes do prazo estipulado pela norma constitucional.

Como mera conseqüência, declaro a nulidade do ato empresarial voltado para o término do contrato de trabalho, cabendo a reintegração obreira aos quadros da segunda reclamada, AMBEV, sucessora da primeira, SOBEBE.

Mantenho a antecipação dos efeitos da tutela.

A reintegração obreira mantém intacto o contrato de trabalho, devendo a empregadora providenciar o pagamento dos salários do período do afastamento, a cesta básica e o auxílio alimentação, além de outras vantagens, respeitando, pois, todas as condições de trabalho.

Pleito deferido(d).

5- DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E DO RESULTADO ALCANÇADO PELO OBJETO DA AÇÃO MAIS AMPLA – RECEBIMENTO DE VALORES PELO EMPREGADO COM RESSALVA – AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA TÁCITA QUANDO O EMPREGADO DECLARA EXPRESSAMENTE QUE NÃO RENUNCIA À ESTABILIDADE PROVISÓRIA NO EMPREGO – EFEITOS (Processo nº1208-07)

Nos autos da ação de consignação em pagamento, a primeira consignada, SOBEBE, pretende obter a quitação das verbas rescisórias decorrentes da extinção do contrato, sob a alegação de que o “Sindicato não homologou a rescisão contratual pela alegação de que sendo o consignado dirigente sindical, goza de estabilidade provisória”(fls. 185).

Resta evidente que o objeto desta ação foi alcançado a partir da análise do tema nos autos da reclamação promovida pelo empregado, de conteúdo mais amplo.

Ainda assim, o consignado, em audiência (fls. 49/52) e na defesa escrita carreada aos autos (fls.244/248), insurgiu-se contra qualquer medida tendente a romper o contrato de trabalho.

Sendo nula a dispensa levada a efeito pela empregadora, não há se falar em quitação de verbas rescisórias.

O reclamante-consignado requereu o levantamento da quantia depositada pela empresa nos autos da ação de consignação em pagamento (fls. 49/50), declarando que a postura, de modo algum, prejudica o seu pleito declaratório da existência de estabilidade no emprego, assim como a respectiva reintegração, havendo, ainda, expressa recusa de recebimento de FGTS e seguro desemprego.

Deferi o pedido de levantamento por compreender que a ação obreira estava amparada no estado de necessidade e na perspectiva da manutenção da vida digna de trabalhador afastado do trabalho, ao arrepio do texto constitucional, sem a percepção dos meios mínimos de subsistência.

Ainda que não fosse credor da totalidade das verbas, o reclamante fazia jus, naquele ato, ao recebimento de outras parcelas decorrentes do afastamento (salários, assim como as férias e 13º salário pagos não extrapolaram os limites da aquisição de tais direitos).

Atento ao documento de fls. 194, observo que as verbas discriminadas dizem respeito ao pagamento de dias trabalhados, férias indenizadas e abono de 1/3, 13º salário de 2007, saldo (banco horas) repouso, incentivo, qüinqüênio e prêmio.

Verba paga pela rescisão imotivada do contrato, na verdade, não existe nenhuma. Apenas quanto às férias, indenizadas e proporcionais, com abono de 1/3, pode se discutir o pagamento prematuro, que será objeto de compensação.

Nem de longe deve ser cogitada a hipótese de renúncia tácita à reintegração quando o empregado, de forma expressa, reafirma o seu direito, recebendo, na verdade, valores decorrentes de verbas as quais não possuem como fundamento a rescisão imotivada do contrato de trabalho.


Julgo improcedentes as postulações deduzidas na ação de consignação em pagamento.

6- COMPENSAÇÃO

Para evitar o pagamento em duplicidade, determino que na apuração ou na simples exigibilidade das parcelas devidas até o período do afastamento, sejam deduzidos os valores recebidos pelo empregado sob as rubricas dias trabalhados, 13º salário de 2007, saldo (banco horas) repouso, incentivo, qüinqüênio e prêmio, nos idênticos títulos.

As férias indenizadas e proporcionais, acrescidas do abono de 1/3, nas quantias discriminadas pela empresa (fls. 194), devem ser objeto de compensação no ato da concessão de férias, de um período ou mais, se necessário for.

7- RESTITUIÇÃO DE DESCONTOS

À exceção da restituição de descontos, os demais pleitos formulados pelo autor têm caráter sucessivo, prejudicados, assim, em face do deferimento da postulação principal.

Pontua o reclamante que a empregadora promoveu descontos indevidos em sua remuneração. Na qualidade de motorista, diz ele que fazia entrega de produtos da AMBEV, recebendo dos clientes os respectivos pagamentos. Em duas ocasiões, os cheques foram emitidos pelos clientes sem provisão de fundos (R$ 37,00 e R$ 395,00), sob as alíneas 12 e 35, prejuízo que teve de suportar, embora a reclamada tenha lançado no comprovante salarial a falsa rubrica “vale adiantamento”. A fim de corroborar as suas assertivas, o obreiro juntou cópias de cheques com os valores apontados, devolvidos sem provisão de fundos (fls. 27/28).

A reclamada negou que tenha efetuado qualquer desconto no salário do empregado referente aos cheques trazidos aos autos.

Em depoimento pessoal, o reclamante ratificou os termos da petição inicial (fls. 241/242).

A única testemunha ouvida, Alex Campos Fernandes, ocupante da função de motorista, declara que naquela qualidade recebeu alguns cheques de clientes “sem fundo”, mas sem qualquer desconto em sua remuneração, pois “isso caía mais pro lado do vendedor”. Disse a testemunha que embora nunca tenha visto o extrato de descontos do reclamante, a reclamada realizava outros descontos na remuneração dos motoristas( ausência de vasilhames) pela modalidade de “adiantamento de salário”( fls. 242).

Analisado de modo isolado o depoimento testemunhal, sem tomar em consideração outros elementos existentes nos autos, restaria frágil o contexto descrito pelo empregado.

Mas como explicar a posse, pelo reclamante, de cópias de dois cheques devolvidos sem provisão de fundos, nominais à empregadora?

Nada foi dito capaz de justificar a situação.

Aliada à ausência de esclarecimento sobre o fato antes relatado, a declaração testemunhal no sentido de que a empresa faz uso do expediente de falsa antecipação de salário para escamotear outros descontos efetuados na remuneração dos motoristas, tem o papel de realizar um encadeamento de atos tendentes a comprovar a versão obreira.

E quando a empresa não consegue demonstrar o motivo da posse, pelo reclamante, de cheques devolvidos sem provisão de fundos, nominais ao referido empreendimento comercial, nem desconstitui depoimento testemunhal que corrobora uma modalidade de descontos salariais indevidos, é forçoso concluir pela presença do quadro fático narrado na exordial, daí emergindo clara transgressão ao ordenamento jurídico trabalhista( CLT, artigo 462).

Acolho o pedido de restituição de descontos (item y, da inicial).

8- BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA

Declarando ser pobre (fl. 11), pleiteia o reclamante os benefícios da justiça gratuita.

DEFIRO, pois, a gratuidade judiciária postulada pelo autor, na forma das Orientações Jurisprudenciais 304 e 331, ambas da SBDI-1, do c. TST.

9- HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS

Preenchidos os requisitos da Lei nº 5584/70, artigo 14, §1º, defiro o pleito de honorários assistenciais, arbitrados em 15% sobre o valor a ser apurado em regular processo de liquidação.

10- DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

Para que não restem duvidas quanto à inteireza da prestação jurisdicional, é de se observar que a Lei n° 8.177/91 constitui, atualmente, o diploma legal específico para as diretrizes a serem observadas quanto aos débitos trabalhistas e, via de conseqüência, pelo princípio da especialidade, prevalece sobre os demais.

No que se refere ao imposto de renda, tem-se como fato gerador do tributo o denominado “regime de caixa”, segundo o qual a incidência do imposto de renda ocorre no momento da disponibilização do crédito, independentemente da época em que este era devido ao reclamante.

Quanto aos recolhimentos previdenciários, o desconto tem como limite o teto estabelecido pelo INSS, mês a mês, considerando, para esse fim, inclusive, o valor da remuneração mensal. O empregado não deve pagar contribuição previdenciária sobre importância que deixa de ser considerada para o cálculo de sua aposentadoria futura.


Assim, se o reclamante já recolhera sobre o teto máximo previdenciário durante o interregno da condenação e/ou se as parcelas indicadas superam o referido limite, não haverá contribuição previdenciária adicional além do teto do INSS, mês a mês.

Apenas para referência, transcreve-se o teor da jurisprudência consolidada por meio da Súmula nº368 do colendo Tribunal Superior do Trabalho:

Nº 368 – DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 32, 141 e 228 da SDI 1) Alterada pela Res. 138/2005, DJ 23.11.2005

I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição. (ex OJ nº 141 Inserida em 27.11.1998)

II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei nº 8.541/1992, art. 46 e Provimento da CGJT nº 03/2005. (ex OJ nº 32 Inserida em 14.03.1994 e OJ nº 228 Inserida em 20.06.2001)

III. Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto n º 3.048/99 que regulamentou a Lei nº8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição. (ex OJ nº 32 Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 Inserida em 20.06.2001) & parte sublinhada em negrito para destaque, que não consta do original.

O entendimento jurisprudencial transcrito externa o procedimento técnico-contábil para a apuração do recolhimento previdenciário relativo à cota-parte do empregado, segundo o chamado “regime de competência”, que se diferencia do “regime de caixa” – utilizável quanto aos débitos fiscais -, pois, neste último caso, o valor devido é apurado com relação ao momento de disponibilização do crédito, independentemente da época em que o mesmo era devido, ao passo que, para o cálculo do INSS, por meio do regime de competência, há de se obedecer ao limite especificado como teto máximo para o salário-de-contribuição, em atenção ao momento em que a verba salarial era devida ao credor, independentemente de o pagamento só vir a ser realizado meses ou anos depois.

11- COMUNICAÇÃO AO RELATOR DO MS 553-2007- TRT 10

Cópia da presente decisão deve ser encaminhada ao Juiz Relator do MS 553-2007-TRT 10, imediatamente.

IV – CONCLUSÃO

Ante o exposto:

1- julgo Procedentes os pleitos deduzidos na Reclamação Trabalhista (processo 1278/07) para determinar a reintegração do Autor, JULIANO GOMES DA SILVA, aos quadros da segunda Reclamada, AMBEV-COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS-, por ser ele portador de estabilidade provisória no emprego, com a manutenção da antecipação dos efeitos da tutela, além de condenar a referida empresa( AMBEV), sucessora trabalhista reconhecida por meio desta decisão, ao lado da primeira reclamada(SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA LTDA),esta última na qualidade de responsável solidária dada a sua condição de sucedida, ao pagamento de salários, cesta básica, auxílio alimentação e demais vantagens, tudo correspondente ao período do afastamento, com a compensação de valores recebidos pelo empregado em audiência, sob rubricas idênticas, inclusive férias e abono de 1/3. Devidos, ainda, os valores decorrentes de restituição de descontos e honorários ao sindicato assistente, nos termos da fundamentação precedente, que fica integrando o presente dispositivo.

Incidem juros de 1% (um por cento) a partir da data do ajuizamento da presente ação, na forma legal e atualização monetária desde a data da exigibilidade de cada uma das verbas deferidas.

Incidirão as contribuições previdenciárias sobre as parcelas de natureza salarial, na forma da lei(salários, 13° salário, cesta básica e auxílio alimentação), observando-se, porém, o teto de contribuição mensal do INSS.

Recolhimentos previdenciários, na forma do Provimento 01/96, da CGJT, sob pena de execução de ofício (artigo 114, § 3º, da CF), incidentes sobre as parcelas antes indicadas. Deve-se observar a alíquota da contribuição previdenciária do empregado e do empregador, estando a reclamada autorizada a reter a parcela devida ao reclamante, no que se refere às verbas aqui deferidas, (art 30, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8.212/91), devendo a empresa comprovar o recolhimento ao INSS no prazo legal ( Lei nº 8.212/91, artigo 30, inciso I, alínea “b” ).

Recolhimentos fiscais, conforme Provimento 03/2005 da CGJT.

Custas pelas reclamadas, no importe de R$ 600,00(seiscentos reais), calculadas sobre R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor da causa e para esse fim aproveitado.

2- julgo improcedentes os pedidos lançados na ação de consignação em pagamento (processo nº 1208-2007) movida pela empresa SOBEBE DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA LTDA em desfavor de JULIANO GOMES DA SILVA, conforme termos da fundamentação, que fica integrando a parte dispositiva.

Custas de R$ 57,10 (cinqüenta e sete reais e dez centavos), pela empresa consignante, calculadas sobre R$2.855,18, valor da causa e para esse fim aproveitado.

Observar a Secretaria da Vara, para fins de controle de processos resolvidos, que a presente decisão soluciona dois feitos (1278/07 e 1208/07).

Cópia da presente decisão deve ser encaminhada ao Juiz Relator do MS 553-2007-TRT 10, imediatamente.

Intimem-se as partes.

Grijalbo Fernandes Coutinho

Juiz Titular da 19ª Vara do Trabalho de Brasília/DF

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