Fim do ciclo

Herdeiros não têm direito a pensão por acidente de trabalho

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8 de abril de 2008, 14h10

Família não tem direito à pensão paga por diminuição da capacidade de trabalho depois da morte do beneficiário. Este foi o entendimento vencedor na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça na análise do Recurso Especial apresentado pelo espólio de Cláudio Assis Argento.

“Com a morte do trabalhador, a diminuição de sua capacidade laborativa perde a razão de ser. A indenização, se continuasse a ser paga, não encontraria, na sua contrapartida, dano algum indenizável”, concluiu a ministra Nancy Andrighi, divergindo do relator e acompanhada pela maioria da Turma. O ministro Humberto Gomes de Barros (relator) votou no sentido de garantir à família o direito à indenização recebida pelo trabalhador, até a data em que, se estivesse vivo, completaria 65 anos.

Argento trabalhava na Mundial S/A Produtos de Consumo e perdeu 60% da sua capacidade laborativa depois de um acidente em que perdeu a mão esquerda. Como forma de recompensá-lo pela redução da produtividade, a Justiça determinou o pagamento da pensão pela empresa até que completasse 65 anos.

Sua morte aconteceu antes e a família requeria o direito de continuar recebendo a indenização. Em primeira instância, a ação de execução foi extinta. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença, sob o argumento de que “vinculação da parcela indenizatória é personalíssima, porquanto não se pode pretender se transfira ao espólio a possibilidade de auferir ganhos que não teria ao tempo em que o trabalhador, falecido, não mais contibuiria financeiramente ao provimento do núcleo familiar”.

Os desembargadores explicaram que o pagamento da indenização era feito apenas para recompor a perda de salário que o trabalhador teria por conta da redução de sua capacidade produtiva. Era uma forma de complementação do seu salário.

A família recorreu ao STJ. Argumentou que não se poderia impedir a transmissão hereditária do direito concedido ao trabalhador porque tal direito tem conteúdo patrimonial e não personalíssimo.

“É certa a concepção de que a indenização material, decorrente de responsabilidade civil possui caráter estritamente patrimonial, não configurando-se (sic), desta forma, como prestação personalíssima, ou seja, se tal prestação indenizatória possui caráter pecuniário, sendo portanto integrada ao patrimônio do de cujus, por óbvio que é passível de transmissão sucessória, como todos os demais bens do de cujus”, sustentava.

Ao levar o seu voto, a ministra Nancy Andrighi observou que a indenização tem de ser equivalente ao prejuízo causado, “ou seja, não há obrigação de indenizar onde não há dano”. E concluiu que, com a morte do trabalhador, a redução da sua capacidade de produzir perdeu a razão de ser.

“O pagamento se fixou mensalmente porque o dano decorrente do acidente do trabalho não se produziu integralmente no momento do acidente, mas protrai-se no tempo, ou seja: a cada mês em que o acidentado vivia sem uma das mãos, sua capacidade do trabalho se encontrava reduzida e este se investia no direito de receber a reparação respectiva.”

Para Nancy Andrigui, a morte interrompeu o ciclo. Não se pode mais falar em perda de capacidade de trabalho e por isso acabou a obrigação da empresa de repará-lo.

Leia o voto de Nancy Andrigui

RECURSO ESPECIAL Nº 997.056 – RS (2005/0160471-5)

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

R.P/ACÓRDÃO: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: CLÁUDIO ASSIS ARGENTO – ESPÓLIO

REPR. POR: MADALENA GLÓRIA SACCARO ARGENTA

ADVOGADO: GUSTAVO FAUSTO MIELE E OUTRO(S)

RECORRIDO: MUNDIAL S/A PRODUTOS DE CONSUMO

ADVOGADO: JÚLIO CÉSAR RUZZARIN E OUTRO(S)

EMENTA

Acidente do trabalho. Perda da mão esquerda por empregado. Indenização deferia, como complemento de sua remuneração, a ser paga até a data em que o trabalhador, que sobreviveu ao acidente, completaria 65 anos de idade. Morte do acidentado antes dessa data. Pretensão de seus sucessores de manter o pagamento da indenização até a data em que ele, se vivo, completaria os 65 anos de idade. Impossibilidade. Recurso não conhecido.

– Em que pese a natureza indenizatória da pensão mensal fixada em função da perda da capacidade laborativa do empregado que perdeu a mão em acidente do trabalho, tal indenização somente pode ser paga enquanto se produzir o dano correspondente. Se o empregado, que mensalmente é remunerado em conformidade com o que se determinou na sentença, vem a falecer antes da data-limite nela fixada, não há como habilitar os sucessores a receber a pensão mensal.

– A indenização por acidente do trabalho é paga mensalmente, não porque se configure uma indenização única cujo pagamento é deferido em prestações, mas porque o próprio dano, reconhecido na sentença, protrai-se no tempo. Vale dizer: a cada mês de trabalho sem uma das mãos, verifica-se o dano reconhecido na sentença e incide a obrigação, para o empregador, de repará-lo. Com o falecimento do acidentado, esse ciclo se interrompe a indenização não mais é devida.


Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, não conhecendo do recurso especial, por maioria, não conhecer do recurso especial. Vencido o Sr. Ministro Relator. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 03 de abril de 2008.(data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 997.056 – RS (2005/0160471-5)

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

RECORRENTE: CLÁUDIO ASSIS ARGENTO – ESPÓLIO

REPR. POR: MADALENA GLÓRIA SACCARO ARGENTA

ADVOGADO: GUSTAVO FAUSTO MIELE E OUTRO(S)

RECORRIDO: MUNDIAL S/A PRODUTOS DE CONSUMO

ADVOGADO: JÚLIO CÉSAR RUZZARIN E OUTRO(S)

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE CLÁUDIO ASSIS ARGENTO visando a impugnar acórdão exarado pelo TJ/RS no julgamento de agravo de instrumento recebido, pelo princípio da fungibilidade, como recurso de apelação.

A controvérsia teve origem em ação, já transitada em julgado, pela qual o de cujus obteve o reconhecimento de seu direito de receber, da sociedade MUNDIAL S/A PRODUTOS DE CONSUMO, indenização pela perda de sua capacidade laborativa, estimada em 60%, em decorrência da perda de sua mão esquerda em acidente do trabalho.

Pelo que se depreende dos documentos que há nos autos – o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça como Agravo de Instrumento convertido em Recurso Especial – a condenação imposta ao empregador foi a de indenizar mensalmente o trabalhador acidentado, proporcionalmente à capacidade de trabalho que perdeu, até a data em que completaria a idade de 65 anos.

Ocorre que o trabalhador acidentado veio a falecer antes de completar sessenta e cinco anos. Com isso, sua viúva pleiteou a habilitação do espólio na execução, para que a indenização continuasse a ser paga aos herdeiros do de cujus até a data fixada na sentença, não obstante ofalecimento. Tal pretensão foi rechaçada pelo juízo de primeiro grau, que houve por bem extinguir a ação de execução.

Isso motivou a interposição, por parte do Espólio, de agravo de instrumento. Ao receber o recurso, o Tribunal a quo, preliminarmente, converteu-o em apelação, por maioria (vencido, quanto ao ponto, um dos Desembargadores que participaram do julgamento, que considerava erro crasso a impugnação da sentença que extingue a execução pela via do agravo de instrumento). No mérito, também por maioria (vencido, aqui, o relator), o Tribunal a quo houve por bem manter a sentença que extinguira a execução, sob os seguintes fundamentos, que ora extraio do voto do Des. Relator para acórdão:

“o entendimento aqui é o mesmo que já defendi em tantos outros julgamentos em que se postulou indenização por dano patrimonial em vista da diminuição da capacidade laborativa em decorrência de acidente do trabalho: visa o pensionamento à recomposição daquilo que o trabalhador teria perdido em capacidade funcional e que redundaria em diminuição nos seus rendimetnos em vista do ‘menor valor’ da sua força de trabalho, ante as seqüelas do infortúnio”.

Assim, sempre nas palavras do Tribunal a quo, a “vinculação da parcela indenizatória é personalíssima, porquanto não se pode pretender se transfira ao espólio a possibilidade de auferir ganhos que não teria ao tempo em que o trabalhador, falecido, não mais contibuiria financeiramente ao provimento do núcleo familiar”. A indenização visaria, portanto, a “recompor a perda presumida nos ganhos do operário por conta da diminuição da sua capacidade produtiva, complementando seus ganhos enquanto trabalhador remunerado”. Eis a ementa do acórdão:

“PROCESSUAL CIVIL.

EXECUÇÃO. EXTINÇÃO. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO CONHECIDO COMO APELAÇÃO, EXCEPCIONALMENTE.

Da decisão que extingue a Execução cabe o recurso de Apelação. Agravo conhecido em caráter excepcional, pelo intransponível prejuízo que adviria à parte e, principalmente, pelo encaminhamento da questão de fundo.

ACIDENTE DO TRABALHO. PENSÃO. RECOMPOSIÇÃO DAS PERDAS DO OPERÁRIO. INDENIZAÇÃO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO.

A pensão conferida pela diminuição da capacidade laborativa por acidente do trabalho visa recompor a perda da capacidade funcional e que redundaria em diminuição nos rendimentos do trabalhador, complementando seus ganhos.

Assim, a pensão é devida até e se o beneficiário completar 65 anos de idade, interrompendo-se caso venha a falecer antes disso.

Por maioria, rejeitaram a preliminar de não conhecimento, vencido o Presidente. Por maioria, negaram provimento ao Agravo de Instrumento, vencido o Relator.”


Recurso especial: interposto pelo Espólio, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. Alega-se a violação ao art. 943 do CC/2002 (art. 1.526 do CC/16) e ao art. 43 do CPC. Para o recorrente, não se poderia impedir a transmissão hereditária do direito que assistia ao de cujus, à indenização pelo acidente de trabalho que sofreu, até a data em que completaria 65 anos de idade, notadamente porque tal direito tem conteúdo patrimonial e não personalíssimo.

Admissibilidade: o recurso não foi admitido, na origem, motivando a interposição do agravo de instrumento nº 710.474/RS, a que o i. Min. Relator houve por bem converter em recurso especial.

Voto do i. Min. Relator: no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso especial, para o fim de garantir ao espólio o direito à indenização que fora fixado em favor do de cujus, até a data em que, se vivo, este completaria 65 anos de idade.

Pedi vista para melhor análise da controvérsia.

Revisados os fatos, decido.

Nas razões do recurso especial, o ora recorrente afirma que “é certa a concepção de que a indenização material, decorrente de responsabilidade civil possui caráter estritamente patrimonial, não configurando-se (sic), desta forma, como prestação personalíssima, ou seja, se tal prestação indenizatória possui caráter pecuniário, sendo portanto integrada ao patrimônio do de cujus, por óbvio que é passível de transmissão sucessória, como todos os demais bens do de cujus”. Para ele, “não é o dano que se transmite aos sucessores da vítima, mas o direito à indenização correspondente, o qual já está consolidado.” (fl.33/STJ)

Com todas as vênias ao ilustre Ministro Relator, desse trecho é possível extrair a chave para a solução da controvérsia, em que pese tal solução ser contrária à idéia defendida no recurso especial. Realmente, não é o dano que se transmite aos herdeiros, mas o direito à respectiva indenização, o que, de resto, é evidente. Mas a indenização que se transmite irremediavelmente tem de se manter equivalente ao prejuízo causado, ou seja: não há obrigação de indenizar onde não há dano.

Não há, nos autos, a sentença pela qual a recorrida foi condenada a indenizar o de cujus pela perda de sua mão esquerda. Como já observado, o presente recurso especial originou-se pela conversão de um agravo de instrumento e o conhecimento da questão está, portanto, limitado pelas peças obrigatórias juntadas pelo agravante. Todavia, há uma parte dessa sentença transcrita no voto proferido pelo Des. Relator para acórdão, no Tribunal de origem. Nesse trecho, é possível notar de maneira clara os limites da condenação imposta, verbis:

“O laudo, no item conclusão, avalia qual a repercussão da perda da mão esquerda do autor em suas atividades, dizendo que ‘tal seqüela determinou uma invalidez parcial e permanente no autor que é quantificada pela tabela DPVAT em 60%’

A indenização pleiteada, então, deve obedecer a mesma proporção do dano causado ao autor, estabelecida de acordo com a queda de sua capacidade produtiva.

Se viu as suas funções reduzidas em 60%, a indenização que lhe é devida deve pautar-se por este percentual, ou seja, deverá perceber a quantia mensal de 60% do equivalente ao seu salário na época do acidente, até o dia em que irá completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade. (grifei)

(…)

A presente condenação tem caráter indenizatório, não podendo ser compensada com rendimentos eventualmente auferidos pelo postulante pelo necessário exercício de outra atividade ou profissão”

Como se vê, a indenização foi fixada na medida do dano. Calculou-se, pelos critérios estabelecidos no processo de origem, que a perda da capacidade laborativa do de cujus teria sido de 60% e, na proporção dessa perda, complementou-se a sua remuneração mensal. Com a morte do trabalhador, a diminuição de sua capacidade laborativa perde a razão de ser. A indenização, se continuasse a ser paga, não encontraria, na sua contrapartida, dano algum indenizável.

É importante que se note, aqui, que a condenação que ora se discute não consubstancia indenização una, de montante determinado, na qual apenas o pagamento tenha sido imposto ao empregador em prestações mensais, como se fosse um crediário para a reparação do dano. Em primeiro lugar, essa possibilidade de parcelamento de uma indenização não encontraria respaldo na legislação pátria. Em segundo lugar, se realmente estivéssemos diante de uma indenização fixa com pagamento mensal, seria necessária a imposição de juros sobre cada parcela, sob pena de enriquecimento ilícito do devedor.

Ao contrário, na hipótese dos autos o pagamento se fixou mensalmente porque o dano decorrente do acidente do trabalho não se produziu integralmente no momento do acidente, mas protrai-se no tempo, ou seja: a cada mês em que o acidentado vivia sem uma das mãos, sua capacidade do trabalho se encontrava reduzida e este se investia no direito de receber a reparação respectiva. A determinação contida na sentença, portanto, é de indenizar integralmente o dano, sem parcelamentos, à medida que ele, que se estende no tempo, vai se produzindo.

A morte do de cujus interrompeu esse ciclo. Ao falecer, não se pode mais falar de perda da capacidade de trabalho da pessoa e, conseqüentemente, não há o que ser complementado pelo empregador. Desaparece a manifestação mensal do dano e, com ela, a obrigação de repará-lo.

Disso decorre que não é possível deferir à família a habilitação na ação de execução, não porque a reparação de danos materiais não seja, em tese, passível de transmissão hereditária. Ela é. O problema, na hipótese sub judice, é que o próprio dano reparado não mais se verifica.

Forte em tais razões, peço todas as vênias ao i. Min. Relator para divergir de seu voto e não conhecer do recurso especial.

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