Crônica do erro

Por que Brasil não conseguiu extradição de Berezovsky e Kia

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8 de abril de 2008, 18h12

Epigrafado com o timbre “Confidencial e Urgentíssimo”, um documento de 63 linhas da embaixada do Brasil em Londres informou ao governo brasileiro o malogro jurídico que foi a tentativa de extradição, pedida pelo Brasil à Inglaterra, do empresário russo Boris Abramovich Berezovsky e dos iranianos Kia Joorabchian e Nojan Bedroud.

Os três empresários são acusados no Brasil de usarem um contrato de parceria e patrocínio com o Corinthians para lavar dinheiro de atividades criminosas. Através da empresa de promoção esportiva MSI eles teriam aplicado US$ 35 milhões no clube brasileiro, dinheiro que serviu para contratar o craque argentino Carlos Tevez e montar o time que ganhou o Campeonato Brasileiro de Futebol 2005.

O documento vem assinado por Anna Tamba, da embaixada brasileira em Londres, e foi remetido a Humberto Alves de Mendonça, chefe substituto da Divisão de Medidas Compulsórias do Ministério da Justiça. A Divisão, por sua vez, repassou os dados, em 13 de março, num documento de 13 linhas, a Márcio Rached Millani, juiz federal substituto da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Junto foi enviada também cópia da nota do Home Office, o Ministério do Exterior da Inglaterra, informando a negativa da Justiça ao pedido de extradição do Brasil.

A embaixada brasileira dá esclarecimentos sobre o parecer assinado por Tina Whybrow, procuradora da Equipe de Extradição da Divisão de Crimes Especiais do Crown Prosecution Service (CPS) do governo britânico. No documento, Anna Tamba explica que o “CPS representa os Estados requerentes em processos de extradição e pode prestar aconselhamento a quem considere apropriado no cursos desses processos”.

É o que faz Tina Whybrow, em seu parecer, onde aponta os defeitos do pedido de extradição apresentado pelo Ministério da Justiça. Como diz o documento da embaixada, a especialista inglesa “enumera aspectos que a seu ver requerem reparo, entre os quais a ausência de provas, a falta de informações sobre certas leis brasileiras mencionadas nos autos e problemas de tradução”.

Entre as falhas apontadas pela procuradora inglesa há também questões jurídicas. “Whybrox assinala que provas provenientes da Rússia seriam igualmente necessárias para que se possa demonstrar que Berezovsky sabia que os valores investidos pelo MSI no Corinthians eram provenientes de crimes que teria cometido naquele país”.

Mesmo que não tivesse apresentado um pedido de extradição com tantos defeitos, as autoridades brasileiras – categoria em que estão incluídos o Ministério Público, a Justiça Federal, o Ministério da Justiça e o Itamaraty – se lançaram a um árduo desafio ao pedirem à Inglaterra a extradição de Berezovsky.

Antes do Brasil e com argumentos supostamente muito mais consistentes, o governo russo do presidente Vladimir Putin já havia tentado a extradição do empresário russo. Um dos homens mais ricos da Rússia, Berezovsky é acusado de ter feito sua fortuna à sombra do ex-presidente Boris Ieltsin e às custas do tumultuado processo de privatização das estatais do antigo império soviético. A Inglaterra não apenas rejeitou o pedido de extradição do governo russo, como concedeu o status de asilado político a Berezovsky.

O envolvimento de Berezovsky com atividades ilícitas no Brasil é ainda mais incerto. Tanto o Ministério Público Federal quanto o Ministério Público paulista apresentaram denúncia contra ele, acusando-o de ser o real investidor por trás da MSI, um misterioso fundo de investimento que celebrou um contrato de patrocínio e parceria com o Corinthians, o clube de futebol mais popular de São Paulo. A face visível da MSI era o empresário iraniano Kia Joorabchian, também processado e de quem também se pediu a extradição. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal, que decretou a prisão e pediu a extradição dos dois investidores.

Na Inglaterra, o juiz da cidade de Westiminster, rejeitou o pedido de prisão preventiva para fins de extradição dos dois, além de Nojan Bedroud, outro iraniano envolvido na operação MSI-Corinthians. O juiz considerou que não encontrou evidências que justificassem a extradição dos três. E devolveu o pedido ao Home Office, que os devolveu à embaixada do Brasil em Londres.

Veja os documentos

Documento 1

Confidencial – Urgentíssimo

Ofício nº 50

DJ/JUST BRAS GBRE

Brasília, em 30 de janeiro de 2008.

Ilustríssimo Senor

Doutor Humberto Alves de Mendonça

Chefe Substituto, da Divisão de Medidas Compulsórias

Ministério da Justiça

Senhor Chefe,

Em aditamento ao Ofício n° 32, de 18 de janeiro de 2008, informo Vossa Senhoria de que a Embaixada do Brasil em Londres recebeu comunicação do “Home Office” encaminhando carta de Tina Whybrow, “Crown Advocate” da Equipe de Extradição da Divisão de Crimes Especiais do “Crown Prosecution Service” (CPS), acerca do pedido de extradição de BORIS ABRAMOVICH BEREZOVSKY (Processo nº 0800.015170/2007-85), KIAVISH JOORABCHIAN e NOJAN BEDROUD.

2. O CPS representa os Estados requerentes em processos de extradição e pode prestar aconselhamento a quem considere apropriado no curso desses processos. Nesse contexto, Whybrow comenta a documentação recebida do Governo brasileiro e enumera aspectos que, a seu ver, merecem reparo, entre os quais a ausência de provas, a falta de informações sobre certas leis brasileiras mencionadas nos autos e problemas na tradução. Em alguns trechos da carta, Whybrow assinala que provas provenientes da Rússia seriam igualmente necessárias para que se possa demonstrar que Berezovsky sabia que os valores investidos pelo MSI no Corinthians eram provenientes dos crimes que teria cometido naquele país. Whybrow se dispõe a aconselhar as autoridades brasileiras a sanar tais aspectos.

3. Em contato com Whybrow, aquela Embaixada obteve as seguintes informações adicionais:

a) Em sua opinião, a descrição do crime nos autos e as provas apresentadas não permitem a caracterização exata dos fatos, prejudicando, portanto, sua tipificação. De forma geral, a documentação não estaria adequada ao sistema jurídico britânico, o que enfraqueceria o pedido brasileiro;

b) o pedido de extradição já foi submetido pelo “Home Office” ao Poder Judiciário local. Depreende-se da explicação de Whybrow que o “Home Office” verifica apenas a constância de certos requisitos formais para a apresentação do pedido ao Judiciário (ou seja, não faz a mesma avaliação substantiva sobre o caso realizado pelo CPS). Audiência foi realizada no dia 28 de janeiro, e Whybrow pronunciou-se sobre a documentação, apontando as falhas listadas em sua carta. O Judiciário, que deverá agora decidir se decreta a prisão preventiva dos acusados, poderá ou não acolher seus pontos-de-vista. Não há prazo para que o juiz decida sobre o pedido de prisão preventiva:

c) se os acusados forem de fato detidos, deverá correr prazo de dois meses entre a prisão e a audiência em que o Judiciário decidirá sobre a extradição propriamente dita. Reiterando o conteúdo de sua carta, Whybrow estaria preocupada com o prazo, em face de toda a documentação a ser preparada pelas autoridades brasileiras. O Governo brasileiro teria duas opções: retirar o caso (“withdraw the case”) para posterior reapresentação ou complementar a documentação apresentada (“supplement the case”). Caso decida pela primeira opção, o Governo brasileiro ganharia tempo, mas corre o risco de aparentar estar “jogando com o sistema”, isto é, “testando” a documentação apresentada;

d) caso o Governo brasileiro decida pela complementação da documentação, Whybrow se dispõe a cooperar com as autoridades brasileiras, avaliando, de antemão, a adequação da informação preparada. Para tanto, Whybrow considera vital estabelecer canal de diálogo com as autoridades competentes no Brasil e sugeriu, para tanto, a troca de informações por meio de Embaixada, a realização de tele/videoconferência e a vinda de missão de representantes brasileiros.

4. Em face do exposto, muito agradeceria receber instruções e informações que habitem aquela Missão Diplomática a responder à carta de Whybrow, que transcrevo, a seguir, em vista da confidencialidade da informação e da urgência em sua transmissão:

Ms Anna Tamba

Documento 2

Fax MJ/SNJ/DE/DMC 1091Assunto: Processo nº 08000.015170/2007-83

A Sua Excelência o Senhor

Dr. MARCIO RACHED MILLANI

MM Juiz Federal Substituto da 6ª Vara Federal Criminal do

Estado de São Paulo

Senhor Juiz,

Com referência ao Ofício nº 704, de 1º de agosto de 2007, dirijo-me a Vossa Excelência para encaminhar cópia do ofício 87 DJ/JUST BRAS GBRE e anexo, que informa a denegação do pedido de prisão preventiva dos estrangeiros BORIS ABRAMOVICH BEREZOVSKY, KIA VASH JOORBCHIAN e NOJAN BEDROUD.

Esclareço que, foi solicitado à autoridades daquele país cópia do interior teor da decisão que denegou o referido pedido.

Novas informações, tão logo disponíveis, serão encaminhadas a esse Juízo.

Respeitosamente,

Roberto Rubem Ribeiro

Chefe da Divisão de Medidas Compulsórias

Documento 3

Reservado – Urgente

Ofício Nº 87 DJ/JUST BRAS GBRE

Brasília 25 de fevereiro de 2008

Ilustríssimo Senhor

Doutor Humberto Alves de Mendonça

Chefe Substituto da Divisão de Medidas Compulsórias

Ministério da Justiça

Senhor Chefe,

Em aditamento ao Ofício nº 57, de 11 de fevereiro de 2008, informo Vossa Senhoria de que o “Home Office” comunicou à Embaixada do Brasil em Londres a decisão do Poder Judiciário local de indeferir o pedido de prisão preventiva de BORIS BEREZOVSKY (Processo nº 08000.015170/2007-85)., KIA VASH JOORBCHIAN e NOJAN BEDROUD e devolveu a documentação referente aos pedidos de extradição formulados pelo Governo brasileiro.

2. Conforme adiantado àquela Missão Diplomática por Tina Whybrow, “Crown Advocate” da Equipe de Extradição da Divisão de Crimes Especiais do “Crown Prosecution Service” (CPS), o Juiz Distrital que julgou os pedidos em apreço considerou que não havia provas suficientes que justificassem a ordem de prisão.

3. Seguem, em anexo, os documentos alusivos aos pedidos extradicionais, restituídos pelo “Home Office”.

Atenciosamente,

Patrícia Maria O. Lima

Chefe, substituta, da Divisão Jurídica

Documento 4

Home Office

Extradition Section

14 february 2008

Maria Angélica Ikeda

Secretary (Legal Affairs)

Brazilian Embassy

32 Green Street

London W1Y 4AT

Dear Ms. Ikeda

EXTRADITION OF BORIS BEREZOVSKY, KIAVASH JOORABCHIAN AND NOJAN BEDROUD

We fave been advised by City of Westminster Magistrate’s Court that the District Judge, having considered the extradition requests for the above-named persons, has decided not to issue warrants for their arrests.

I undestand that the District Judge gave the following reasons:

“I have considered the papers filed in support of these three requests. No evidence is filed and in each case I cannot be satisfied that there is evidence that would justitfy the issue of a warrant for extradition offences as required by section 71 (2) & (3) Extradition Act 2003”.

I am therefore returning the original requests.

Your Sincerely

JULIAN GIBBS

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