Muro das lamentações

CNJ luta para não virar mais uma instância da Justiça

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29 de setembro de 2007, 0h00

Até o fim do ano, o Conselho Nacional de Justiça deve aprovar um novo regimento interno que promete revolucionar a pauta do plenário e sua forma de julgar. Idealizada desde a primeira gestão do CNJ, a proposta prevê uma série de medidas para que o Conselho ganhe tempo e não se perca em questões de baixa relevância.

Um dos principais pontos do novo conjunto de regras de atuação trata de uma espécie de repercussão geral no CNJ. A idéia é fazer uma seleção mais rigorosa dos processos que vão à pauta, a partir de critérios que serão desenvolvidos para escolher questões de interesse geral.

“É um caminho possível respeitando o direito de defesa das partes, equilibrando a necessidade de celeridade e o direito de acesso à Justiça”, comenta o conselheiro Paulo Lôbo, que integra a Comissão de Reforma do Regimento Interno. A comissão é presidida pelo ministro Cesar Asfor Rocha, corregedor nacional de Justiça, e também pelo conselheiro Mairan Gonçalves Maia Júnior.

Outra previsão do novo regimento é conferir mais autonomia às comissões do Conselho, atualmente seis, entre elas a Comissão de Acesso à Justiça, Juizados Especiais e Conciliação, e a Comissão de Informatização, Modernização e Projetos Especiais. Com mais independência, as comissões poderão deliberar sem necessidade de aguardar as reuniões quinzenais do plenário. Poderão promover encontros e atividades sem precisar do aval dos 14 conselheiros que integram o CNJ.

Assim como as comissões, os relatores dos processos que chegam ao Conselho também ganharão mais autonomia: terão mais liberdade para decidir monocraticamente determinados casos, apoiados em enunciados administrativos, impedindo assim que o Conselho todo pare para decidir. Segundo Paulo Lôbo, esta mudança evitará que questões individuais e de menor relevância ocupem o tempo do plenário.

O risco da judicialização das questões administrativas também preocupa a comissão, que já providencia um dispositivo para simplificar os processos. “O CNJ não pode ter o formalismo do Judiciário”, afirma Paulo Lôbo. O conselheiro acredita que com esta série de medidas o Conselho conseguirá driblar a alta demanda, sem tolher o direito de acesso, e se concentrar na principal missão a que se destina: cuidar da gestão do Poder Judiciário.

Poço sem fundo

Criado em 2005, pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário), o Conselho Nacional de Justiça tem sido alvo de críticas e insatisfações de todos os lados, inclusive dos próprios conselheiros, de ontem e de hoje.

Com reuniões quinzenais, o CNJ tem se debruçado em pautas extensas, recheadas, na maior parte das vezes, de assuntos menores e localizados. Por exemplo, um pedido contra o Tribunal de Justiça de Alagoas pelo fato de restringir o acesso de advogados ao estacionamento privativo dos juízes.

“É preciso redefinir as atribuições do CNJ, para que ele não se transforme em um muro de lamentações, de queixas individuais da magistratura. Ele foi criado para traçar as políticas macro do Poder Judiciário, melhorar sua estrutura, fixar princípios e ações que visem estabelecer a moralidade”, afirma o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto.

Britto lembra que boa parte dos processos que tramitam no CNJ não preenche o objetivo pautado na Reforma do Judiciário. Segundo o presidente da OAB nacional, a discussão de um código de ética da magistratura e o estabelecimento de regras para concursos públicos deveriam ter pauta prioritária, quer seja pela abrangência das questões, quer seja para eliminar as dúvidas individuais que abarrotam a pauta.

Na cerimônia de posse da nova composição do Conselho, em junho deste ano, a própria presidente da casa, ministra Ellen Gracie, reconheceu o CNJ vinha se perdendo em casos isolados. “Interesses individuais foram trazidos ao conhecimento do Conselho. Isso pode ser um pequeno desvio, mas mesmo estes casos serviram para adotarmos medidas mais amplas”, disse a ministra.

Paulo Lôbo, conselheiro que permanece desde a primeira composição do CNJ, enxerga algum valor nos pequenos pedidos. “Às vezes, de uma postulação aparentemente individual pode surgir um interesse maior.”

O conselheiro Jorge Maurique, que já foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), afirma que é preciso observar o contexto do surgimento do Conselho para entender os rumos tomados pela pauta. Para Maurique, o CNJ acaba canalizando é também um canal de expressão: “Uma demanda muito grande aflorou com a criação do CNJ, fazendo dele um canal de discussão de problemas administrativos”.

Como Paulo Lôbo, Maurique entende que a partir de casos pequenos e individuais o CNJ pode começar a delimitar a sua atuação criando precedentes, para depois avançar nas questões macro. Jorge Maurique lembra que a partir da discussão de um caso concreto do estado do Amazonas, que discutia critérios para remoção de um juiz, abriu-se um precedente importante para direcionar as regras para remoção em todo país.

Com o novo regimento, as aflições de quem quer ver o Conselho ditando os rumos da Justiça no Brasil poderão ser amenizadas.

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