Donos do poder

Corrupção é tanta que querem até criar tribunal para isso

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27 de setembro de 2007, 0h00

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (18/9), Proposta de Emenda Constitucional que cria o Tribunal Superior da Probidade Administrativa, que terá atribuição para julgar ações penais de corrupção contra a administração pública envolvendo autoridades públicas, bem como réus que não possuam cargos públicos.

Segundo a proposta, o tribunal receberia todos os processos de improbidade que tramitam no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Contaria com a participação de 11 integrantes, todos indicados pelo STF, sabatinados pelo Senado e, por fim, nomeados pelo presidente da República. O texto da proposta será analisado por uma comissão especial da Câmara e depois seguirá para a votação no Plenário. Caso seja aprovada, a Emenda ainda precisará ser aprovada pelo Senado. (Informações retiradas do site da Apamagis)

Andou o presidente da AMB, Rodrigo Collaço, protocolando junto ao CNJ pedido de providência administrativa. Ele foi ao programa do Jô Soares; esteve com o atual presidente do Senado; perambulou pela Câmara dos Deputados; enfim, fez política grossa para que a sua brilhante idéia fosse aceita. Collaço quer priorizar os julgamentos dos crimes de corrupção para satisfazer os reclamos da sociedade (leia-se: mídia). Collaço é um homem político, pragmático e que sabe mexer com nervos expostos. Inventa uma solução às custas de seus colegas e ganha mais do que esperava: a criação de um tribunal inteiro que, na realidade, será um Supremo Tribunal para os crimes de corrupção.

A que ponto chegou a política no Brasil. São tantos e habituais os crimes de corrupção que a solução foi criar um tribunal superior só para julgar crimes cometidos por homens públicos.

Bem se vê o pragmatismo revoltante vigente. Tantos mais crimes, tantos mais delitos civis, a solução é a ampliação das varas, câmaras e tribunais, numa onda de especializações judiciais sem fim. A última invenção do atual ministro da Defesa foram os juizados nos aeroportos do Brasil. Sem dúvida uma forma astuciosa de transferir o problema para o Judiciário. E o STF aplaude, o CNJ acompanha e a AMB exulta. Por certo que não tardará que sejam colocados juízes “especiais” de plantão em shoppings, hipermercados, campos de futebol, pontos de ônibus e por aí afora. Aliás, o Órgão Especial do TJ-SP acaba de criar uma câmara especial para julgamento de crimes contra a administração pública praticados por prefeitos e vereadores. O CNJ, por sua vez, baixou resolução instituindo plantão de desembargador que fica um fim de semana inteiro resolvendo palavras cruzadas.

O curioso de tudo isso é que não há um sociólogo, um político, um filósofo, um intelectual, um professor da USP, como a Marilena Chauí, por exemplo, para dizer que está desconfiada de que alguma coisa está errada no Brasil para serem criados tantos juízos, varas, câmaras e tribunais especiais. Será que eles estão fazendo de conta de que não perceberam que o Brasil se tornou um país dos litígios judiciais? Que se transformou num país habitado por bandidos de todas as espécies e origens, de facínoras, de traficantes que comandam um Estado inteiro, de devedores, de espertos, de golpistas, de escroques transvertidos de empresários, de práticas comerciais e empresariais maliciosas?

Será que não há um cientista social para dizer que a miséria humana, a miséria de valores, de religião, de educação, enfim, de respeito ao próximo, está se igualando à miséria material? Por sua vez, o que fazem os intelectuais dos direitos humanos que ocupam páginas inteiras dos jornais de domingo com suas pernósticas opiniões sobre a falência do sistema judiciário brasileiro, de sua morosidade, de sua “liturgia” medieval, quando eles próprios fazem parte dessa pantomima armada pelo governo Lula, que habilmente conseguiu creditar ao Judiciário toda a culpa pela miséria, pela criminalidade e até, cinicamente, pelo subdesenvolvimento econômico do Brasil.

É nesse caldo de subcultura jurídico-judiciária e cuja origem está no autoritarismo jacobino, na inveja da pequena burguesia e nas teorias de juristas narcisos, que fermentam essas invenções salvadoras como a de um novo Superior Tribunal Criminal, especializado em crimes de corrupção.

Fico pensando, por outro lado, se esse tribunal não será bastante útil para aqueles que almejam altas funções e poderes públicos, para os políticos em geral, para os réus e para o próprio STF, que irá se livrar de uma verdadeira bomba relógio que é o processo crime do mensalão, ou dos 40 denunciados, posto que, qualquer que seja o resultado, sem dúvida, os protestos de todos os matizes ocorrerão, insuflados pela idéia de uma nova Venezuela, Bolívia, Equador, ou Peru, na América do Sul.

De resto, sob o ponto de vista essencialmente jurídico-constitucional que consagra o princípio do juiz natural, não se pode deixar de indagar se é possível que esse futuro e próximo superior tribunal possa vir a julgar os denunciados do mensalão e todos os demais crimes de corrupção que estão em tramitação pelo STJ e STF.

O professor e desembargador do Paraná José Maurício Pinto de Almeida ensina que “toda discussão no mundo globalizado em torno das garantias dos povos em relação a um julgamento justo e imparcial vem resultando em amiúdes reafirmações do Princípio do Juiz Natural em tratados, pactos e convenções, a ponto de a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 10, dispor que” todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele “.

A seu turno, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, encerra a garantia do juiz natural, tendo sido ratificada no Brasil pelo Decreto 678/92, de 6 de novembro, cujo artigo 8º, I, prevê: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela (in Revista Digital da Associação dos Juizes do Paraná).

Atente-se, pois, para esta grave advertência do eminente desembargador curitibano no sentido de que não pode ser criado juízo ou tribunal especial para julgar crime já ocorrido, ou seja, o novo Tribunal Superior não poderá julgar os crimes do mensalão e todos outros que estão em tramitação pelos tribunais de Brasília, sob pena de inequívoca ofensa ao princípio do juiz natural, até porque os 11 juízes serão nomeados diretamente pelo presidente Lula, o que irá parecer, sem dúvida, que os ministros foram especialmente escolhidos para tão tormentoso julgamento.

Ou será que os denunciados preferem o julgamento da nova corte de Justiça, abrindo mão do princípio constitucional do juiz natural?

O que nos resta é apenas assistir o que fazem com a Justiça no Brasil os “donos do poder”, na exata expressão de Raimundo Faoro.

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